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PARTE III – A ORDEM ECONÔMICA E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE

2. ECONOMIA DO MEIO AMBIENTE

2.2. Economia Ecológica

A Economia Ecológica, semeada pelo economista romeno Nicolas Georgescu-Roegen, pressupõe que o caminho para a sustentabilidade está na lógica econômica cíclica, com a adoção de novos estilos de vida, produção e consumo (reorganização social). Ao contrário da vertente neoclássica, que procura incorporar o meio ambiente ao sistema de mercado, a Economia Ecológica vislumbra o sistema de mercado inserido dentro de um todo maior, o meio ambiente.

Para os neoclássicos, o sistema econômico é apenas relativamente limitado pelas restrições ambientais, que, por sua vez, poderiam ser superadas pelos avanços científicos e tecnológicos. Já sob a perspectiva ecológica, é o meio ambiente que incide sobre o sistema econômico, sendo este apenas um de seus subsistemas. Essas diferentes abordagens foram muito bem ilustradas por Mattos, et al. (2009a, p. 52) no gráfico abaixo:

meio ambiente Sistema econômico meio ambiente Sistema econômico

Economia ambiental neoclássica

As figuras acima retratam bem como ambas as escolas percebem o meio ambiente na economia. Enquanto a abordagem neoclássica visualiza o sistema econômico como central, encontrando-se este limitado pelo meio ambiente, sobretudo, pela escassez dos recursos ambientais, a percepção ecológica vislumbra o sistema econômico apenas como um dos subsistemas integrantes do meio ambiente, este sim, impondo restrições absolutas à sua expansão.

Destarte, para a Economia Ecológica o sistema econômico deve ser entendido e compreendido a partir de um todo maior, complexo, a fim de não fragmentar a análise do problema ecológico, seguindo, aqui, portanto, a linha do pensamento complexo de Morin (2007), segundo a qual nenhuma realidade pode ser compreendida de modo unidimensional, sendo imprescindível que esteja ligada a outras dimensões:

“Como dizia Pascal: ‘Considero impossível conhecer as partes enquanto partes sem conhecer o todo, mas não considero menos impossível a possibilidade de conhecer o todo sem conhecer singularmente as partes’. A frase de Pascal nos envia à necessidade dos vaivens que correm o risco de gerar um círculo vicioso, mas que podem constituir um circuito produtivo como num movimento da naveta que tece o desenvolvimento do pensamento” (MORIN, 2007, p.103).

Logo, na esteira do pensamento complexo, a Economia Ecológica critica o enfoque reducionista da vertente neoclássica, que não leva em consideração em sua abordagem as leis da termodinâmica (especialmente a lei da conservação da matéria e energia e a lei da entropia6) (ANDRADE, 2008) e a complexidade inerente às questões ambientais, que só podem ser analisadas num ambiente multi, inter e transdisciplinar, exigindo, portanto, uma integração analítica de várias perspectivas.

A análise a partir dessa perspectiva inter-multi-transdiciplinar já significa um avanço rumo à compreensão e solução dos problemas ambientais. As disciplinas sociais, jurídicas, econômicas, físicas, químicas, biológicas e ecológicas devem manter-se interligadas, “todas as partes isoladas devem ser inteiramente examinadas, de sorte que, quando somadas, satisfaçam o todo e cada parte” (VILLAS BOAS, 2011, p. 156).

6 Segundo Morin, “no início do século XX, a reflexão sobre o universo se chocava a um paradoxo. De um lado,

o segundo princípio da termodinâmica indicava que o universo tende à entropia geral, isto é, à desordem máxima e, de outro, revelava-se que neste mesmo universo as coisas se organizam, se complexificam e se desenvolve” (2007, p.61).

Sob esse enfoque, a solução das externalidades não passa por simplesmente reduzir o bem ou serviço ambiental a um “bem econômico”, sendo necessária uma análise holística das interações entre o meio e o sistema econômico:

“A economia ecológica busca, pois, analisar, as relações entre sistema econômico e meio ambiente, adotando um approach metodológico pluralista e não-mecanicista, na tentativa de ampliar os modelos neoclássicos para incorporar variáveis ecológicas e físicas não contempladas no esquema analítico convencional. Ela enxerga o conjunto economia-meio ambiente como um sistema que evolui, apresentando comportamentos não-determinísticos e cuja complexidade não é totalmente compreendida” (ANDRADE, 2008, p. 19).

