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P AGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS COMO INSTRUMENTO ECONÔMICO DE INCENTIVO

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

LAURA LÍCIA DE MENDONÇA VICENTE

PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS COMO INSTRUMENTO ECONÔMICO DE INCENTIVO À PROTEÇÃO DAS ÁREAS DE RESERVA LEGAL

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

LAURA LÍCIA DE MENDONÇA VICENTE

PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS COMO INSTRUMENTO ECONÔMICO DE INCENTIVO À PROTEÇÃO DAS ÁREAS DE RESERVA LEGAL

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais, sob orientação da Prof. Dra. Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida.

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Banca Examinadora:

______________________________________________

______________________________________________

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Aos meus pais, Osvaldo e Nenen, eternos ídolos, responsáveis pelo início da minha história. Aos meus irmãos, Pablo e Élcio, melhores amigos para sempre.

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Amo vocês.

AGRADECIMENTOS

À Deus e ao meu Anjo da Guarda, por me guiarem ao longo de toda essa trajetória, sempre me amparando nos momentos de angústia e renovando minhas energias quando estas começavam a falhar.

Aos meus pais, irmãos, cunhada e sobrinhos, pelo amor incondicional, pela cumplicidade, pela confiança, pelas conversas, pela compreensão da minha ausência em momentos familiares importantes e, sobretudo, pela paciência que demonstraram nos meus momentos mais “raivosos”, como diria meu amado sobrinho Matheus.

Às minhas fiéis cadelas Mocinha e Sofia, que passaram horas ininterruptas deitadas aos meus pés enquanto eu me perdia em meio a pilhas de livros, debruçada sobre o teclado do computador, dia e noite.

Aos meus tios, tias, primos, primas, avô e avós, por trazerem alegria e descontração à minha vida.

À Amilcar Falcão, que, em conversas passadas, sempre insistia na ideia de realização do mestrado. Obrigada pela insistência, pela leitura dos originais, pelas contribuições acadêmicas e pelo estímulo para a conclusão do trabalho. Você lançou a semente, aqui está o resultado.

Aos amigos e ex-colegas de trabalho, Liza Baggio, Camila Farias, Sócrates Cortizo, pela amizade, paciência e por terem “segurado as pontas” na minha ausência.

À Tiago Lima, pelos ensinamentos, pelas oportunidades e pela confiança na minha capacidade profissional durante os quase onze anos de trabalho que dediquei ao Lima e Falcão.

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À prof. Dra. Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, por ter gentilmente aceitado o convite para orientação deste trabalho e pelas valiosas contribuições acadêmicas dadas em sala de aula.

Às professoras Dras. Maria Helena Diniz e Maria Celeste Leite Santos, pela maravilhosa oportunidade de poder cursar suas disciplinas e de desfrutar de suas sabedorias.

À prof. Dra. Regina Vera Villas Boas, que, com o seu jeito afetuoso e sereno, me introduziu ao pensamento complexo, revolucionando a minha forma de enxergar a realidade, e pelas sábias contribuições e sugestões realizadas por ocasião do exame de qualificação deste trabalho.

Às professoras Dras. Érika Bechara e Ana Maria de Oliveira Nusdeo, por gentilmente terem aceitado o convite para participar da banca examinadora da defesa deste trabalho, e pela grande contribuição da prof. Érika também na fase de qualificação.

Como não poderia deixar de ser, aos queridíssimos amigos do mestrado: Flávio Ahmed, Renata Falson, Cris Queli, Juliana Muniz, Gisele Lenzi e Cristiane Druve, pela companhia, pelas conversas, pelas risadas e pela troca de experiências, em sala e fora dela.

(7)

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo discutir a possibilidade de instituição de esquemas públicos de pagamentos por serviços ambientais a produtores rurais que recuperem e conservem as áreas de reserva legal no interior de suas propriedades. Isso porque, ainda que impostas por força legal, essa prestação positiva, realizada às custas exclusivas do produtor rural, geram externalidades ambientais positivas que são usufruídas gratuitamente por toda a sociedade. A nosso ver, essa equação deve encontrar um novo ponto de equilíbrio, conformando uma justa distribuição das vantagens e encargos da preservação ambiental. Nesse enfoque, vislumbramos no mecanismo do Pagamento por Serviços Ambientais - PSA um importante instrumento econômico passível de induzir condutas socialmente desejadas, assegurando de forma efetiva a proteção das áreas de reserva legal e possibilitando, ao mesmo tempo, um incremento na renda do produtor rural. Nosso entendimento está respaldado no princípio do protetor-recebedor, que alberga a ideia de internalização das externalidades positivas, como forma de reequilibrar relação econômica entre os envolvidos (provedores e beneficiários).

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ABSTRACT

This paper aims to discuss the possibility of establishment of public schemes of payments for environmental services to rural producers who recover and preserve the legal reserve areas within their properties. That’s because, even if imposed by law, this positive obligation, whose costs are assigned exclusively to rural producers, generates positive environmental externalities that are freely enjoyed by the whole society. In our view, this equation must find a new equilibrium point, forming a just distribution of benefits and costs of environmental preservation. In this approach, we consider the Payment for Environmental Services – PES mechanism an important economic instrument capable of inducing socially desirable behaviors, effectively ensuring the protection of the legal reserve areas, and allowing at the same time, an increase in the producer’s income. Our understanding is supported in the protector-receiver principle, which houses the idea of the internalizations of positive externalities as a way to balance economic relationship among the stakeholders (providers and beneficiaries).

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LISTA DE SIGLAS

AEM – Avaliação Ecossistêmica do Milênio

ANA – Agência Nacional de Águas

APP – Área de Preservação Permanente

BFA – Bolsa Floresta Associação

BFF – Bolsa Floresta Familiar

BFR – Bolsa Floresta Renda

BFS – Bolsa Floresta Social

BMgP – Benefício Marginal Privado

CAR – Cadastro Ambiental Rural

CDB – Convenção da Diversidade Biológica

CDS – Comissão de Desenvolvimento Sustentável

CEDERENA – Corporação para o Desenvolvimento dos Recursos Naturais

CEPAN – Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste

CF – Constituição Federal

CFEM – Compensação Financeira Pela Exploração de Recursos Minerais

CIFOR – Centro Internacional de Pesquisa Florestal

CMAD – Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados

CMgE – Custo Marginal Externo

CNA – Confederação Nacional da Agricultura

CNRH – Conselho Nacional de Recursos Hídricos

CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

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CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente

CQNUMC – Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática

CRA – Cota de Reserva Ambiental

CRF – Cota de Reserva Florestal

CSA – Compensação por Serviços Ambientais

DAA – Disposição a Aceitar

DAP – Disposição a Pagar

DFC – Desenvolvimento Florestal Comunitário

ECOSOC – Economic and Social Council

ETEP’s – Espaços Territoriais Especialmente Protegidos

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations

FAS – Fundação Amazonas Sustentável

FECOP – Fundo Estadual de Prevenção e Controle da Poluição

FIF – Fórum Intergovernamental sobre Florestas

FONAFIFO – Fundo Nacional de Financiamento Florestal

FRA – Global Forest Resources Assessment

FunPSA – Fundo Federal para Pagamento por Serviços Ambientais

GEE – Gases do Efeito Estufa

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICC – Instrumentos de Comando e Controle

ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

ICMS-E – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Ecológico

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INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

ISA – Instituto Socioambiental

ITR – Imposto Territorial Rural

MDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário

MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

MFS – Manejo Florestal Sustentável

MMA – Ministério do Meio Ambiente

MP – Medida Provisória

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PCF – Parceria Colaborativa sobre Florestas

PD – Polos Pioneiros de Desenvolvimento

PEC – Projeto de Emenda Constitucional

PIB – Produto Interno Bruto

PIF – Painel Intergovernamental sobre Florestas

PNMA – Política Nacional do Meio Ambiente

PNPSA – Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PRA – Programas de Regularização Ambiental

PROAMBIENTE – Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural

(12)

PSA – Pagamento por Serviços Ambientais

PSAH – Programa de Pagamento por Serviços Ambientais Hidrológicos

PL – Projeto de Lei

RCEs – Redução Certificadas de Emissões

REDD – Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal

RL – Reserva Legal

RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural

RSA – Recompensa Por Serviços Ambientais

SDS – Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável

SEUC – Sistema Estadual de Unidade de Conservação

SNUC – Sistema Nacional de Conservação da Natureza

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

UC – Unidades de Conservação

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

UNEP-WCMC – United Nations Environment Programme – World Conservation Monitoring Centre

UNFF – United Nations Forum on Forests

VE – Valor de Existência

VERA – Valor Econômico do Recurso Ambiental

VNU – Valor de Não Uso

VO – Valor de Opção

VU – Valor de Uso

VUD – Valor de Uso Direto

VUI – Valor de Uso Indireto

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SUMÁRIO

NOTAS INTRODUTÓRIAS...16

PARTE GERAL...23

1. MEIO AMBIENTE COMO OBJETO DE TUTELA DO DIREITO...23

2. FUNDAMENTOS PRINCIPIOLÓGICOS DO DIREITO AMBIENTAL ESTRUTURANTES DE UMA POLÍTICA DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS ...26

2.1. Princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente em relação aos interesses privados ...30

2.2. Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal na proteção do meio ambiente ...33

2.3. Princípio do desenvolvimento sustentável...36

2.4. Princípios da prevenção e da precaução...39

2.5. Princípios do poluidor pagador e usuário pagador...42

2.6. Princípio da participação popular...45

2.7. Princípio da função socioambiental da propriedade ...49

3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO BALIZADOR DA TUTELA AMBIENTAL...52

4. ÉTICA AMBIENTAL...58

PARTE II - PATRIMÔNIO FLORESTAL BRASILEIRO E AS ÁREAS DE RESERVA LEGAL ...64

1. HISTÓRICO DA TUTELA FLORESTAL NO DIREITO BRASILEIRO...64

1.1. Brasil-Colônia (1500-1822)...64

1.2. Brasil-Império (1822-1889)...71

1.3. Período Republicano...74

2. POLÍTICAS E ARRANJOS INTERNACIONAIS SOBRE FLORESTAS...81

3. PATRIMÔNIO FLORESTAL E PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL...91

3.1. Biomas nacionais...92

3.2. Espaços territoriais especialmente protegidos...95

4. A RESERVA LEGAL SOB A ÓTICA DO CÓDIGO FLORESTAL DE 1965 E DO SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI EM TRÂMITE NO CONGRESSO...96

(14)

4.2. Características e natureza jurídica da reserva legal...105

4.3. Aspectos gerais da reserva legal...109

4.4. Importância ecológica da localização da reserva legal...111

4.5. Averbação da reserva legal...113

4.6. Os percentuais de reserva legal e as alternativas legais para se alcançá-lo...116

4.6.1. Regeneração natural...117

4.6.2. Recomposição florestal...118

4.6.3. Compensação ambiental...119

4.6.4. Desoneração mediante doação de área ao Poder Público...122

4.6.5. Quadro comparativo...123

5. INFRAÇÕES LEGAIS À OBRIGAÇÃO DE MANUTENÇÃO DA RESERVA LEGAL...125

PARTE III – A ORDEM ECONÔMICA E A DEFESA DO MEIO AMBIENTE...128

1. POLÍTICAS ECONÔMICA E AMBIENTAL...128

2. ECONOMIA DO MEIO AMBIENTE...131

2.1. Economia Ambiental Neoclássica...135

2.1.1. Correção do mercado pela taxa pigouviana...139

2.1.2. Extensão do mercado e o Teorema de Coase...140

2.2. Economia Ecológica...145

3. VALORAÇÃO ECONÔMICA DOS BENS E SERVIÇOS AMBIENTAIS...149

PARTE IV – REMUNERAÇÃO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS...154

1. INCENTIVO À PROTEÇÃO DOS SERVIÇOS AMBIENTAIS: O PAPEL DOS INSTRUMENTOS ECONÔMICOS PARA A PROMOÇÃO DO DIREITO ...154

1.1. Sanções positivas ou premiais...154

1.2. Instrumentos econômicos como incentivo aos serviços ambientais...162

2. SERVIÇOS AMBIENTAIS: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E IMPORTÂNCIA...165

2.1. Tipos de serviços ambientais...170

(15)

4. ARRANJOS JURÍDICOS E INSTITUCIONAIS PARA UMA POLÍTICA DE PSA NO BRASIL...179

4.1. PSA: conceito, terminologia e natureza jurídica...179

4.2. Objetivos do PSA...187

4.3. Agentes envolvidos na remuneração...189

4.3.1. Provedores...190

4.3.2. Compradores (públicos, privados e terceiros intermediários)...193

4.4. Formas e critérios de pagamento. Definição de prioridades...198

4.5. Linha de base e adicionalidade...206

4.6. O arcabouço legal para implantação do PSA no Brasi...209

4.6.1. A cobrança pelo uso da água (Lei n° 9.433/1997)...210

4.6.2. Contribuição financeira prevista na Lei do SNUC...214

4.6.3. O mercado de carbono: Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e a Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+)...218

4.6.4. ICMS Ecológico...222

4.6.5. Isenção de ITR...225

4.6.6. Projeto de Lei da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais...231

4.6.7. Leis e instrumentos estaduais e municipais relacionados ao PSA...237

4.7. Desenho institucional para uma política pública de PSA...241

5. OUTRAS EXPERIÊNCIAS DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS ...244

5.1. Experiências internacionais ...244

5.1.1. O pioneirismo da Costa Rica...244

5.1.2. A experiência de Pimampiro no Equador...247

5.1.3. O caso do Rio Los Negros na Bolívia...249

5.1.4. Programa de PSA Hidrológico no México...252

5.2. Experiências nacionais...253

5.2.1. PROAMBIENTE...253

5.2.2. Programa Produtor de Água da ANA...257

(16)

5.2.3. Programa Amazonense Bolsa Floresta...263

5.2.4. Programa Federal Bolsa Verde (Lei n° 12.512/2011)...266

PARTE V – REMUNERAÇÃO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS COMO INCENTIVO À PROTEÇÃO DAS ÁREAS DE RESERVA LEGAL...270

1. SITUAÇÃO DAS ÁREAS DE RESERVA LEGAL NO BRASIL E A PRECARIEDADE DE SUA PROTEÇÃO 270 2. A POSSIBILIDADE DE MANEJO DO PSA EM BENEFÍCIO DAS ÁREAS DE RESERVA LEGAL ...275

2.1. Voluntariedade: o problema da remuneração para cumprimento de dever legal...276

2.2. Esquemas públicos de PSA para áreas de reserva legal...281

CONCLUSÃO...291

(17)

NOTAS INTRODUTÓRIAS

O resultado do presente trabalho consiste em fruto de longa reflexão acerca da possibilidade de, à luz da legislação ambiental brasileira, se impor aos proprietários rurais a obrigação de manter, em suas terras, percentual destinado à reserva florestal legal, sem prejudicá-los financeiramente de forma demasiada, já que não é permitida a supressão de vegetação nessas áreas para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica, à exceção do manejo florestal sustentável.

