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Na segunda metade do século XX, como aponta Lago (2006), a literatura dedicada às questões ambientais teve seu primeiro grande afloramento em obras como Silent Spring (1962), de Rachel Carson, This Endangered Planet (1971) e Blueprint for Survival (publicado em janeiro de 1972 pela revista inglesa The

Ecologist) de Richard Falk, e The Tragedy of Commons (1968) de Garret Hardin. Casos de acidentes ecológicos começaram a ganhar mais atenção,

como por exemplo, a intoxicação por mercúrio de pescadores e suas famílias em Minamata, no Japão, entre as décadas de 1950 a 1970 e que ganhou repercussão mundial com as fotos de W. Eugene Smith.

Em 1967, da mesma forma, o naufrágio do petroleiro “Torrey Canyon” que causou graves danos às costas inglesas e francesas teve grande impacto na opinião pública, elevando a atenção sobre a questão ambiental (LAGO, 2006).

A efervescência das manifestações de contracultura entre as décadas de 1960 e 1970, sobretudo nos países do Norte, foi essencial para inserir a questão ambiental no debate político. O epicentro do movimento ambientalista é, portanto, essencialmente das classes médias das sociedades mais ricas. O conhecimento científico foi fundamental para a construção da problemática ambiental. Silent

Spring, por exemplo, conseguiu demonstrar a associação do uso de agrotóxicos e a

diminuição da população de aves, o que mais tarde influenciou o banimento do pesticida DDT nas produções agrícolas.

No entanto, isto trouxe como consequência também algumas reflexões e argumentos bastante particulares. Um exemplo disso foi o impacto da obra supracitada Blueprint for Survival, de 1972. De maneira sucinta podemos descrever seu argumento central como um planejamento que predicava o controle populacional para que a população mundial não ultrapassasse os 3,5 bilhões de pessoas. Era sugerido também um controle severo de imigração (LAGO, 2006).

Neste sentido, a década de 1970 representa um marco para a emergência de uma perspectiva ambiental, consolidando um campo multidisciplinar dedicado a essa questão. A incorporação dessa temática na esfera política passa a ser protagonizada principalmente pela ONU a partir da conferência de Estocolmo, tendo como foco a questão do desenvolvimento.

A incorporação dos temas ligados ao desenvolvimento e à natureza pelas instâncias de governo é acompanhada de uma discussão sobre o próprio caráter da temática ambiental.

Para Viola e Leis (1992), esse processo foi descrito como uma passagem do bissetorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o desenvolvimento sustentável, processo este que certamente converge para a questão ambiental nas mesas de decisões. Segundo a visão multissetorial de Viola e Leis (1992), o movimento ambientalista seria transclassista, o que resultaria em um compartilhamento comum de visão de mundo entre os diversos segmentos da sociedade. Sobre esse contexto, Crespo (1995, apud ACSELRAD, 2012, p. 41) chega a afirmar que “o nosso conflito principal está se dando entre o homem e a natureza e não entre os homens”. Esse caráter de desafio global para a humanidade insere o debate ambiental em uma dimensão universal e, novamente, é possível observar a utilização de recursos que apagam as divergências e conflitos inerentes ao campo social.

A posição defendida por Viola e Leis (1992) pode ser criticada pela perspectiva que buscamos desenvolver neste trabalho. Essa visão multissetorial seria, portanto, um movimento histórico e não social. Tal interpretação certamente promove um esvaziamento do conteúdo político das questões ambientais, caracterizando uma ideia de universalidade para a questão.

O discurso que sustenta a ideia de que a questão ambiental não possui tensões ou conflitos sociais apoia-se em uma perspectiva universalista que mascara as disputas presentes no debate. Acselrad (2012) identifica algumas visões que compartilham a ideia de multissetorialismo supraclassista descrito por Viola e Leis (1992), a saber: o ecologismo de resultados e o projeto problemático de unificação de sujeitos em torno de uma só consciência ambiental.

Um exemplo dessa segunda visão é a de Hector Leis (1994, apud ACSELRAD, 2012), que considera que o ambientalismo brasileiro deve abandonar o utopismo e adotar posições mais moderadas e convergentes à social democracia e ao social-liberalismo para facilitar a aliança entre vários setores. Terceira visão: o multissetorialismo seria o responsável pela perda de radicalidade do movimento ambientalista (ALEXANDRE, 2000; LOUREIRO, 2000, apud ACSELRAD, 2012).