Diferenciam-se, assim, as vertentes ecológica e neoclássica, promovendo a primeira uma análise sistêmica e avaliação multidimensional da interrelação entre meio ambiente e economia, voltando-se a segunda muito mais a uma análise de custos externos e valoração econômica, baseada na avaliação do custo-benefício.

Outra censura que a Economia Ecológica faz à abordagem neoclássica é que esta introduz, como uma de suas ferramentas metodológicas, o conceito de “disposição a pagar”, à medida que a escassez do recurso aumenta:

“No entanto, a capacidade de julgamento dos indivíduos é socialmente condicionada pelos seus poderes econômicos e políticos e pelos interesses locais, e os preços de mercado refletem a escassez de cada recurso em particular, e não a escassez absoluta dos recursos em geral. Logo a determinação de preços relativos através da ‘disposição a pagar’ tem distorções insuperáveis, além de não observar a relevância da distribuição de renda e do acesso aos recursos naturais por todas as camadas da sociedade nos processos de desenvolvimento” (MATTOS, et al., 2009, p. 53).

Nesse sentido, a valoração econômica dos bens e serviços ambientais pelo método neoclássico, seria, no entender dos economistas ecológicos, falho por conferir um caráter fortemente economicista às análises que envolvem o meio ambiente, não conseguindo captar valores referentes à maioria dos serviços ecossistêmicos, além de não contemplar importantes aspectos inerentes à dinâmica dos processos naturais.

É de se dizer, contudo, que a valoração dos bens e serviços ambientais vislumbrada pela Economia Ecológica traz em si dificuldades quase intransponíveis em razão da própria complexidade das interações ecossistêmicas e da falta de informações que permitam um correto tratamento dessas interações.

A nosso ver, a valoração do meio ambiente pelo seu custo total, embutindo no preço do produto os custos totais das externalidades e ainda aqueles decorrentes dos impactos socioambientais, seria o ideal num mundo ideal, contudo, essa não é uma tarefa fácil de se conduzir porque não existem mercados capazes de traduzir fielmente nos preços os reais custos dos produtos, como bem explanado em entrevista concedida por Ricardo Abramovay:

“Para cria-los [mercados que traduzam os custos totais dos produtos] será necessário um conjunto de artifícios por meio dos quais serão imputados preços aos produtos, que passarão por concepções de justiça, discussões sobre o que é justo, o que não é justo e qual é o custo ambiental de alguma coisa. A tradução do custo ambiental em preço não é automática. Passa por uma filtragem, por uma espécie de digestão do feonômeno natural em direção ao fenômeno preço, e esse processo não é automático. Esse processo vai ter que ser feito por alguém, por instituições, que terão concepções de justiça determinadas e que são socialmente dadas” (ARNT, 2010, p. 273).

Esta, assim, é uma das críticas dos economistas neoclássicos à vertente ecológica: a falta de critério objetivo para a valoração dos recursos ambientais. Por isso mesmo, o grande desafio da Economia Ecológica está no desenvolvimento de um sistema de valoração que absorva os mais variados critérios, em que o valor monetário seja ponderado com valores não- monetários.

É preciso dizer, entretanto, que a Economia Ecológica não afasta totalmente o critério monetário trazido pela vertente neoclássica, apenas procura agregar mais fatores a essa equação provenientes de avaliações físicas e sociais das contribuições da natureza e dos impactos ambientais da economia humana, uma vez que as cifras monetárias dos serviços ecossistêmicos se mostram, a seu ver, metodologicamente incoerentes, sendo, imperativo, portanto, incluir a dinâmica cíclica dos processos naturais em sua relação com o sistema econômico e bem-estar social.

Não obstante as críticas apresentadas às abordagens neoclássica e ecológica, é certo que ambas influenciaram as discussões sobre a capacidade de o mercado se transformar em instrumento para a consecução dos objetivos da proteção ambiental, voltando esse debate volta com força na medida em que se reconhece a insuficiência dos instrumentos de comando e controle para a preservação ambiental, fazendo-se imperativo aliá-lo a instrumentos econômicos que estimulem, através de incentivos e benefícios, aqueles que provêm serviços ambientais, protegendo, conservando e melhorando a qualidade do meio ambiente.