Através da pesquisa realizada para a elaboração desse estudo, foi possível chegar à conclusão de que os instrumentos de comando e controle hoje previstos na legislação ambiental brasileira não vêm se mostrando suficientemente eficazes para a proteção e conservação desses espaços. O desmatamento verificado em áreas privadas apresenta-se, com o passar dos anos, cada vez mais significativos. Poucas são as propriedades rurais que possuem reserva legal devidamente averbada em cartório. Aliás, estima-se que menos de 10% dos agricultores do país estejam regulares no tocante à manutenção dessas áreas1.

Diante, portanto, dessa constatação, inevitável indagar o porquê dessa situação. E a resposta, ao que nos parece, gira em torno de questões principalmente econômicas, sem aqui querer desconsiderar o histórico degradador do país, nem deixar de lado as questões éticas e educacionais que permeiam a temática.

É indiscutível que o proprietário rural precisa produzir e gerar renda, afinal, é da terra que ele tira o seu sustento. Assim, sob o ponto de vista econômico, fica evidente que as restrições ambientais ao uso da terra representam um prejuízo econômico para o produtor, que fica impossibilitado de cultivar em toda a extensão de sua área. Contudo, sabemos que, nos dias de hoje, é inadmissível um desenvolvimento que não seja pautado pela sustentabilidade, uma vez que a exploração desmedida dos recursos ambientais levará invariavelmente ao seu rápido esgotamento, e, por consequência, à ruína do próprio ser humano. Nesse toar, sob o ponto de vista ambiental, a limitação administrativa que se impõe ao produtor rural para o uso

1 Conforme notícia veiculada no site do Ambientebrasil, sob título: “Inflação subirá sem nova lei de florestas,

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da terra, embora, a princípio, seja em seu prejuízo (em termos financeiros) pessoal, particular, é instituída em benefício de toda a coletividade, das presentes e futuras gerações, estando respaldada no princípio da função socioambiental da propriedade.

Mas será que a obrigação legal de manter tal percentual de reserva – que varia entre 20 e 80%, dependendo do bioma - não consistiria em ônus por demais pesado a ser suportado pelos produtores rurais? O que fazer para não agravar ainda mais aquela perda econômica (custo de oportunidade2) e, ao mesmo tempo, incentivar os proprietários rurais a adotarem medidas que contribuam com a preservação e conservação das áreas de reserva legal?

É preciso reconhecer que a recuperação e manutenção das áreas de reserva legal nas propriedades rurais, ainda que impostas por força legal, geram externalidades ambientais positivas que são usufruídas gratuitamente por toda a coletividade, onerando, assim, substancialmente apenas parcela da população (produtores rurais).

A nosso ver, essa equação deve procurar um novo ponto de equilíbrio, conformando uma justa distribuição das vantagens e encargos da preservação ambiental. Foi, portanto, a necessidade de aliar as premissas do desenvolvimento econômico e da preservação do meio ambiente, como condições essenciais à melhoria da qualidade de vida no meio rural, que nossa reflexão nos levou a considerar o Pagamento por Serviços Ambientais - PSA como um importante instrumento econômico de incentivo, que poderia ser oferecido aos proprietários rurais, para que estes se sintam estimulados a restaurar, conservar e até mesmo melhorar suas áreas de reserva legal.

Já existe consenso internacional, e mesmo a nível nacional, de que os recursos ambientais provêm serviços ecológicos de extrema importância para o bem-estar e saúde da coletividade, como a regulação do clima, das enchentes, a oferta de alimentos, madeira, combustíveis, contribuindo para a formação do solo, purificação do ar e água, da paisagem estética, além de proporcionar lazer, etc.

Dessa forma, a ideia principal do Pagamento por Serviços Ambientais – PSA, que já vem sendo discutida há algum tempo, tanto no cenário internacional, como no Brasil, é a de

2 O custo de oportunidade consiste justamente no valor perdido ao deixar-se de empregar os recursos na

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remunerar aquele produtor conservacionista que, em princípio, voluntariamente, preserva o meio ambiente, proporcionando, com a sua conduta, serviços ecológicos à coletividade beneficiária. Traz, portanto, esse instrumento o reconhecimento, no direito ambiental, do princípio do provedor-recebedor.

Não obstante, trata-se este de um tema espinhoso e repleto de incertezas acerca da sua operacionalização, dos requisitos a serem preenchidos para obtenção do benefício e dos próprios beneficiários do pagamento, uma vez que o assunto ainda não se encontra regulado por norma geral federal no Brasil, apesar de já existirem algumas experiências locais como se verá oportunamente.

A metodologia utilizada para a realização da presente dissertação seguiu uma linha de pesquisa eminentemente qualitativa, analisando-se o problema proposto a partir de um enfoque essencialmente descritivo, lançando-se mão, para tanto, de ampla revisão bibliográfica para fundamentar o estudo apresentado no que se refere à legislação florestal brasileira, às experiências internacionais e nacionais de PSA e às políticas públicas de incentivo à proteção das florestas.

No intuito de enriquecer a coleta de dados foi realizada pesquisa documental baseada em dados secundários fornecidos, entre outros, pelo Ministério do Meio Ambiente – MMA, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, Confederação Nacional da Agricultura – CNA, Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO, além de outras organizações não governamentais, como IMAZON – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia e CEPAN – Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste.

Da mesma forma, foram utilizadas no presente estudo informações obtidas através de eventos (congressos, oficinas, seminários) que trataram da mesma temática e que foram promovidos ao longo do período de preparo dessa dissertação.

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mostram-se relevantes para contextualização da temática e sua inserção no ordenamento jurídico-ambiental brasileiro.

Nessa oportunidade, abordaremos o meio ambiente como objeto de tutela do direito ambiental, enfrentando a natureza difusa do bem ambiental. Em seguida, serão analisados os fundamentos principiológicos do direito ambiental, que constituem a base sobre a qual foi erigida a legislação ambiental brasileira, destacando-se, contudo, apenas aqueles que entendemos essenciais para a compreensão de uma política de pagamento por serviços ambientais.

