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2 GEOGRAFIA SOCIOAMBIENTAL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA:

2.3 A ecocidadania e a ressignificação da relação homem-meio

2.3.1 Saber social, saber ambiental e consciência socioambiental

Importante que seja reiterada a ideia de que a ecocidadania é uma das dimensões que compõe e é composta pelo ideal de cidadania, compreendendo esta como instância macro da realização do estado de direito democrático do sujeito social. A cidadania, segundo Scherer (2008), apresenta três dimensões, as quais estão intimamente associadas tanto em diálogo quanto em ação, quando se busca o consenso em torno da prática cidadã entre indivíduo e Estado. A dimensão subjetiva – a dimensão do eu – em que se concentra a emancipação, o empoderamento e a dignidade do indivíduo, estando associada a privacidade e a liberdade individual, além do autoreconhecimento do indivíduo como sujeito inserido em sociedade.

Psicologicamente e sociologicamente o ator social se auto-constrói através de um movimento de introspecção pela qual se compreende como ser humano consciente de sua presença no Planeta e da relevância da sua existência e suas ações nas ondas de todo o lago global – através desta subjetivação descobre sua identidade. Portador desta consciência, terá noção de sua dignidade (SCHERER, 2008, p. 84).

A dimensão político-social – a cidadania horizontal e a cidadania vertical que “[...] se define nas esferas exteriores do cidadão, estando neste patamar a relação vertical com o Estado e a relação horizontal com os demais cidadãos” (SCHERER, 2008, p. 85). Contudo, dentre as dimensões citadas, a dimensão planetária – a ecocidadania –, que diz respeito ao pertencimento e à solidariedade, afirmando a autora que “A ecocidadania e a cidadania planetária são axiomas que se equivalem e pressupõem o exercício da solidariedade humana

no movimento de unificação da humanidade para a manutenção de Gaia” (SCHERER, 2008, p. 87).

A partir destas questões, é possível construir um panorama analítico sobre como se constitui, em teoria, a ecocidadania (ou cidadania planetária), a partir da intersecção entre as afirmações de Scherer (2008) e Leff (2009), mediadas por Jacobi (2003). O saber ambiental e sua intersecção com o saber social, segundo Scherer (2008), lançam as bases da ecocidadania e da práxis ecocidadã. Pereira e Ferreira (2008) definem a práxis ecocidadã, lançando olhares e abordagens sobre como deve agir e pensar um ecocidadão; a prática deste indivíduo está vinculada ao bem estar social e ao equilíbrio ecológico, ou seja, o ecocidadão, apesar do prefixo “eco”, que induz a uma primeira impressão errada sobre o termo, não está apenas preocupado com as questões ambientais/ecológicas/naturais, mas com a sociedade como um todo, levando em consideração a dimensão ambiental.

O ecocidadão não é aquele indivíduo que distingue o ambiental do social, ele pauta sua prática cotidiana num profundo e constante respeito a vida em sociedade e suas múltiplas relações com o planeta (Gaia). Portanto, a racionalidade que move o sujeito que assume uma postura ecocidadã é aquela denominada como socioambiental, segundo Leff (2009). A tomada de consciência, o empoderamento e a emancipação, corroborando numa ação que permeie o cotidiano, sobretudo no lugar de expressão da vida cotidiana, é o que conduz o cidadão planetário. Este se apossa de uma missão social que transcende, em muitas ocasiões e sentidos, o que está posto na legislação engendrada pelo Estado, orientadora da prática cidadã (PADILHA et al, 2011).

A busca deste indivíduo deve ser a realização de uma ecologia integral, ou seja, a concretização de uma ecologia natural (preservação/conservação dos recursos naturais) e de uma ecologia social (impacto das sociedades humanas sobre os ambientes/ecossistemas naturais). Este processo, segundo Padilha et al (2011, p. 30) “[...] implica em uma mudança nas estruturas econômicas, sociais e culturais.”. Deste modo, o ecocidadão é o indivíduo que apresenta uma preocupação e mobilização ampla para com a sociedade e o meio ambiente, tornando-se altamente crítico sobre as questões que se dão na intersecção destas dimensões e como tornar sutentável a captação e o uso dos recursos de modo a reduzir os impactos causados por este processo, tal como expressam Pereira e Ferreira (2008, p. 17).

O ecocidadão é a pessoa consciente e que busca qualidade de vida no planeta Terra. É o indivíduo sintonizado com as questões da escassez da água, com o desmatamento crescente, com a caça predatória e o tráfico de animais, com os problemas decorrentes do modelo de consumo adotado por uma

determinada sociedade, que descarta mais e mais lixo no planeta, que contamina o ar que todos respiram e que altera as condições climáticas, que polui rios, mananciais e mares.