No entanto, este trabalho desenvolverá uma perspectiva crítica com relação à ideia de que o movimento ambiental seria, sobretudo, um movimento histórico, desprovido de tensões de interesse de grupos, classes ou nações. Acselrad (2012) dedica-se a esta crítica ao considerar a concepção multissetorialista de caráter universal:

O pressuposto visível desta perspectiva é a remissão a um meio ambiente único, ao qual corresponderia uma consciência ambiental também única, relativa a um mundo material fetichizado e reduzido a quantidades de matéria e energia, um meio ambiente do qual não se evidenciariam as múltiplas formas sociais de apropriação e as diversas práticas culturais de sua significação. As estratégias associadas a este tipo de diagnóstico – consensualista - tendem, por certo, a esvaziar o próprio conteúdo político do debate que envolve a definição das problemáticas do meio ambiente. O debate assim configurado tende, consequentemente, a ser substituído pela simples busca dos indicadores técnico-científicos mais apropriados a evidenciar a crise ambiental e a conquistar adesão pública a seu enfrentamento (ACSELRAD, 2012, p. 40).

Essa perspectiva aloca o conflito e as tensões sobre a questão ambiental como processos já superados e, ao adotar esse pressuposto, consolida- se uma ideia específica sobre a natureza e, consequentemente, sobre a relação da sociedade com a natureza.

Podemos considerar que a Conferência de Estocolmo em 1972 foi o primeiro grande marco para o debate sobre a questão ambiental em escala global. No entanto, como procuramos demonstrar ao longo deste trabalho, não é possível compreender este debate sem antes contextualizarmos sua emergência. Foi também na década de 1970 que se observou a emergência do paradigma neoclássico que, ao longo das décadas seguintes, teve grande influência no cenário político internacional.

É possível perceber que os grandes marcos do debate sobre meio ambiente estão, ao longo da história, associados diretamente a momentos de reconfiguração global de ordem econômica. Isto sugere um movimento orbital do tema em relação às questões consideradas mais centrais para a política internacional. Esse processo reforça a hipótese deste trabalho de que a temática ambiental é capturada como um recurso de legitimidade discursiva, promovendo um processo de enclausuramento que não favorece a construção de um debate mais complexo sobre a construção social do meio ambiente.

A emergência da problemática ambiental na década de 1970 está associada também à emergência de uma perspectiva específica da teoria econômica, denominada marginalismo ou economia neoclássica, que tem como uma de suas derivações a Economia Ambiental (MARTINS, 2004). Nesta perspectiva, as concepções de Marx sobre os processos históricos da produção são desprezadas, adotando-se a chamada teoria da utilidade marginal. Esta última desconsidera a perspectiva histórica das relações socais e apoia-se em um constructo matemático, através do equacionamento da Lei de Oferta e Demanda, para compreender a dinâmica social. Essa lei pressupõe, em linhas gerais e sem grandes variações, que existe uma relação inversamente proporcional entre a oferta de determinada mercadoria e sua procura, determinando assim o valor do bem econômico. O valor, ao contrário do que observa Marx, se dá pela relação dos bens econômicos com o mercado (MARTINS, 2004).

O termo neoliberalismo foi cunhado em 1938 por Ludwing Von Mises e Friedrich Hayek e nasceu em oposição às políticas de welfare state, que segundo estes promovia uma centralidade do Estado, podendo inclusive levar ao totalitarismo. Em The Road to Serfdom (2005), Hayek afirma que a repressão ao individualismo levaria necessariamente ao controle totalitário estatal. O termo

neoliberalismo é, de fato, muito amplo e não pode ser descrito a partir de um único grupo de intelectuais. Porém, é possível traçar, brevemente, algumas premissas centrais dessa corrente de pensamento que certamente influenciou toda a trajetória do debate ambiental desde a primeira conferência de 1972.

Como revela Martins (2004), ao longo das últimas décadas o approach neoclássico passa a ser referência, utilizado como instrumento das políticas ambientais para interpretar as relações entre a economia e a natureza. A concepção de ativos, ou recursos naturais, é incorporada na equação como externalidade do sistema econômico.