Passaremos também a expor considerações acerca da dignidade da pessoa humana como balizador da tutela ambiental, sendo esta ainda considerada como princípio-vetor interpretativo de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

A primeira parte será encerrada com uma abordagem sobre a imperativa adoção de um novo paradigma ambiental para a sociedade pós-moderna, voltado à essencialidade do humano e à solidariedade, incorporados numa ética ambiental, que, como será visto, não contrasta com uma política de pagamento por serviços ambientais, ainda que se trate de instrumento essencialmente econômico.

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Ainda nessa parte, passaremos a analisar o patrimônio florestal sob o manto da proteção constitucional, tecendo considerações sobre os espaços territoriais especialmente protegidos como instrumento da política ambiental nacional, adentrando posteriormente nas previsões da Lei Federal n° 4.771/1965 e, aqui, tratando de forma mais específica das áreas de reserva legal. Como o presente trabalho foi desenvolvido no exato momento em que estão sendo travadas no Congresso Nacional, já em fase final, discussões acerca do Substitutivo ao Projeto de Lei que instituirá o novo Código Florestal, procuramos abordar essa parte específica da reserva legal sob um enfoque essencialmente comparativo, levando em consideração, tanto as disposições do Código de 1965, como, as disposições que, possivelmente, as substituirão.

Nessa oportunidade, será trabalhado o conceito, natureza jurídica e importância das áreas de reserva legal para a melhoria da qualidade de vida no meio rural, tratando-se de instrumento estratégico para o fortalecimento da política ambiental brasileira. Prosseguindo, estudaremos as especificidades que envolvem as áreas de reserva legal, tratando dos percentuais legais estipulados para cada um dos biomas nacionais e a possibilidade de sua alteração através da elaboração do zoneamento ecológico-econômico; da previsão legal de constituição de reserva legal em regime de condomínio; serão também abordadas as alternativas legais hoje existentes para que o produtor rural alcance o percentual legal exigido pelo Código Florestal.

Como a ideia dessa dissertação é fazer uma abordagem acerca do PSA como um instrumento econômico de incentivo à preservação das florestas privadas (áreas de reserva legal), sentimos a necessidade de introduzir uma parte do trabalho voltada a discutir as questões eminentemente econômicas que permeiam a temática, uma vez que consideramos as políticas ambiental e econômica assuntos indissociáveis. Desta forma, procuramos na terceira parte deste estudo tecer considerações acerca do sistema econômico e o meio ambiente e como se dá a sua interação à luz das teorias econômicas.

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econômico a partir das diferentes vertentes teóricas, e como, em suas visões, deve se dar a valoração dos bens e serviços ambientais.

Essa noção, ainda que superficial, será fundamental para se perceber a complexidade do tema que envolve o pagamento por serviços ambientais, seja em razão das dificuldades práticas para sua valoração, seja em razão da difusidade do bem ambiental.

Em seguida, passamos à quarta parte desse estudo, que se encontra dedicada exclusivamente ao tema do pagamento por serviços ambientais. Nesse capítulo discutimos a necessidade de se atribuir ao direito ambiental um novo enfoque, dirigido muito mais à sua função promocional. Ou seja, discutimos a necessidade de mudança no foco do ordenamento jurídico-ambiental, passando este a ser vislumbrado como um incentivador e promovedor de condutas desejadas, e não mais unicamente como um ordenamento repressivo-protetivo, voltado a coibir condutas indesejadas. É nesse contexto que trazemos o pagamento por serviços ambientais – PSA como um dos instrumentos econômicos capazes de estimular condutas positivas, contribuindo para a preservação e conservação dos espaços privados florestados.

Como o Brasil ainda se ressente, ao menos por enquanto, de uma política nacional de pagamento por serviços ambientais, procuramos nessa Parte IV, tratar da necessidade de estabelecimento do marco legal do PSA no Brasil, para consolidação desse importante instrumento de incentivo, que contribuirá sensivelmente, a nosso ver, para a efetividade da política ambiental nacional. Nesse toar, realizamos uma análise detalhada do Projeto de Lei n° 792/2007 em trâmite no Congresso Nacional, que se propõe a instituir a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.

(23)

Nessa quarta parte do trabalho, procuramos também analisar os requisitos que a priori estão sendo considerados para obtenção do benefício, bem como a idealização de um sistema de PSA no Brasil, tratando da sua estrutura, formalização e operacionalização.

Passadas as considerações gerais sobre cada um dos assuntos específicos que envolvem o tema desse trabalho, na Parte V, nominada Pagamento por Serviços Ambientais como Incentivo à Proteção das Áreas de Reserva Legal, procuramos demonstrar como um instrumento pode intervir no outro, ou melhor, como um pode ajudar o outro.

Nesse capítulo do trabalho, procuramos, através dos dados obtidos, apontar a situação das reservas legais no Brasil, no intuito de demonstrar que as medidas de comando e controle hoje existentes na legislação não estão se mostrando suficientes à proteção desses espaços, fazendo-se necessário lançar mão de outros instrumentos, principalmente econômicos, para que a política de proteção dessas áreas venha se tornar mais efetiva.

Nesse contexto, procuramos nesse trabalho demonstrar a possibilidade de conferir o benefício do PSA ao proprietário rural que recupera, conserva e melhora as áreas de reserva legal, provendo, dessa forma, serviços ecológicos a toda a comunidade.

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PARTE GERAL

1. MEIO AMBIENTE COMO OBJETO DE TUTELA DO DIREITO

Segundo os ditames do art. 2251 do texto constitucional, o objeto da tutela do direito ambiental é o meio ambiente qualificado, ou seja, um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que seja capaz de proporcionar uma sadia qualidade de vida.

Assentada essa premissa, Silva J. (2010) entende que o objeto da tutela ambiental se desdobra em imediato (qualidade do meio ambiente) e mediato (saúde, bem-estar e segurança da população, sintetizado na expressão qualidade de vida), convertendo-se aquele primeiro em um bem jurídico2 que o Direito reconheceria e protegeria como patrimônio ambiental.

É certo, entretanto, que esse equilíbrio ecológico, que deve qualificar o meio ambiente globalmente considerado (macrobem3), só pode ser alcançado na medida em que for

igualmente assegurada a proteção da interação entre os diversos fatores bióticos e abióticos (microbens)3 que compõem o meio ambiente.

Assim, como bem enfatizado por Rodrigues, A. (2011), embora o objeto da proteção do direito ambiental, segundo o art. 225, da Constituição, seja o meio ambiente na sua forma ecologicamente equilibrada (macrobem), ele também cuida da função ecológica exercida pelos elementos que o compõem (microbens), o que também é reconhecido por Silva J. (2010):

“É certo que a legislação protetora toma como objeto de proteção não tanto o meio ambiente globalmente considerado, mas as dimensões setoriais, ou seja: propõe-se a tutela da qualidade de elementos setoriais constitutivos do meio ambiente, como a qualidade do solo, do patrimônio florestal, da fauna, do ar atmosférico, da água, do sossego auditivo e da paisagem natural.

É verdade que a Constituição tenta organizar a proteção ambiental segundo uma visão mais global do objeto da tutela, conforme se vê dos §§ 1° e 4° de seu art. 225,

1 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de usos comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

2 Segundo Piva (2000, p. 98), “bens jurídicos são valores materiais ou imateriais que servem de objeto a uma

relação jurídica”.

