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Ecossistema empreendedor ou de inovação

Como visto anteriormente, ecossistema empreendedor é a combinação entre fatores culturais, políticos, econômicos e sociais que possibilitam e incentivam a criação e o desenvolvimento de negócios inovadores em determinada região (SPIEGEL, 2017). Para compreender melhor que fatores são esses e como essa interação ocorre, Spiegel (2017) os distribuiu em três categorias de atributos: cultural, social e material (Figura 2). Os atributos culturais estão relacionados às "crenças subjacentes e perspectivas sobre o empreendedorismo dentro de uma região" (SPIEGEL, 2017, p. 4, tradução nossa).

Figura 2 - Relacionamentos entre atributos do ecossistema

Fonte: Spiegel (2017), adaptado pela autora.

Um local que apresenta uma cultura de incentivo ao empreendedorismo, à inovação, e que possui exemplos de sucesso é capaz de atrair a atenção de antigos, novos e potenciais empreendedores, o que colabora para a sustentação e reputação do ecossistema (SPIEGEL, 2017).

Enquanto isso, os atributos sociais dizem respeito basicamente às oportunidades de network, à circulação do conhecimento e ao acesso à financiamento. Nessa perspectiva, as colaborações, os serviços disponíveis de mentoria e a participação de investidores ajudam a superar os desafios e incertezas da inovação e encorajam o desenvolvimento do negócio.

Dentre os atributos materiais estão as políticas regulatórias, as universidades, serviços de apoio e instituições intermediárias e a infraestrutura física local (SPIEGEL, 2017). O Brasil, por exemplo, ainda é um dos países que mantém um ambiente regulatório complexo, ocupando a 124º posição entre 190 países no ranking de facilidades para abrir um negócio, caindo 15 posições desde a avaliação realizada em 2018, de acordo com relatório do Banco Mundial (RODRIGUES, 2019). Além disso, ainda não existe no país uma designação jurídica específica que beneficie os negócios de impacto.

Esse tipo de ambiente desencoraja o fortalecimento do empreendedorismo local e é necessário que se efetuem reformas legais e burocráticas que favoreçam a sociedade, o Estado e a atividade empreendedora. Ainda assim, como afirma Isenberg (2010, p. 9, tradução nossa), essas reformas "não serão verdadeiramente eficazes na ausência de todas as abordagens mais 'flexíveis' que o governo possa adotar para a construção de ecossistemas, como quebrar barreiras culturais, educar empreendedores e promover histórias de sucesso".

No caso das Universidades, estas são responsáveis pela produção de novos conhecimentos que contribuem para o aperfeiçoamento da atividade empreendedora; pela formação de futuros empreendedores e profissionais com as habilidades ideais para atuar em ambientes de inovação. Já as incubadoras e aceleradoras são vistas como entidades intermediárias que auxiliam os jovens empreendedores a alavancarem o seu negócio, assim como outros serviços de apoio (SPIEGEL, 2017; STAM; SPIEGEL, 2016).

A infraestrutura física da região também se destaca nessa categoria como um atributo que influencia na atração e retenção de empreendedores, pela facilidade de mobilidade, disponibilidade de espaços adequados para a instalação do negócio, entre outros (SPIEGEL, 2017).

Os atributos, se tomados de forma isolada, muito dificilmente oferecerão condições de compreender o comportamento de um ecossistema (ISENBERG, 2010). Por isso, estudos que

se dedicam a analisar esses ecossistemas e seu impacto no exercício empreendedor devem considerar cada um desses elementos e suas inter-relações (STAM; SPIEGEL, 2016).

Quadro 4 - Descrição dos atributos do ecossistema

Tipo de atributo Atributo Descrição

Cultural

Cultura de apoio Atitudes culturais que apoiam e normalizam atividades empreendedoras, aceitação de riscos e inovação.

Histórias de empreendedorismo

Exemplo local de destaque de negócios bem-sucedidos.

Social

Talento Presença de profissionais habilidosos e dispostos a trabalhar em startups.

Capital de investimento Disponibilidade de capital de investimento da família e amigos, investidores anjo e capitais de risco.

Networks Presença de networks que conectem empreendedores, consultores, investidores e profissionais e que permitem o fluxo livre de conhecimento e habilidades.

Mentores e modelos Empreendedores e pessoas de negócios locais bem-sucedidos que aconselham jovem empreendedores.

Material

Política e governança Programas ou regulamentos administrados pelo Estado que apoiam o empreendedorismo por meio de financiamento direto ou removem barreiras à criação de novos empreendimentos.