A noção de utilidade do bem é determinada, desta forma, pelo comportamento dos agentes econômicos. Trata-se, portanto, de uma teoria que se fundamenta no aspecto psicológico da racionalidade econômica (MARTINS, 2004). A relação com o mercado, e não mais a quantidade de trabalho, é o que determina o valor do bem, o que implica dizer que há a transferência de valor da esfera da produção para a esfera do consumo (MARTINS, 2004). A corrente utilitarista talvez seja a vertente que esteve mais presente no debate sobre a questão ambiental e por duas razões principais, a saber: a primeira delas é o seu caráter estritamente científico. Fundamentada pelo pensamento matemático, esta teoria se sustenta por um modelo abstrato de representação da realidade que se concentra na ideia de fluxo circular do mercado. A força motriz deste modelo é a eficiência. O mercado, foco central da análise, seria formado por dois grupos principais, os produtores de bens e os consumidores. A eficiência é o termo retirado do conceito de optimum de Pareto, desenvolvida por Vilfredo Pareto (1984).

A segunda razão refere-se à instrumentalização econômica. A teoria marginalista defende que pelos mecanismos do mercado é possível alcançar a maximização do bem-estar. Esta crença é sustentada pelo optimum de Pareto, por considerar que os recursos e os gastos dos indivíduos ou de grupos são alocados de tal forma que nenhuma outra realocação promoveria uma melhor situação possível para todos os envolvidos. Esta é uma aposta que não considera, no entanto, que o processo de satisfação de um indivíduo ou grupo possa estar diretamente ligado à inferiorização do Outro.

O contexto histórico supracitado relaciona-se com a crise global do petróleo e a necessidade de se pensar modelos que reorganizem a economia global.

Neste cenário consolida-se o discurso da valorização dos mercados livres. Esta reestruturação do sistema econômico está intimamente ligada à influência do pensamento dos economistas Milton Friedman e Friedrich Hayek, que encontraram sua maior expressão na consolidação deste pensamento na Escola de Chicago. De maneira breve, o eixo central desta perspectiva estava assentado na ideia de que uma maior liberdade do mercado e uma menor interferência dos Estados poderia promover uma dinâmica salutar de autorregulação do mercado.

Em conformidade com a ideia do optimum de Pareto, esta autocorreção é vista como inerente ao mercado. As décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela forte influência deste pensamento econômico, em especial com os governos de Ronald Reagan nos Estados Unidos, Margaret Thatcher na Inglaterra e Helmut Kohl na Alemanha. Chegaria ao Brasil com força na década de 1990, com grandes programas de privatizações e financiamentos para o desenvolvimento de grandes instituições internacionais, que praticavam este modelo de desenvolvimento econômico, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM).

Convém destacar que o modelo neoclássico, a partir da década de 1970, passa a ter um poder de influência significativa na realidade política global. E em relação à temática ambiental, podemos observá-la nos cernes da argumentação sobre como solucionar a crise já diagnosticada.

A influência deste modelo no cenário global teve um profundo impacto na gestão regulatória em relação aos recursos naturais. Joseph Stiglitz (2001) foi um crítico do modelo neoclássico, em especial por considerar que este modelo não leva em consideração as assimetrias de informação dos agentes que participam do mercado. E neste sentido Stiglitz (2001) considera que a incorporação das externalidades não funciona quando consideramos tal assimetria. Esta postura crítica de Stiglitz vai levá-lo a participar da elaboração do Report by the Commission

on the Measurement of Economic Performance and Social Progress (STIGLITZ;

SEN; FITOUSSI, 2009). Trata-se de um esforço para a elaboração de um indicador mais complexo sobre o desenvolvimento, que não se restringiria ao mecanismo de precificação das coisas como forma de regulação do uso.

O desenvolvimento da teoria marginalista se consolida e caminha conjuntamente com o debate da questão ambiental e torna-se uma corrente forte que procura solucionar o fenômeno de escassez de recurso, mesmo este sendo um

elemento que inviabiliza a afirmação de Pareto de que o indivíduo busca maximizar sua satisfação sem prejudicar terceiros. O conceito de eficiência de Pareto encontra seu ponto de equilíbrio quando a satisfação de um indivíduo não piora a situação de terceiros. Esta ideia é central para as políticas neoclássicas e influencia decisivamente o argumento de eficiência do uso dos recursos naturais.