3 Para Benjamim (1993), o meio ambiente como bem objeto da função ambiental é gênero amplo (macrobem)

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que se voltam à proteção imediata de processos e conjuntos constitutivos do meio ambiente e da realidade ecológica, como forma de assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (SILVA, J., 2010, p.81).

Assim, a despeito de a Constituição ter identificado o macrobem como o bem ambiental a ser tutelado, não podemos desconsiderar que é a combinação dos seus elementos (microbens) que, orientados por meio das forças universais da matéria e energia, dão ensejo a diversos processos naturais garantidores da sobrevivência das espécies, sendo capazes de prover serviços ecossistêmicos que satisfazem as necessidades humanas direta ou indiretamente, garantindo o bem-estar da população. Dessa forma, os elementos constitutivos do meio ambiente também são individualmente tutelados pelo direito ambiental, na medida em que contribuem, cada um deles, de forma indispensável, para o processo de interações químicas, físicas e biológicas que garante o equilíbrio ecológico e a melhoria da qualidade de vida4.

Ainda, segundo o texto constitucional, o bem ambiental pertence a todos, ou seja, a sua titularidade é do povo, pertencendo a pessoas indetermináveis e ligadas entre si pela circunstância de fato de serem titulares do meio ambiente ecologicamente equilibrado, tratando-se, por isso mesmo, de direito metaindividual (que transcende o indivíduo).

O próprio Supremo Tribunal Federal já assentou que o direito à preservação da integridade do meio ambiente se trata de prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade:

“[...] A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS.

[...]

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina”. (STF. ADI n° 3.540-1-MC/DF. Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. Julgamento: 01/09/2005)

4 Vale registrar que a própria Lei n° 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) distingue o meio

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Alberga, portanto, o emblemático art. 225 da Carta Republicana um típico direito de terceira geração5 (ou de novíssima dimensão), dotado de altíssimo teor de humanismo e universalidade, que materializa poderes de titularidade coletiva, assistindo, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano.

Ao especificar, assim, que o bem ambiental não só pertence ao povo, como também o seu uso é comum a todos, a Constituição “formulou inovação revolucionária no sentido de criar um terceiro gênero de bem, que, em face de sua natureza jurídica, não se confunde com os bens públicos e muito menos com os privados” (FIORILLO, 2009, p.75), constituindo os bens de natureza difusa.

Logo, aquela velha dicotomia instituída no direito romano entre bens públicos e privados já não prevalece mais no direito positivo contemporâneo:

“Com o advento da Constituição Federal de 1988, aludida dicotomia traduzida pelo Código Civil recebeu tratamento distinto. Isso porque nosso sistema de direito positivo traduziu a necessidade de orientar um novo subsistema jurídico orientado para a realidade do século XXI, tendo como pressuposto a moderna sociedade de massas dentro de um contexto de tutela de direitos e interesses adaptados às necessidades, principalmente metaindividuais”. (FIORILLO, 2009, p. 105)

A difusidade do bem ambiental mencionada por Fiorillo foi reforçada ainda com a entrada em vigor no plano infraconstitucional da Lei n° 8.078/1990, que finalmente trouxe a definição dos interesses ou direitos difusos, entendendo-os como “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (art. 81, I).

Pode-se dizer, portanto, que o bem ambiental é indivisível e de natureza difusa, pressupondo, sob a ótica normativa, de uma titularidade coletiva, onde as pessoas sejam

5 Em cada período da história uma geração ou dimensão dos direitos fundamentais teve o seu destaque. Os

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indetermináveis e ligadas entre si pela circunstância de fato de serem titulares do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

É preciso esclarecer, por fim, que, por não constituir tanto o foco de estudo, optamos por não trazer para o âmbito deste trabalho a discussão doutrinária acerca dos bens jurídicos e sua classificação, procurando apenas abordar o assunto de maneira simplificada, somente dar o tom que o trabalho seguirá daqui por diante.

2. FUNDAMENTOS PRINCIPIOLÓGICOS DO DIREITO AMBIENTAL ESTRUTURANTES DE UMA POLÍTICA DE PAGAMENTO POR SERVIÇOS AMBIENTAIS

Durante muitos anos houve questionamentos da doutrina acerca da autonomia do Direito Ambiental enquanto Ciência do Direito, que a vislumbrava apenas como extensão do direito administrativo e do direito constitucional.

No entanto, a paulatina consolidação dos direitos difusos e coletivos e o reconhecimento no meio jurídico da nítida natureza transindividual dos interesses tutelados pôs fim a qualquer dúvida sobre a identificação do direito ambiental como ramo autônomo do Direito.

O amadurecimento do direito ambiental suficiente a alçá-lo a ramo autônomo foi reconhecido em 1984 por Prieur (1984, p. 14) – uma das maiores autoridades mundiais na matéria –, quando, na primeira edição do seu clássico tratado de direito ambiental, concordou com sua independência, desatando-o das amarras dos demais ramos tradicionais: “Se em 1976 nós nos interrogávamos sobre o lugar do direito ambiental, um simples direito de reagrupamento sem qualquer especificidade, hoje podemos considerar que o direito ambiental tornou-se um direito adulto, com características próprias”6 (tradução nossa).

Quatro são os atributos que fazem do direito ambiental um ramo próprio e autônomo do direito: objeto específico, finalidade própria, estrutura coerente e técnica original (NERY

6Si en 1976 nous nous interrogions sur la place du droit de l'environnement, simple droit de regroupement

(28)

JUNIOR, 2009, p. 209). De fato, dotado que é de principiologia própria, não poderia ser outro o entendimento, assumindo, dessa forma, o direito ambiental status de ciência.

Assim, como ciência jurídica autônoma que é, o direito ambiental vem contornado de princípios próprios, cuja relevância urge seja retratada nesse trabalho, uma vez que essenciais à correta interpretação da legislação ambiental e, por conseguinte, fundamental à efetividade da tutela florestal. Antes, entretanto, de minudenciarmos os principais deles, imperioso destacar, ainda que brevemente, a importância dos princípios para o ordenamento jurídico.

Segundo Alexy (2008), princípios e regras seriam tidos como espécie do gênero norma, sendo os primeiros considerados como mandados de otimização, ou seja, normas que determinam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, podendo, por isso mesmo, serem cumpridos em diferentes graus, dependendo dessas possibilidades. As regras, por sua vez, circunscrevem-se no âmbito da validade, sendo consideradas determinações no âmbito do fático e juridicamente possível que disciplinam um caso concreto, ficando descartada uma gradação em relação à sua observância.

Os princípios, portanto, na visão de Alexy (2008), são dotados de um maior grau de generalidade se comparado às regras jurídicas, podendo ser invocados em um maior número de possibilidades fáticas ou jurídicas e satisfeitos em diferentes graus, dependendo do caso concreto.

A diferença de regras e princípios é mais notória quando tratadas à luz das colisões de princípios e dos conflitos de regras. Quando a aplicação de duas normas dá ensejo a dois juízos contraditórios, deve tal conflito, conhecido como antinomia jurídica7, ser sanado. Quando o referido conflito se dá entre regras, diante do postulado da coerência do sistema8, deverá o aplicador do direito escolher uma delas para resolver o caso concreto, utilizando-se,

7 Antinomia jurídica “é a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente),

emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado(FERRAZ JR., 2011, p. 179).