As noções aqui apresentadas, portanto, ainda que superficiais, são de suma importância para a contextualização do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) como instrumento econômico de incentivo à proteção das áreas de reserva legal, uma vez que o mercado pode ser um dos canais viáveis à realização de ganhos decorrentes desses ativos florestais.

3. VALORAÇÃO ECONÔMICA DOS BENS E SERVIÇOS AMBIENTAIS

Como já referido alhures, os bens ambientais e os serviços oferecidos pelos ecossistemas tem um valor socioambiental que nem sempre é incorporado pelo mercado. Assim, para que se procure conferir um maior equilíbrio à equação do desenvolvimento econômico, imperativo que se faça um exercício para a sua quantificação e valoração econômica.

Na literatura, o valor econômico do recurso ambiental (VERA) é geralmente desmembrado em valor de uso (VU) e valor de não-uso (VNU). Os valores de uso compreendem:

• Valores de uso direto (VUD): são aqueles utilizados diretamente pelos agentes, como, por exemplo, madeira, alimentos, medicamentos, etc;

• Valores de uso indireto (VUI): são aqueles que beneficiam os agentes indiretamente, derivando-se das funções ecossistêmicas, tais como, regulação de clima, armazenamento de carbono, manutenção de ciclos hidrológicos;

• Valor de opção (VO): são aqueles derivados da opção que o agente tem de deixar para utilizar (direta ou indiretamente) em um futuro próximo os benefícios ofertados pelos bens e serviços ambientais. Ex: valor da biodiversidade, na expectativa de que componentes dela possam ser usados para fins medicinais no futuro.

O valor de não-uso, por sua vez, diz respeito o valor de existência (VE) do bem ou serviço ambiental, não se encontrando relacionado ao seu uso. Retrata, portanto, o valor intrínseco que aquele bem ou serviço representa para a coletividade, envolvendo essa valoração aspectos inerentes à ética, moral, cultura, ou altruísmo em relação ao direito de existência das espécies não-humanas, mesmo que essas não representem uso atual ou futuro para o indivíduo (MOTTA, 2006).

Poderíamos, então, sintetizar essa classificação através do seguinte quadro taxonômico:

VERA = (VUD + VUI + VO) + VE

VALOR DE USO VALOR DE NÃO-USO

DIRETO INDIRETO DE OPÇÃO DE EXISTÊNCIA

Bens e serviços ambientais apropriados diretamente da exploração do recurso e consumidos hoje Bens e serviços ambientais que são gerados de funções ecossistêmicas e apropriados indiretamente hoje Bens e serviços ambientais de usos diretos e indiretos a serem apropriados no futuro

Valor não associado ao uso atual ou futuro e que

reflete questões morais, culturais, éticas ou

altruísticas. Fonte: MOTTA, 2006, p.13

Como se vê do quadro acima, os bens ambientais de uso direto, por serem aqueles mais táteis, consumidos e utilizados de forma direta em nosso cotidiano, como o alimento, a madeira, a água, são os que geralmente estamos acostumados a valorar e, por serem facilmente apreendidos pelo mercado, a sua precificação é relativamente mais simples. Já a valoração dos serviços como armazenamento de carbono, manutenção de ciclos hídricos, manutenção da biodiversidade, ou mesmo uma espécie em extinção, que retratam um valor uso indireto, de opção ou mesmo de existência, são de complexa mensuração, mesclando critérios objetivos e subjetivos de apreciação.

A dificuldade para se encontrar preços de mercado que reflitam os diferentes valores atribuídos aos recursos ambientais é, portanto, evidente, especialmente quando se fala em valores de uso indireto (VUI) e de opção (VO). O desafio dessa quantificação é ainda maior quando se trata do valor de existência (VE), que não possui qualquer parâmetro objetivo de avaliação, já que pautado em critérios eminentemente subjetivos.

A para desses diferentes elementos que compõem o valor econômico total dos recursos ambientais, a economia ambiental passa então a apresentar métodos para a sua aferição.

Os diferentes métodos existentes para quantificação e valoração econômica do meio ambiente são trazidos pelo arcabouço teórico da microeconomia e, apesar de não constituírem objeto de análise específica deste trabalho, faremos uma sucinta menção a alguns deles, destacando os mais empregados em programas de pagamento por serviços ambientais.

As metodologias usuais de valoração dos bens e serviços ambientais podem ser classificadas em: métodos de função da produção (abarcando os métodos de produtividade marginal, de bens substitutos e custo de oportunidade), e os métodos de função de demanda (englobando os métodos de mercados de bens complementares e o da valoração contingente)7.

