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2 GEOGRAFIA SOCIOAMBIENTAL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA:

2.2 Por uma Educação Ambiental crítica

A Educação Ambiental (EA), por sua vez, assim como a Geografia, é causadora de inúmeras inquietações quanto a sua definição. Os debates que cercam essa temática, ora dada como transversal ora assumida como área do conhecimento, nos conduzem a diversas

perspectivas norteadas por concepções que não se anulam, mas anunciam a maturação da questão ambiental no contexto pedagógico ao longo de um processo social e político, segundo Loureiro (2004). No entanto, trilhemos aquele que nos conduz a dimensão problematizadora da questão socioambiental, ou seja, a perspectiva crítica.

Segundo Tristão (2005), a Educação Ambiental assumiu um discurso muito amplo ao longo de todo o debate processual que lhe dê escopo e caráter prático. O discurso polissêmico e enviesado de muitos sentidos tornou a EA um desafio a ser alcançado e uma realidade utópica, de certo modo. No entanto, os elementos que impregnam seus discursos e suas práticas são intrínsecos ao processo formativo, ao qual esse campo educativo se destina.

A partir da década de 1950, inicia-se um movimento de conservação de recursos naturais, no entanto este movimento não se caracterizava por fazer menção a crise socioecológica. A questão ambiental fazia parte de apenas de uma convenção política, respeitando ao aumento de pressões advindas de agitações em torno do temática ambiental. A partir de 1960, implanta-se o que Loureiro (2004, p. 74) denomina “educação conservacionista”. Segundo o autor, esta perspectiva inicial não era dialogada com os setores educacionais nos quais ela seria implantada, ou seja, simplesmente foi colocada como parte do currículo e dos projetos pedagógicos, mas sob influência de saberes e práticas pertencentes às ciências biológicas.

A partir da década de 1970, os movimentos ambientalistas crescem e atuam em setores sociais, políticos e educacionais que possibilitassem a constituição de uma prática formativa que tornou possível o rompimento com o paradigma conservacionista e que construiu uma pedagogia ambiental crítica, pautada na repercussão das ideias freirianas, como salienta Gadotti (2000; 2001). No Brasil, a Educação Ambiental aporta no sistema educacional sob o signo da ditadura militar, contexto em que “[...] os movimentos sociais esfacelados e a educação sob forte repressão, de modo a se evitar a politização dos espaços educativo.” (LOUREIRO, 2004, p. 75). Isto impossibilita com que a EA assuma uma postura formativa libertadora e mobilizadora de um processo reflexivo.

O que ocorreu, neste cenário de anulações de projetos pedagógicos voltados a conscientização dos indivíduos, foi a supervalorização da sensibilização dos sujeitos para o meio natural, fazendo repercutir tendências naturalistas, desvinculando a questão ambiental de quaisquer debates societários.

O resultado foi, em termos de educação ambiental, uma ação governamental que primava pela dissociação entre o ambiental e o educativo/político,

favorecendo a proliferação dos discursos ingênuos e naturalistas e a prática focada na sensibilização do “humano” perante o “meio natural”, ambos desvinculados dos debates sobre modelos societários como um todo. Assim, a educação ambiental ganhou visibilidade como instrumento de finalidade exclusivamente pragmática (em programas e projetos voltados para a resolução de problemas enquadrados como ambientais) e como mecanismo de adequação comportamental ao que genericamente chamou-se de “ecologicamente correto” (LOUREIRO, 2004, p. 75-76).

Concomitante a emersão de uma perspectiva socioecológica possível, a Educação Ambiental seguiu os rumos que o debate educacional tomou. Segundo Tristão (2005) e Padilha et al (2011), o processo pedagógico voltado para a transformação dos sujeitos e sua realização como ser humano eleva a EA a posição de conhecimento-emancipação, rompendo com a linearidade científica que sobrepôs o homem a natureza e gerou a crise socioambiental com a qual convive-se hoje.

A ambição central desta perspectiva é que o sujeito realize-se como cidadão responsável, integrado a sociedade, consciente de seu papel frente às dinâmicas entre sociedade e natureza e atuante sobre a realidade local e global na qual está inserido (NARDY e DEGASPERI, 2016). Neste contexto, a tríade educação-sociedade-natureza realiza-se por meio de um processo libertário e emancipatório para com a construção de uma sociedade- mundo equitativa e plural.

Diante disto, a Educação Ambiental crítica assume-se como autocrítica, antes de criticar qualquer problemática inerente a relação sociedade-natureza. A problematização faz parte da evocação de uma consciência socioambiental e esta perpassa pela crítica às atitudes pessoais e ao movimento da vida como um todo. Loureiro (2007) ressalta que é preciso assumir que vivemos em sociedade e que, portanto, mesmo quando buscamos ir além da realidade na qual nos inserimos, acabamos repetindo aquilo que queremos superar. Desta forma é preciso que, para tornar-se crítica, a Educação Ambiental esteja ancorada na crítica a si, enquanto parte do todo, e da sociedade, enquanto o todo.