8 Para Ferraz Jr. (2011, p. 145) o sistema é um complexo que se compõe de uma estrutura (conjunto de regras e

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para tanto, de critérios normativos existentes no ordenamento9. Nesse caso, esse conflito normativo se soluciona através de uma cláusula de exceção que elimina a antinomia declarando uma das regras como inválida e aplicando a outra.

Por sua vez, a colisão (e não conflito) de princípios deve ser solucionada de maneira diversa. Ou seja, quando dois princípios entram em situação de tensão, esta deve ser resolvida a partir de processos interpretativos de sopesamento (NUSDEO, 2011, p. 282), devendo um ceder ao outro, prevalecendo o que, no caso concreto, mostrar o maior peso (proporcionalidade). A prevalência de um princípio em detrimento de outro não acarreta a sua invalidade, como geralmente ocorre no caso das regras.

Mello (2002, p. 807) define princípio como um mandamento nuclear de um sistema, servindo-lhe de verdadeiro alicerce. Desta feita, pode-se dizer que constitui o centro nevrálgico do sistema jurídico, de onde são irradiados impulsos que perpassam por todas as demais normas que com ele se relacionam.

Os princípios são, portanto, enunciados normativos que orientam a compreensão do próprio ordenamento jurídico, responsáveis por conferir-lhe estrutura e coesão, constituindo alicerce fundamental para se determinar o sentido e alcance das normas.

Nesse contexto, Mirra (1996, p. 51) lembra que os princípios assumem posição de especial relevo principalmente naqueles sistemas jurídicos que carecem de codificação organizada, como é o caso do sistema jurídico-ambiental brasileiro, onde as normas são esparsas sem qualquer ordenação. Isso porque o conhecimento dos princípios permite sistematizar as regras existentes dispersas nas várias normas, possibilitando a formulação de conclusões harmônicas a partir de interpretações coerentes com o sistema jurídico.

9 De acordo com Diniz (2009), para a resolução das antinomias no direito interno deve o aplicador do direito se

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Por óbvio que, quando o sistema é pensado, pretende-se que o mesmo seja coerente e harmônico. Todavia, a enorme quantidade de normas, que são constantemente publicadas, em todos os âmbitos normativos – dinamicidade do sistema –, traz consigo uma realidade indisputável: frequentemente, serão expedidas regras que conflitarão, ainda que de forma aparente, com outras regras ou princípios.

Desta feita, sempre que a análise de uma regra jurídica comportar, do ponto de vista lógico, mais de uma interpretação, aquela que melhor se compatibilizar com os princípios jurídicos orientadores é a que deverá prevalecer, o mesmo ocorrendo em caso de lacuna normativa, quando, na falta de norma a regular determinada matéria, deverá o espaço ser preenchido por aquela regra jurídica que melhor se ajustar à solução norteada pelos fundamentos principiológicos do direito.

A importância dos princípios para a compreensão do sistema jurídico é tal que Mello afirma ser mais grave a sua violação do que a de uma regra jurídica propriamente dita:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada”.(MELLO, 2002, p. 808)

Os princípios devem ser extraídos do ordenamento jurídico, podendo, entretanto, ser implícitos ou explícitos. No caso do direito ambiental, tais princípios podem ser encontrados na Constituição Federal de 1988, em outras normas infraconstitucionais e, a nosso ver, também em declarações internacionais, a despeito de não serem dotadas da imperatividade jurídica própria dos tratados e convenções internacionais10.

Segundo Antunes (2004, p. 31), os princípios do direito ambiental têm por finalidade básica a proteção da vida em todas as suas formas, garantindo um padrão de existência digno para as presentes e futuras gerações, procurando aliar essa garantia fundamental com o desenvolvimento econômico ambientalmente sustentado, direito também assegurado constitucionalmente.

10

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A nomenclatura e o elenco dos princípios do direito ambiental não possuem consenso entre os doutrinadores, de modo que optamos por trazer a lume apenas aqueles que, a nosso ver, se mostram mais relevantes para a compreensão da problemática apresentada nesse trabalho (necessidade de incentivo econômico para efetividade da proteção das áreas de reserva legal) e que contribuem para a busca de uma solução harmônica e coerente com o ordenamento jurídico vigente. Isso porque, no contexto de uma política de pagamento por serviços ambientais, determinados princípios inseridos no ordenamento jurídico brasileiro deverão “ser observados enquanto mandado de otimização, vale dizer, serem aplicados pelas normas e programas implementadores dessa política na maior medida possível” (NUSDEO, 2011, p. 284).

2.1. Princípio da supremacia do interesse público na proteção do meio ambiente em relação aos interesses privados

Apesar de se tratar de um princípio geral do direito, entendemos de suma importância fazer referência nesse trabalho ao princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado em razão de sua relevância para o estudo do direito ambiental e para a própria efetividade da tutela do patrimônio florestal brasileiro.

Antes de mais nada, para a análise desse princípio, faz-se imperiosa a compreensão da noção de interesse público, que, a princípio, leva-nos sempre a visualizá-la como algo contraposto ao que é de interesse privado.

Na tarefa de conceituar interesse público, importantes são as lições trazidas por Mello (2002), que, de início, já afirma se tratar de interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, não se confundindo, entretanto, com o somatório dos interesses individuais.

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dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da Sociedade” (2002, p. 69-70).

Extrai-se, portanto, de tais considerações preliminares que interesse individual diz respeito às conveniências de cada um dos indivíduos ou grupo de pessoas singularmente consideradas, enquanto que interesse público, na definição dada por Mello, resulta do “conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem” (2002, p. 71).

Diante dessa noção conceitual preliminar, importa esclarecer que não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado. Isso porque, apesar de o Estado ser o encarregado de zelar pelos interesses públicos, enquanto ente da Administração Pública, ele atua muitas vezes em seu próprio benefício, perseguindo os seus interesses particulares de pessoa jurídica de direito público. Esses interesses, por óbvio, não podem ser confundidos com o interesse público propriamente dito, considerado, como já visto, plexo de interesses dos indivíduos enquanto partícipes da sociedade.

Para compreensão dessa distinção entre interesse público e interesse privado, valiosa foi a contribuição da doutrina italiana que, nas lições de Alessi (apud MELLO, 2002), sustentou a dicotomia interesse público primário e interesse público secundário. O primário se confundiria com os interesses da própria sociedade, consubstanciado em fins que caberia a ele assegurar, como justiça, segurança, bem-estar social, meio ambiente ecologicamente equilibrado. Já o secundário diria respeito aos interesses da União, dos Estados-Membros, do Município ou das suas autarquias enquanto pessoas jurídicas de direito público de que sejam partes em uma determinada relação jurídica. Fechando essa distinção, Mello (2002, p. 82) leciona:

“Interesse público ou primário, repita-se, é o pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa”.

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singularmente considerados é evidente, constituindo tal supremacia em verdadeiro pressuposto lógico do convívio social (MELLO, 2002).

