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ECONOMIA, SOCIEDADE E ESCRAVIDÃO NA VILA DA BARRA DO RIO DE CONTAS.

“Doze léguas ao Norte da Vila de Ilhéus faz barra no mar o rio de Contas, nome que lhe foi imposto por um acontecimento que por tradição antiga chega aos nossos tempos, e vem a ser que passando dois missionários a pregar o Evangelho, e chegou à margem daquele rio viram na outra margem grande multidão de Gentios, e então disse um ao outro: Hoje, meu irmão, neste Rio iremos a Contas; e por este dito, conserva ate hoje o nome de Rio de Contas. (APEB, Cartas de Vilhena, Tomo II, maço 626-5, p. 203).

Pretende-se neste capítulo contextualizar o cenário que abarcou as experiências dos Quilombos do Borrachudo, apontando o perfil socioeconômico e demográfico, as relações entre senhores e cativos presentes na vila da Barra do Rio de Contas, em comparação às vilas de Camamu, Ilhéus e Maraú e, em certa medida, com outras realidades encontradas na Comarca de Ilhéus no período oitocentista.

2.1. O Cenário

Localizada próximo à desembocadura do Rio de Contas, a vila de São José da Barra do Rio de Contas, atual Itacaré, foi fundada em 26 de janeiro de 1732, sob a ordem da Condessa Dona Ana Maria de Ataíde de Castro, vice-encomendadeira do Real Convento de Nossa Senhora da Encarnação de Lisboa e da Ordem Militar de Aviz. Nesse período, foram registrados centros de povoamento entre a foz do Itacaré, e três léguas acima do rio, no sítio denominado Maramambegra. A freguesia (divisão eclesiástica) da Vila era São Miguel da Barra do Rio de Contas, que, ao lado das freguesias de Nossa Senhora de Assunção de Camamu e São Sebastião do Maraú compunham o território das “doze léguas de terras” doadas por Mem de Sá aos jesuítas do Colégio da Bahia, em 1562, e cuja sede se estabelecia no Convento de Nossa Senhora da Piedade, em Salvador (CAMPOS, 2006).

Cercada de morros, a Vila limitava-se ao sul com Ilhéus pelo rio Sargi, e ao norte com Maraú através do rio Mahaú (vide mapa 1). Mas com essa configuração geográfica, pretende-se saber como, de fato, Barra do Rio de Contas mantinha comunicação com as demais localidades em termos de passagens terrestres, marítimas ou fluviais. Caso o viajante quisesse, a partir da Vila, seguir viagem em direção a Ilhéus, partia-se pela “costa até ao Cajueiro; podia-se também subir em canoa os rios

Fundão e da Esperança, até a foz Itaípe, onde se desembarcava, rumando daí ao dito lugar;” Outra trilha prosseguia do Cajueiro, percorrendo os rios Tijuípe e Jeribucassú. Estes funcionavam como veias naturais de ligação à Serra Grande, por onde se caminhava até a cachoeira do Engenho e de lá se chegava à Barra.3

Partindo em direção ao norte da Vila, seguia-se para Maraú, fazendo o seguinte roteiro:

Por uma mata de ¾ de légua, por estrada larga por mim preparada, a sair a costa do mar, caminhando 3 léguas por ela, a topar o rio, que banha a povoação de Barra, que tomou o nome de rio de Contas, ou se navega em canoas por 2 léguas, desembarcando na passagem, e prosseguindo 1 légua por campos entre matos carrasquenhos até a margem daquele rio, onde foi posta uma canoa para dar passagem ao lado oposto onde é fundada a povoação e vila da Barra do Rio de Contas. (ZORZO, 2007, p. 171)

No interior de Barra do Rio de Contas, as vias de comunicação se estendiam pelas margens do rio até seu eixo-limite navegável chamado de “os Funis”, onde se localizava o porto de Acaris. Deste porto para o sul da Vila, a navegação era possível, não obstante às dificuldades impostas pelas sucessivas correntezas. Outros portos também se destacavam na intermediação entre os Funis e a foz do Contas, como o da Pancada e o de Serra d´Água, “onde já chegam lanchas a tomar farinhas”, conforme registrou Vilhena no final do século XVIII.4

Embora seja difícil precisar os limites entre o mundo rural e o universo mais urbanizado da Vila, os registros de viajantes apontaram Cachoeira e Tacaré como os pontos principais de concentração populacional. Nestas localidades, homens livres, senhores e escravos eram absorvidos em distintas atividades: a marinharia, cortes de madeira e, sobretudo a lavoura de mandioca e a produção da aguardente foram as que mais se sobressaíram. Neste sub-tópico objetivou-se a dar uma visão panorâmica dos aspectos geográficos e físico de Barra do Rio de Contas e suas imediações, seguindo critérios, jurídico e político, inerentes à divisão de um território. A questão é que o espaço não é algo morto e sim dinâmico. Nele se concentra parte das aspirações e

3 Toma-se como referência para o roteiro o “Relatório de Balthazar da Silva Lisboa ao Príncipe Regente”.

Estes e outros documentos escritos pelo juiz, desembargador e ouvidor Lisboa revelam aspectos socioeconômicos, sistemas viários, dentre outros aspectos, no interior da Comarca de Ilhéus, entre 1761 e 1840. Para fins deste trabalho, utiliza-se a versão documental já publicada em: ZORZO, Francisco Antonio. “Relatório de Balthazar da Silva Lisboa”: apresentação (e notas): o Caminho da Costa do Mar. In: NEVES, E. F; MIGUEL, A.(orgs). Caminhos do Sertão: ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais dos sertões da Bahia. Salvador: Arcádia, 2007, pp.147-200.

4 Vilhena também registrou nesse período nas margens do rio de Contas, especificamente que a uma

distância de 4 léguas de Barra, o aldeamento de Nossa Senhora do Remédio dos índios Guerens, o qual já não existia no início do século XIX. Vilhena, op.cit, p.204.

sonhos dos indivíduos, assim como o surgimento de relações sociais marcadamente hierarquizas por diferentes critérios, quais sejam, pela condição jurídica, classe, raça e gênero. Estes podem ser aspectos que gravitam em torno do uso e das diferentes apropriações efetuadas pelos atores sociais, na relação com o território, em distintos contextos. Essa assertiva ganha sentido na experiência dos quilombolas do Borrachudo, nas margens do Rio de Contas.

MAPA 1: VILAS DE CAMAMU, MARAÚ E BARRA DO RIO DE CONTAS