Na década de 1980, a EA veste-se de criticidade e da problematização da questão ambiental, abandonando o naturalismo conservacionista. Apesar disto, o discurso das ciências naturais ainda era bastante presente nas práticas pedagógicas que fomentavam o debate ambientalista na formação escolar. Os caminhos e perspectivas que alimentam a EA, até os dias atuais, a tornam polissêmica, como dito, no entanto cada vez mais necessária, pois seu papel é único (TRISTÃO, 2005).

Enquanto temática que perpassa as áreas do conhecimento que compõem a base curricular comum, a Educação Ambiental é direcionada por caminhos e perspectivas que ora

divergem ora convergem entre si; enquanto campo formativo, a mesma se anuncia como área do conhecimento que tem o poder de trazer à escola um duplo desafio, o qual se atrela a função social da instituição escolar, segundo Nardy e Degasperi (2016), no seu dizer e no seu fazer cotidiano.

A Educação Ambiental está ligada a dois desafios vitais: a questão da perturbação dos equilíbrios ecológicos, dos desgastes da natureza, e a questão da educação. Os desequilíbrios e a educação são heranças de um modelo de desenvolvimento socioeconômico que se caracteriza pela redução da realidade a seu nível material econômico, pela divisão do conhecimento em disciplinas que fragmentam a realidade, pela redução do ser humano a um sujeito racional, pela divisão das culturas, enfim (TRISTÃO, 2005, p. 253-254).

A EA, assumida notoriamente como transversal às áreas do conhecimento escolar desde sua origem, também atua no debate educacional de forma mobilizadora. Para que se efetive um processo de mudança de pensamentos, discursos, hábitos, atitudes, como destacam Nardy e Degasperi (2016), a Educação Ambiental se coloca como articuladora de uma mudança paradigmática, em que se efetiva uma educação emancipadora, a qual busca fazer oposição aos princípios da lógica moderna, do progresso científico e do racionalismo acerca da natureza.

O conjunto de ideias que hoje se apregoa e ecoa por entre os pesquisadores da EA dizem respeito a subversão da lógica hegemônica, cujos elementos já foram citados acima, e que não alimenta a reflexividade e a emancipação dos sujeitos na busca pelo reconhecimento de uma consciência socioambiental, como frisa Jacobi (2003). Para o autor mencionado, a reorientação da visão que se constrói sobre o homem, sobre a natureza e sobre o mundo perpassa por uma reconstrução do processo educativo, centrando-o numa preparação para o exercício de uma cidadania reflexiva, ou seja, que pensa e age sobre sua realidade de forma decisória e participativa, responsável e solidária.

A Educação Ambiental, desde que se estruturou, na década de 1970 durante a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em Tsibilisi, nos Estados Unidos, assumiu um compromisso “[...] em nível global orientado para criar as condições que formem uma nova consciência sobre o valor da natureza e para reorientar a produção de conhecimento baseada nos métodos da interdisciplinaridade e nos princípios da complexidade.” (JACOBI, 2003, p. 190). Com isso, seu papel de interlocutora para com uma formação impregnada de significados a respeito de uma educação libertadora e emancipatória

(LOUREIRO, 2004) atrela-se a mobilização dos sujeitos sociais, de localidades participativas e que se autoafirmam no processo decisório político e social.

A Educação Ambiental não se trata apenas de levar conhecimento ambiental aos sujeitos, mas leva-los a uma compreensão tal que estes sintam-se parte de uma mudança socioambiental determinante para a melhoria da qualidade de vida e, consequentemente, da realização de um novo projeto sociedade, o qual se assenta numa lógica inclusiva e libertária (FREIRE, 1997; SOFFIATI, 2008; SHCERER, 2008).

Com tamanho desafio diante de si, sobretudo num mundo marcado pelos danos cada vez mais alarmantes da crise socioecológica (LEFF, 2009), a EA necessitava de maior aprofundamento e de maiores debates em torno de suas características e objetivos para com a formação dos sujeitos em situação escolar. A ocorrência de desastres sociais e ambientais em diversos locais do planeta, a exemplo de Chernobyl, em 1986, alimentaram ainda mais a urgência por debater o modelo desenvolvimentista ocidental e os princípios que regem a ordem econômica global, produtores sem precedentes de impactos sociais e ambientais sobre o meio ambiente e sobre as organizações sociais (LIMA, 2008).

Fomenta-se, a partir destes elementos constitutivos, a concepção de Beck (1992), a chamada “sociedade de risco”. Acredita-se que a sociedade global esteja transitando de uma modernidade racionalista para uma modernidade reflexiva, dada a intensidade e distribuição cada vez maior dos riscos, sobretudo ambientais, que são consequência de práticas sociais, econômicas e política imprudentes. Esta sociedade de risco é fruto da intensificação da imprudência humana, que resolve voltar-se para o processo de geração de riscos, tornando-se objeto de sua própria reflexão. Segundo Lima (2008, p. 115), a isto se atribui o termo “modernidade reflexiva”, “Ou seja, a modernização tornou-se, reflexivamente, tema para si mesma e, dessa forma, não procura mais um tema externo, e sim a problematização de sua própria realidade.”.