Em que pese se tratar de um princípio geral do direito, a sua importância para as relações que envolvem questões ambientais salta aos olhos, especialmente quando a Carta Republicana de 1988 estabeleceu que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo (art. 225), restando evidente que a única titular do bem público ambiental é a sociedade.

Considerando, assim, que a coletividade é a única titular do bem ambiental, a tutela desse bem também é de interesse público, consistindo interesse primário do Estado assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Desta forma, como bem retratado por Gomes (1999, p. 174), “sendo o bem ambiental de natureza pública, pertencente à coletividade e voltado a uma finalidade pública, a tutela dos seus interesses, consequentemente, deve prevalecer quando em confronto com a dos interesses privados”.

A superioridade dos interesses da coletividade na proteção do meio ambiente deve sempre prevalecer sobre os interesses privados ainda que esses sejam legítimos, tendo em vista que a sua preservação constitui condição essencial para a própria existência da vida em sociedade e, por conseguinte, para a manutenção e o exercício pleno dos direitos individuais (MIRRA, 1996, p. 54).

Vale mencionar ainda que, como corolário lógico do princípio da supremacia, tem-se o princípio da indisponibilidade do interesse público na proteção do meio ambiente, que decorre justamente da natureza do bem público ambiental, que é de uso comum do povo:

“Aquilo que Lucia Valle Figueiredo disse acerca do interesse público em geral aplica-se inteiramente ao bem ambiental: o princípio da indisponibilidade é corolário lógico do princípio da supremacia do interesse público. Poderíamos então afirmar que o princípio da indisponibilidade do bem ambiental é decorrência natural de sua supremacia na ordem jurídica” (BENJAMIM, 1993a, p. 80).

(34)

A ideia de indisponibilidade do interesse público em relação à proteção do bem ambiental ganha força pela necessidade de preservação do meio ambiente para as gerações futuras: “Existe, imposto pela própria Carta Magna, um dever de as gerações atuais transferirem esse ‘patrimônio ambiental’ às gerações futuras. Daí a razão de não poderem dispor dele” (MIRRA, 1996, p. 55).

Os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público manifestam-se, portanto, concretamente quando se trata da proteção do meio ambiente, principalmente nas disposições legais que tratam das limitações ambientais à propriedade, como a observância da função socioambiental da propriedade e respeito aos espaços territoriais especialmente protegidos no interior da propriedade privada.

Nesse toar, poder-se-ia dizer que a reserva florestal legal consiste na materialização do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, na medida em que a norma ambiental impõe ao produtor rural limitações ao seu direito de propriedade no intuito de beneficiar toda a coletividade, sobrepujando-se, portanto, o interesse particular em detrimento do interesse público primário, assunto que será objeto de análise mais detalhada em capítulo específico.

2.2. Princípio da obrigatoriedade da intervenção estatal na proteção do meio ambiente

A Carta Republicana de 1988, retratando orientação da Declaração de Estocolmo de 197211, consignou expressamente o dever do Poder Público de atuar na defesa do meio ambiente no intuito de assegurar o seu equilíbrio ecológico para as presentes e futuras gerações.

Para cumprir tal mister, conferindo efetividade a esse direito, o texto constitucional incumbe ao Poder Público, entre outros, o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistema; definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem

11 Princípio 17: Deve ser confiada às instituições nacionais competentes a tarefa de planificar, administrar e

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especialmente protegidos, onde a alteração e a supressão serão permitidas somente mediante lei, sendo vedada a utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; proteger a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica (art. 225,§1°, CF/88).

Nesse ínterim, para cumprir seu dever constitucional, cabe ao Poder Público instituir políticas públicas ambientais eficazes, promovendo-as através de planos, programas e projetos de ação, que contemplem medidas protetivas do meio ambiente.

Nessa incumbência de intervenção obrigatória, o Estado passa a assumir uma posição de gestor, gerente, ou administrador dos bens ambientais de uso comum do povo, devendo, por isso mesmo, prestar contas à coletividade desta sua gestão.

Como guardião do meio ambiente, o Estado passa a ter responsabilidade em exercer um controle que dê bons resultados, sendo igualmente responsabilizado pela ineficiente implementação da legislação (MACHADO, 2010, p. 111).

Mirra, com proficiência, esclarece ainda que “se a defesa do meio ambiente é um dever de Estado, a atividade dos órgãos e agentes estatais na promoção da preservação da qualidade ambiental passa a ser, consequentemente, de natureza compulsória, obrigatória” (1996, p. 56), o que permitiria exigir do Poder Público, até coativamente se necessário, o cumprimento efetivo das competências ambientais que lhe foram outorgadas.

A intervenção estatal na proteção do meio ambiente abrange as tutelas legislativa (na edição de normas), administrativa (na formulação e implementação de políticas públicas e no exercício do poder de polícia ambiental) e judicial (nos casos em que a legislação não é observada espontaneamente ou a atuação do poder de polícia não se mostre suficiente), mas, sabiamente, Yoshida adverte:

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Como bem disse a autora acima, o Brasil é detentor de um dos mais avançados e elogiados sistemas jurídico-ambientais do mundo, mas, na prática, ainda está em déficit no que tange à sua plena efetividade, o que se dá em grande parte pela precariedade das estruturas administrativas ambientais que atuam tanto nas ações preventivas, quanto nas repressivas.

Por isso mesmo é tão importante que a gestão ambiental, especialmente no que tange à questão florestal, seja realizada de forma integrada e o mais articulada possível entre todas as esferas de governo, afinal de contas está se falando de uma obrigação constitucional do Poder Público:

“A proteção do meio ambiente, como direito de terceira geração, ligado à vida, insere-se entre aquelas finalidades previstas na Constituição Federal que não podem ser negligenciadas. As obrigações ou programas para o cumprimento de tal objetivo são, portanto, políticas públicas de caráter obrigatório” (HARTMANN, 2009, p. 48).

A intervenção estatal, através da implantação dessas políticas públicas obrigatórias referidas por Hartmann, deve se voltar especialmente para a adoção de medidas que estimulem, cada vez mais, a sociedade a adotar comportamentos ambientalmente corretos, tendo em vista que a instituição apenas de instrumentos de comando e controle, como se verá mais adiante, não vem se mostrando eficiente e suficiente para a conservação do meio ambiente, daí porque nos propomos a defender uma política de pagamento por serviços ambientais como instrumento econômico de incentivo à proteção dos espaços florestados no interior das propriedades privadas, como as áreas de reserva legal, assunto que será melhor abordado em capítulo próprio.

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2.3. Princípio do desenvolvimento sustentável

A ideia de um desenvolvimento econômico aliado à preservação ambiental surgiu na Conferência de Estocolmo realizada em 1972, mas a expressão “desenvolvimento sustentável” só restou consagrada em 1987 quando foi publicado o Relatório Nosso Futuro Comum (ou Relatório Brundtland, como ficou comumente conhecido), que a definiu como sendo aquele desenvolvimento que satisfaz as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades (BRUNDTLAND, 1991, p. 46).

A referida expressão – desenvolvimento sustentável – consolidou-se em definitivo na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992 (conhecida como ECO-92 ou Cúpula da Terra), que tinha por objetivo justamente buscar meios de conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra. A Declaração do Rio – documento resultante desse encontro – faz referência ao desenvolvimento sustentável em diversos de seus princípios12, ressaltando a sua importância como norteador das políticas públicas e dos processos decisórios.

