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Economia criativa e cidades: a lógica da criatividade e inovação

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.3 Crise do fordismo e a emergência da economia criativa

2.3.1 Economia criativa e cidades: a lógica da criatividade e inovação

Podem-se observar, pelo menos, duas abordagens com enfoques distintos que tratam sobre o tema da relação entre economia criativa e economia urbana, especificamente, com o objetivo de entender os efeitos e a dinâmica das aglomerações produtivas em grandes cidades. A primeira abordagem tem como expoente a contribuição de Richard

27 Florida, que centra seus estudos em torno do papel do capital humano e organizacional para desenvolver o conceito de classe criativa, que seria um conjunto de profissionais e organizações que encontrariam condições específicas em determinados grandes centros urbanos para desenvolverem suas atividades produtivas.

Essas condições seriam, entre outros elementos, a presença de um ambiente de boemia e tolerância, conjugada com uma disponibilidade de infraestrutura de recursos tecnológicos, notadamente com a presença de empresas de alta tecnologia. Com efeito, Florida (2002) propõe o conceito de classe criativa em torno de indicadores que seriam os três Ts – Tecnologia, Talento e Tolerância – para justificar a preferência dos profissionais criativos (normalmente profissionais liberais) em se estabelecerem em determinadas cidades.

Em torno da proposta de Florida (2002) está a ideia de que a vida cultural, rica e diversificada de determinadas cidades, criaria uma mobilização territorial capaz de impulsionar o crescimento socioeconômico pautado em inovações. Esta concepção está associada a uma atmosfera de tolerância de convívio e à presença de redes de empresas e universidades voltadas ao desenvolvimento de inovações tecnológicas. O importante é enfatizar que as vantagens de aglomeração das grandes cidades são mais explicadas (atualmente) pelas transações imateriais (fluxos) do que pelos custos imobiliários, de transporte e comunicação (fixos). Ou seja, mais pela formação de bens imateriais do que materiais. As vantagens das aglomerações seriam a diminuição das incertezas com a concentração de fornecedores e clientes, alta flexibilidade, ganhos de produtividade e, principalmente, como argumentam Storper e Venables (2004), o contato face a face (para o compartilhamento de conhecimento tácito, a rápida tomada de decisão e o estabelecimento de confiança entre os atores).

A segunda abordagem é capitaneada por

Scott (2000, 2002, 2005 e 2008). Nela, são analisadas as tendências de aglomeração de indústrias criativas e suas relações com grandes centros urbanos. Florida (2002) tem como abordagem central a questão da atratividade urbana por parte de cidades criativas, que devem criar condições de aglomerar indivíduos criativos e talentosos (classe criativa). Ao contrário de Florida (2002), os estudos de Allen J. Scott são baseados no entendimento das trajetórias de formação, relações territoriais que sustentam e reforçam a competitividade das aglomerações e seus participantes.

Como destaca Figueiredo (2009), as aglomerações produtivas de setores criativos apresentam uma forte interdependência e constantes interações entre variadas cadeias

28 produtivas. Por exemplo, profissionais e pequenos fornecedores da indústria do cinema também atuam na cadeia produtiva da televisão, bem como produzem e oferecem serviços para o teatro. Segundo Scott (2005), essa situação é bastante comum nas indústrias criativas, que apresentam processos produtivos desverticalizados, com o intenso uso de terceirizações, mão de obra altamente especializada e pontual (como

free lancers).

Nesse sentido, parte das explicações para o sucesso de determinadas aglomerações produtivas encontra lugar no transbordamento de conhecimento tácito (territorialmente específico) que passa de empresa a empresa através da mobilidade de trabalhadores. Mas essa concentração de trabalhadores e firmas, geradora de externalidades positivas pela aglomeração espacial, não cria, exatamente, barreiras à dispersão produtiva. Scott (2005) observa que as grandes cidades tendem a concentrar a produção de bens e serviços culturais, principalmente, as etapas de criação do processo produtivo e as atividades de produção vinculadas ao conteúdo criativo, valores estéticos e simbólicos. Isto é, as etapas mais simples (de complexidade criativa) da cadeia produtiva, com maior grau de padronização dos processos e atividades, podem ser localizadas fora dos grandes centros.

Entretanto, como já discutido, notadamente, pela literatura dos sistemas de inovação, os atores institucionais cumprem um papel fundamental na dinâmica das relações e trocas de conhecimento mobilizadoras das atividades de inovação em aglomerações produtivas. A partir das ações desses atores (diretas e indiretas) é produzido o ambiente institucional, que é determinante na mediação das relações, através da formalização das normas e contratos (estrutura institucional formal), bem como através de regras, códigos e padrões de convivência entre os agentes econômicos (estrutura institucional informal).

Figueiredo (2009) pondera que, no contexto das indústrias criativas, há uma forte relação entre evolução da aglomeração produtiva e suas instituições. Isso porque essas atividades econômicas se enraízam em territórios produtivos, nos quais se organizam e produzem, mas, fundamentalmente, extraem (e constroem) vantagens competitivas de um saber fazer local (territorializado). O autor destaca, a partir de uma profunda análise sobre o território produtivo do cinema na região metropolitana do Rio de Janeiro, que as instituições, por proverem uma estrutura de interação entre as empresas e trabalhadores, incentivam a formação das redes. Essas, por sua vez, produzem externalidades positivas que são apropriadas, tal qual um recurso, pelas firmas envolvidas na cadeia produtiva cinematográfica do Rio de Janeiro.

29 A pesquisa de Figueiredo (2009) é voltada para a análise, formação e trajetória da aglomeração produtiva do cinema no Rio de Janeiro. Tal estudo é permeado pela discussão vinculada ao tema do desenvolvimento econômico – apostando bastante no papel das instituições –, além de destacar a contribuição da bacia de mão de obra de trabalhadores criativos na cidade para o sucesso da aglomeração. Em sua visão, esse

manancial de profissionais

criativos “(...) atende às demandas das firmas é composta na sua essência pela chamada classe criativa, que, segundo Florida (2002), é composta por um conjunto de pessoas que atuam com base em seus conhecimentos e habilidades para produzir (...)” (FIGUEIREDO, 2009, p.99).

A constante flutuação de profissionais criativos por entre as redes produtivas das indústrias criativas, mobilizados a cada projeto, constituem um ativo fundamental que é apropriado (e produzido) como um bem comum aos participantes (externalidades). Ao analisar essas relações na produção de um filme, Figueiredo (2009) traz esse ilustrativo exemplo:

A utilização de profissionais do carnaval carioca para construir os cenários dos filmes produzidos no Rio de Janeiro; a importância de costureiras, provenientes da indústria da moda, para a montagem do figurino; a criatividade de roteiristas, oriundos da literatura; e o papel dos designers para as campanhas de divulgação dos filmes, são exemplos importantes de como uma específica indústria cultural se beneficia da diversidade da classe criativa existente na Cidade (FIGUEIREDO, 2009, p. 99).

Com efeito, é possível reconhecer que as vantagens competitivas das aglomerações produtivas de indústrias criativas residem nas suas bacias de trabalho (criativo e produtivo) e nos seus ambientes institucionais. Partindo desse ponto, é importante discutir as especificidades do processo de inovação da indústria da moda e a sua relação com os grandes centros urbanos.

2.4 O processo de inovação da indústria da moda e as