Todos aqueles métodos, à exceção da valoração contingente, são baseados “em preços de mercado de bens privados que tem sua produção afetada pela disponibilidade de bens e serviços ambientais, sejam eles substitutos ou complementares aos bens ou serviços ambientais que se pretende valorar” (MOTTA, 2006, p. 21), captando os valores de uso (direito e indireto), ou ainda os valores de opção, não sendo capazes, contudo, de retratarem o valor intrínseco, ou seja, o valor de existência do recurso ambiental, uma vez que este não se encontra, como visto, vinculado ao consumo de outros bens ou serviços privados.

Logo, dentre aquelas metodologias mencionadas, apenas o método de valoração contingente permite a estimação de valores de existência, porque procura mensurar monetariamente o impacto no nível do bem-estar dos agentes decorrente de uma variação quantitativa ou qualitativa dos bens ambientais, utilizando, para tanto, dois indicadores: a disposição a pagar (DAP) e a disposição a aceitar (DAA). Isto é, quanto o agente estaria disposto a pagar para obter uma melhoria na sua qualidade de vida, ou quanto estaria disposto a aceitar como compensação para a perda de um bem-estar.

A DAP e a DAA são estimadas nessa metodologia com base em cenários ambientais hipotéticos, simulados através de pesquisas de campo, alimentadas com dados primários obtidos a partir de entrevistas com os indivíduos que estejam dispostos a arcar com os custos

ou benefícios decorrentes das alterações na disponibilidade quantitativa ou qualitativa do meio ambiente (MOTTA, 2006).

Essa técnica, como bem ressaltado por Motta (2006), é de extrema valia para a análise econômica do meio ambiente, uma vez que é a única capaz de estimar o valor de não-uso (de existência) dos bens e serviços ambientais. Não obstante, importa registrar como ponto fraco dessa análise a própria confiabilidade dos dados primários, que requerem a adoção de procedimentos rigorosos na formulação da pesquisa.

Demais disso, ainda que o procedimento para obtenção dos dados tenha sido rigoroso, é certo que estes refletirão o valor intrínseco que o agente atribuiu para aquele momento da entrevista, podendo, entretanto, sofrer variações ao longo do tempo, pois, como já referido, o valor de existência reflete questões morais, culturais, éticas ou altruísticas do próprio entrevistado, que não são necessariamente estáticas.

No que diz respeito ao Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), tema desta dissertação, a metodologia mais utilizada para valoração dos serviços ambientais, tanto pela sua facilidade de aplicação, como de entendimento, é o método do custo de oportunidade, que, segundo Motta (2006), não valora diretamente o recurso natural, mas apenas estima o custo de preservá-lo pela não realização de uma atividade econômica concorrente. Ou seja, é aquele custo relacionado a uma oportunidade (renda) perdida em prol da preservação e conservação do bem ou serviço ambiental.

Seguindo a orientação dessa técnica de valoração, poder-se-ia dizer, por exemplo, que o custo de oportunidade da preservação de uma reserva florestal seria o valor da extração da madeira e da exploração agropecuária naquela área, atividades que o agente teria optado por não desenvolver para que a reserva fosse preservada em benefício da coletividade.

Apesar do método do custo de oportunidade ser o mais comumente usado no caso do pagamento por serviços ambientais, como será melhor exemplificado no capítulo específico destinado àquele instrumento, é certo que “a adoção de cada método dependerá do objetivo da valoração, das hipóteses assumidas, da disponibilidade de dados e conhecimento da dinâmica ecológica do objeto que está sendo valorado” (MOTTA, 2006, p. 14).

Existem ainda muitos desafios e obstáculos a serem enfrentados em relação à valoração econômica dos bens e serviços ambientais, seja em razão das dificuldades metodológicas, seja em razão das questões éticas e filosóficas que permeiam a temática, mas esperamos que muitos desses entraves sejam vencidos e superados com o amadurecimento das discussões sobre PSA, e a nossa esperança é a de que este trabalho possa, de alguma forma, contribuir, ainda que minimamente, com esses debates.