Aprofundando o significado de “desenvolvimento sustentável”, Yoshida (2009) diz que a expressão contempla múltiplos objetivos: desenvolvimento crescimento, pró-pessoas e pró-ambiente, que, em última instância, encontram-se voltados para a promoção do desenvolvimento humano, que sintetiza justamente a visão do tripé da sustentabilidade (econômico, ambiental e social):

“O conceito de desenvolvimento humano, adotado pela ONU, é mais amplo que as clássicas concepções e inclui quatro dimensões complementares e integrais: (1) pressupõe que o crescimento econômico, por ampliar a oferta de bens e serviços à disposição da população, é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento humano; (2) que este não ocorre num contexto de exclusão social, pois tem de se processar em benefício das pessoas; (3) que estas têm de ter acesso a

12 Declaração do Rio: “Princípio 1. Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o

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informações, conhecimento e bens culturais para a sua própria promoção; (4) que a forma do crescimento econômico atual não venha a comprometer a gama das oportunidades das gerações futuras, ou seja, o desenvolvimento humano pressupõe a sua sustentabilidade” (YOSHIDA, 2009, p. 81-82).

A nossa Constituição Federal traz esse princípio insculpido no caput do seu emblemático art. 225, ao determinar que o Poder Público e a coletividade têm o dever de defender e preservar os recursos ambientais para as presentes e futuras gerações. Essa mesma ideia é retratada em diversos outros dispositivos do texto constitucional, a exemplo do art. 170, VI, quando determina que a ordem econômica deve observância ao princípio da defesa do meio ambiente.

O desenvolvimento sustentável alberga, portanto, a ideia de esgotabilidade dos recursos ambientais, de forma que a sua exploração econômica deve sempre se dar dentro dos limites da capacidade de suporte e de regeneração dos ecossistemas. Como bem ressaltado por Fiorillo (2009, p. 27), “os recursos ambientais não são inesgotáveis, tornando-se inadmissível que as atividades econômicas desenvolvam-se alheias a esse fato. Busca-se com isso a coexistência harmônica entre economia e meio ambiente”.

Destarte, a ideia central veiculada por esse princípio é a de incluir a proteção ambiental como parte integrante de um processo global de desenvolvimento dos países, e não apenas como um aspecto isolado, setorial, das políticas públicas locais, por isso mesmo imprescindível situar a defesa do meio ambiente no mesmo patamar, em relevância, de outros valores econômicos e sociais resguardados pela ordem jurídica, não cabendo mais relegá-lo a questão de importância secundária (MIRRA, 1996, p. 58-59).

Nessa perspectiva, como bem já entendeu o Supremo Tribunal Federal, o desenvolvimento sustentável representa fator de obtenção do justo equilibro entre as exigências da economia e do meio ambiente, razão pela qual esse princípio deve sempre ser invocado quando se estiver diante de situação de conflito entre valores constitucionais igualmente relevantes, como é o caso do desenvolvimento nacional e a preservação da integridade ambiental13.

(39)

Importante lembrar, contudo, que tal princípio não deve constituir empecilho ao desenvolvimento econômico:

“Devemos lembrar que a ideia principal é assegurar a existência digna, através de uma vida com qualidade. Com isso o princípio não objetiva impedir o desenvolvimento econômico. Sabemos que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar de forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto. O correto é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes adequados para a menor degradação possível” (FIORILLO, 2009, p. 36).

Dessa forma, para atingir o objetivo da norma, a ordem econômica deve se esforçar para proteger o meio ambiente, pautando suas ações e medidas em um desenvolvimento calcado na sustentabilidade, observando os demais valores relacionados no art. 170 da Carta Magna. Nessa esteira, esse princípio pode ser tido como verdadeiro vetor interpretativo do direito ambiental brasileiro, encontrando-se fundamentado no necessário equilíbrio entre as relações econômicas, sociais e ambientais.

Essa medida de justo equilíbrio proporcionada pelo princípio do desenvolvimento sustentável é evidenciada com mais força nas relações que envolvem as restrições ambientais aos imóveis rurais, nas quais se procuram conciliar as atividades agropecuárias à preservação e conservação dos ecossistemas existentes no interior de suas propriedades particulares.

A imposição legal de se destinar parte da área privada à conservação da vegetação nativa, como é o caso da reserva legal, é um dos exemplos da aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável, que, a nosso ver, poderia ser ainda mais reforçado, trazendo maior equilíbrio a essa relação, se instituídas políticas públicas de pagamento por serviços ambientais para incentivar a proteção desses espaços florestados:

“Os objetivos da estruturação jurídica de programas de pagamento por serviços ambientais vinculam-se juridicamente ao princípio do desenvolvimento sustentável, no sentido estrito. A obrigação de observá-lo recai também sobre as normas que vierem a ser editadas, vale dizer, aos formuladores de programas ou agentes que desenvolvam projetos” (NUSDEO, 2011, p. 296).

(40)

pode o mesmo ser um indutor de justiça social e ambiental, caracterizada pela integridade ambiental com inclusão social, permitindo um maior balanceamento entre os encargos e vantagens da preservação ambiental.

2.4. Princípios da prevenção e da precaução

Convém, antes de mais nada, registrar que há autores que se referem aos princípios da prevenção e da precaução como sinônimos14, enquanto outros preferem dar a eles tratamento diferenciado15. Por entender versarem sobre situações diversas, trabalharemos os temas separadamente, embora reconheçamos que tenham a mesma finalidade útil: evitar a ocorrência da degradação ambiental por meio da adoção de medidas acautelatórias.

Pinho (2010) se refere à prevenção e precaução como megaprincípios norteadores do direito ambiental, no que concerne à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o dano, agindo já no risco ambiental do ilícito, de modo a reduzir ou eliminar suas causas.

O princípio da prevenção introduz a ideia de cautela em relação a riscos ou impactos já conhecidos pela ciência, ou seja, ele é invocado quando se está diante de riscos certos, conhecidos e identificáveis. Aqui, portanto, a atuação da prevenção se dá com vistas a inibir o resultado lesivo de que se tem ciência e que pode ser ocasionado pela atividade.

Segundo Antunes, é o princípio da prevenção que informa tanto o licenciamento ambiental como o próprio estudo de impacto ambiental, na medida em que “tanto um como o outro são realizados sobre a base de conhecimentos já adquiridos sobre uma determinada intervenção no ambiente” (2004, p. 37). Conhecidos os riscos, é possível já no processo licenciatório, por exemplo, instituir a adoção de medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos negativos, minimizando, assim, a possibilidade de ocorrência do dano.

A inserção desse princípio em nosso ordenamento jurídico decorre da constatação de que a degradação ambiental é, em regra, de difícil ou mesmo impossível reparação, e quando

14 Nesse sentido: GOMES, (1999) e FIORILLO (2009), que entende ser despiciendo pretender desenvolver no

plano constitucional uma diferença entre prevenção e precaução.

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Figura 01 – Economia dos sistemas produtivos lineares

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