Universidades Universidades e outras instituições de ensino superior que treinam novos empreendedores e produzem a repercussão de novos conhecimentos.

Serviços de apoio Empresas e organizações que prestam serviços auxiliares a novos empreendimentos, por exemplo, advogados de patentes, incubadoras ou empresas de contabilidade.

Infraestrutura física Disponibilidade de espaço de escritório, instalações de telecomunicações e infraestrutura de transporte suficientes para permitir a criação e o crescimento de empreendimentos.

Mercado aberto Presença de oportunidades locais suficientes para permitir a criação de empreendimentos e acesso desimpedido aos mercados globais.

Fonte: Spiegel (2017).

Ainda que estejam distribuídos em camadas (ver Figura 2), não existe uma relação hierárquica entre os atributos. O desempenho de um contribui ou reforça o desenvolvimento do outro. Para explicar como estes estão interligados, Spiegel (2017, p. 7-8, tradução nossa) utiliza o seguinte exemplo:

as organizações de apoio empresarial podem desempenhar um papel importante na promoção de redes locais e na elevação do perfil de startups locais de sucesso. Isso incentiva novos atores a se envolverem em atividades de network, expondo-os a histórias de sucesso, aumentando a quantidade de recursos financeiros, técnicos e de consultoria nos networks locais. Fortes conjuntos de atributos sociais, como networks, mentores e capital de investimento em uma região, então, ajudam a reforçar e a reproduzir a cultura preexistente do ecossistema normalizando essas práticas e criando novas histórias de empreendedorismo de sucesso que entram na história da região.

Cada ecossistema pode apresentar atributos que se destacam mais que os outros e, ainda, ter alguns ausentes. Mais importante que se concentrar nos resultados é, portanto, investigar os atributos que interagem  e a forma como interagem – para o sucesso ou frustração do empreendedorismo na região (SPIEGEL, 2017; STAM, 2015; STAM;

SPIEGEL, 2016).

Ainda, em um esforço de compreender as relações de causa e efeito entre os atributos do ecossistema, de entender como as suas combinações influenciam na atividade empreendedora de determinada região, Stam (2015) desenvolveu um modelo (Figura 3) que apresenta as conexões entre os elementos, a atividade empreendedora e o resultado final desse processo, que é a criação de valor. Segundo ele,

[...] a atividade empreendedora é considerada o processo pelo qual os indivíduos criam oportunidades de inovação. Essa inovação acabará por levar a um novo valor na sociedade e, portanto, este é o resultado final de um ecossistema empreendedor, enquanto a atividade empreendedora seria mais uma produção intermediária do sistema.

(STAM, 2015, p. 5, tradução nossa)

O autor insere os elementos considerados relevantes nas condições sistêmicas ou estruturais (Figura 3). As condições estruturais incluem a presença e participação de instituições formais, cultura de apoio, infraestrutura física adequada e a demanda por novos bens e serviços (STAM, 2015); enquanto as condições sistêmicas, referem-se à promoção de networks, presença de lideranças fortes, profissionais capacitados e serviços de apoio, acesso à financiamento e a novos conhecimentos.

Esse modelo oferece uma relação causal entre os quatro níveis ou camadas – condições estruturais e sistêmicas, saídas e resultados . O sentido ascendente "revela como as causas fundamentais da criação de novo valor são mediadas por causas intermediárias"

(STAM, 2015, p. 5, tradução nossa), enquanto que a relação descendente demonstra que, com o passar do tempo, a atividade empreendedora e o valor agregado reforçam as condições do sistema. Além dessas, existe também a relação causal intracamada, que contempla as

condições sistêmicas e estruturais e se refere às interações entre os elementos do ecossistema (STAM, 2015).

Figura 3 - Elementos-chave, resultados e efeitos do ecossistema

Fonte: Stam (2015), adaptado pela autora.

As pesquisas de Stam (2015) e Spiegel (2017) se complementam. Os atributos identificados por Spiegel estão distribuídos entre as condições estruturais e sistêmicas, com algumas variações de terminologia. Ambos revelam a importância de analisar o ecossistema e identificar o seu potencial a partir dos atributos presentes e suas inter-relações.

Ainda despertam para o papel do empreendedor nesse contexto, como agentes importantes para identificar as deficiências e potenciais do ecossistema e manter o seu equilíbrio. Nas palavras de Stam (2015, p.2, tradução nossa), "empreendedores com um compromisso de longo prazo com o ecossistema geralmente estão melhor posicionados para reconhecer as oportunidades e restrições do ecossistema e lidar com elas, juntamente com os 'alimentadores' do ecossistema", que podem ser o governo, as fontes de investimento e outras instituições de apoio.