PARTE IV – REMUNERAÇÃO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS

1. INCENTIVO À PROTEÇÃO DOS SERVIÇOS AMBIENTAIS: O PAPEL DOS INSTRUMENTOS

ECONÔMICOS PARA A PROMOÇÃO DO DIREITO

Passamos, aqui, nesta quarta parte do trabalho, a tratar de forma mais direta do pagamento por serviços ambientais como instrumento econômico efetivo à proteção ambiental, mas não sem antes abordar a linha teórica que norteará o nosso entendimento.

1.1. Sanções positivas ou premiais

No estudo da Teoria Geral do Direito, a abordagem estruturalista, base da teoria pura kelseniana1, sempre prevaleceu sobre a abordagem funcionalista, de forma que a preocupação maior, por parte dos estudiosos do Direito, consistiu muito mais em saber como o direito é construído, do que propriamente investigar a que ele serve.

Em sua Teoria Pura do Direito, Kelsen (2009) se dedica à análise estrutural do sistema jurídico, sustentando que a validade do Direito estaria justamente na unidade normativa do sistema, ou seja, na norma jurídica. A partir do elemento normativo tornou possível construir uma teoria científica do Direito, salvaguardando, com isso, a pesquisa teórica da intrusão dos juízos de valor, evitando confusão entre o direito positivo (único objeto possível de uma teoria científica do direito) e o direito ideal (BOBBIO, 2007). Assim, para Kelsen, não se deve confundir o problema de como os homens se comportam (objeto de estudo da Sociologia, em especial da Sociologia do Direito), com o problema de como devem eles se comportar juridicamente – conteúdo normativo (objeto de análise da Ciência do Direito)2.

1 Para Hans Kelsen, fundador da Teoria Pura do Direito, uma teoria científica do direito não deve se ocupar da

função do direito, mas tão somente dos seus elementos estruturais: “Esta doutrina [a doutrina pura do direito] não considera, de fato, o objetivo que é perseguido e alcançado por meio do ordenamento jurídico, mas considera apenas o ordenamento jurídico mesmo; e considera este ordenamento na autonomia própria do seu conteúdo de sentido (Sinngehalt), e não relativamente a este seu objetivo” (KELSEN, apud BOBBIO, 2007).

2 Para a teoria pura “Importa depurar de la teoria jurídica de todo elemento científico natural y, em particular,

de la sociologia del Derecho. A la teoria jurídica pura no le interesan los motivos que deteminaron al legislador a dictar cierta ley, no los hechos econômicos que pueden influir em la sentencia de um tribunal, ni el temperamento o el carácter del juez que puede decidir, quizá, la suerte del litígio, no los efectos reales que puedam resultar de la aplicación de uma norma” (AFTALIÓN et al, 1999, p. 289).

Não se desfazendo propriamente de todos os enunciados tradicionais de Kelsen, mas contrariando-os em pontos fundamentais, Carlos Cossio3, jusfilósofo argentino, assevera que, malgrado o objeto de estudo do Direito deva ser as normas jurídicas, o conteúdo material destas contempla uma conduta humana como dever ser e não como possibilidade de coerção a partir do Poder Estatal, desenvolvendo, assim, a chamada Teoria Egológica do Direito, a qual propõe uma nova abordagem para o estudo da Ciência do Direito, que deve ser compreendida e interpretada mediante uma teoria do conhecimento voltada ao respeito da conduta humana em sua interação intersubjetiva, ou seja, a conduta de um indivíduo em relação ao outro.

Crítico de Kelsen, mas sem rechaçar por completo sua teoria, Bobbio (2007), em sintonia com Cossio, reconhece a importância do papel do destinatário da norma para o estudo do Direito, indo mais além ao analisar o impacto do Estado democrático, reformista, intervencionista e do bem-estar social no Direito.

Para Bobbio, vivencia-se atualmente uma tendência sociologizante da ciência jurídica, tornando-se cada vez mais estreitas, com o passar dos anos, as relações entre a ciência jurídica e as ciências sociais. Assim, atento aos fatos e à História, o estudo de Bobbio, condensado na sua obra Da Estrutura à Função (2007), volta-se à função do direito em relação aos destinatários das suas normas.

Os reflexos das mudanças sociais sobre as mudanças jurídicas, ocorridas especialmente na segunda metade do século XX, que caracterizaram a passagem do Estado liberal clássico para o Estado Social, assistencialista, levaram Bobbio a reconhecer o Direito como verdadeiro instrumento de direção social e não mais de controle social4, como pregado pela teoria pura, sendo, por conseguinte, inevitável a passagem da função tradicionalmente

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