Jacobi (2003) esclarece que é diante desta sociedade de práticas imprudentes e de grande temor pelo porvir que a Educação Ambiental se tema, prática e ação formativa urgente e emergente. É necessário que haja maior participatividade e corresponsabilização dos cidadãos para com a manutenção da qualidade de vida, sobretudo atuando em suas realidades locais, através dos instrumentos políticos, culturais, ideológicos e ambientais de que dispõem.

Nessa direção, a problemática ambiental constitui um tema muito propício para aprofundar a reflexão e a prática em torno do restrito impacto das práticas de resistência e de expressão das demandas da população das áreas mais afetadas pelos constantes e crescentes agravos ambientais. Mas

representa também a possibilidade de abertura de estimulantes espaços para implementar alternativas diversificadas de democracia participativa, notadamente a garantia do acesso à informação e a consolidação de canais abertos para uma participação plural (JACOBI, 2003, p. 192).

O fortalecimento do compromisso social e do papel que a educação tem, enquanto processo formativo capacitador e socializante, segundo Loureiro (2003), vislumbra na Educação Ambiental a possibilidade de constituição de vias de acesso a confecção dialógica da consciência socioambiental e do engajamento cultural, político e social necessário para a transformação social, como destacam Ruscheinsky (2004) e Loureiro (2007).

O rompimento com a lógica conteudista, que também impregnava os sentidos da Educação Ambiental, colocando-a como mais um campo do saber em que se difundiam noções sobre a natureza, ou seja, elementos e processos biológicos, anuncia a premência de um caráter formativo diferenciado, ou seja, que se coloque ao dispor de uma ressignificação das práticas pedagógicas e, consequentemente, da formação de sujeitos conscientes e ativos, ultrapassando a sensibilização, que tanto ocupou a tarefa socioambiental educativa, segundo Silva (2001).

É a recriação da Educação Ambiental, assumindo-a não como mero objetivo, como dantes afirmado, não negando que esta seja uma finalidade, mas como processo que ao longo de toda a formação escolar tende a ampliar a visão de mundo dos indivíduos no sentido da coletividade, da solidariedade, da justiça social e ambiental, da responsabilidade e do pluralismo (JACOBI, 2003; RUSCHEINSKY, 2004; TRISTÃO, 2005).

Isso significa dizer que o que deve ser feito é superar as práticas pontuais que instrumentalizam e mobilizam saberes de curta duração, saberes que não se tornam parte da vida dos sujeitos. A intencionalidade da Educação Ambiental, que se ambiciona crítica de acordo com as palavras de Loureiro (2003; 2004; 2007), é transformar o sujeito no sentido de uma mudança paradigmática, de revisitação de valores éticos e políticos, dialogando com estes e criando novas tarefas sociais que insiram o compromisso e a responsabilidade como parte de cidadania ativa.

Para Tristão (2005), isto significa inserir o indivíduo numa trama arquitetada de saberes com os quais os sujeitos virão a se identificar, a se sentirem mobilizados a não apenas pensar em que atitudes poderiam conceber em suas práticas cotidianas, pois é o cotidiano que dispõe de elementos para este processo (NARDY e DEGASPERI, 2016), mas agir sobre sua prática diariamente. Esta é a real mudança e transformação social por meio de uma pedagogia socioambientalista, segundo Gadotti (2001).

É caminhar não apenas no sentido de uma economia sustentável ou um desenvolvimento econômico sustentável, mas na sustentabilidade das relações que o indivíduo estabelece com o Estado, enquanto cidadão. É assim que se cria a possibilidade de uma cidadania que não se torna refém apenas dos marcos legais, mas da consciência sociopolítica e socioambiental que cada indivíduo e grupo social forma para conceber a qualidade de vida que cabe às suas realidades, superando os riscos e vulnerabilidades socioambientais (BRÜSEKE, 1997; ESTEVES, 2011).

Portanto, a Educação Ambiental crítica tem por base as inquietações provocadas por um processo educativo que não se enxerga enquanto problematizador e mobilizador de inconformidades com os riscos socioambientais. Sua tarefa se põe para além disto, sua busca se concentra numa formação social e ambientalmente consciente, através da qual os sujeitos não se tornem alienados quanto as condições de vida, sociedade e natureza, em que estão inseridos (LOUREIRO, 2004). Esta dimensão do processo educativo deseja uma subjetivação das práticas pedagógicas, pois a objetividade não permite o diálogo, elemento central de sua construção no espaço escolar e de construção da cidadania, melhor dizendo, da ecocidadania (WARAT, 1994).