Deste modo, o saber ambiental e o saber social, ambos respectivamente engendrando uma ecologia natural e uma ecologia social, são vitais para a construção da ideia de ecocidadania. O ecocidadão precisa estar bem informado e ser conhecedor, principalmente, conforme Loureiro (2003), de seu espaço, de seu lugar e das necessidades socioambientais que fazem parte de sua vida, tomando-as como bandeira de luta e reação político-democrática para construir o bem estar social coletivo.

Para Leff (2009), Jacobi (2003) e Scherer (2008), o saber ambiental e o saber social pertencem ao ser e estar no mundo, transcendendo o aparato legal, sendo regido pela vontade popular que emana da consciência adquirida por todo este processo relatado. Desta forma, como esquematizado na Figura 1, a ecocidadania advém da junção do saber ambiental e do saber social, em que ambos estabelecem um diálogo necessário para a manutenção da vida na Terra e melhoria do bem estar ecológico natural e social.

Figura 1: Esquema de concepção da ecocidadania, segundo as concepções Leff (2009) e

Scherer (2008)

Fonte: elaborado pelo autor, 2016.

A busca por uma consciência socioambiental nos faz questionar o quanto a Geografia precisa acompanhar tendências epistemológicas e praxiológicas que se constituem no seio das demandas que emergem nestes novos tempos, em que o diálogo e a intersubjetividade preponderam sobre o tecnicismo e o raciocínio lógico-formal. Sim, pois a racionalidade que buscamos por meio da ecocidadania é a que prima pelo ato comunicativo e dialógico entre os sujeitos, que tecem juntos o conhecimento por meio dos saberes que lhes permite mediar a compreensão dos fenômenos que constituem suas vidas.

Como apontam Morin (2003) e Neira e Lippi (2012), o conhecimento precisa ser entretecido pelos sujeitos, estes o tomando como ferramenta de emancipação (conhecimento-

emancipação), subvertendo a lógica do paradigma dominante, racional e altamente excludente. O entretecimento, o tecer junto, entre o saber ambiental, o saber social, a prática cotidiana, bem como a força do lugar e o pertencimento que dela aflora, são os elementos que constroem e dão força à ecocidadania como perspectiva que nutre a mobilização-ação socioambiental no cenário escolar contemporâneo, caminhando em direção a uma ressignificação da cidadania, tendo em vista que esta precisa transparecer um projeto coletivo, plural, dialogável, dinâmico e, sobretudo, direcionado às demandas do povo.

No que concerne a realização do projeto democrático que é a ecocidadania, Loureiro (2003) lança quatro proposições para a ação individual-coletiva comunitária, com vista a realização da tomada de consciência, mobilização e emancipação dos indivíduos e da coletividade em razão de uma sociedade justa, participativa, igualitária e sustentável, na medida em que combate as instabilidades socioambientais, reduzindo discrepância sociais e políticas, ouvindo a voz que emerge do lugar de luta dos sujeitos.

 Conhecer a realidade que deseja transformar;

“Provocar nos participantes o desejo de apropriar-se de seus território, espaços/locais onde moram, trabalham, convivem, facilitando a atuação enquanto gestores de propostas de ação voltadas para a transformação de suas comunidades” (LOUREIRO, 2003, p. 80)

 Conhecer as regras desta realidade – formais/legais e informais;

As regras informais de uma determinada localidade fazem parte de sua história, das pessoas e suas culturas, dos costumes, dos modos de produção, das aspirações, dos sonhos de cada indivíduo e do grupo social. Fazem parte da lógica local. [...] As regras legais, se forem desconhecidas, precisam ser informadas e estudadas. As leis, deveres e direitos, quando bem assimilados, produzem segurança para o agir. (LOUREIRO, 2003, p. 80)

 Sentir-se parte desta realidade e responsável por ela

O sentimento de ser parte de uma determinada realidade, de pertencer a um grupo ou comunidade é condição para despertar o sentimento de responsabilidade e de compromisso com ela. Ao mesmo tempo em que se fortalece a relação dos sujeitos com o lugar, a relação interpessoal e coletiva se consolida. (LOUREIRO, 2003, p. 81)

 Na ação, desenvolver o sentimento e a compreensão de autonomia e de interdependência.

Este aparente paradoxo entre educar os sujeitos para a autonomia e conscientizá-los para a interdependência dos fatos e fenômenos gera uma tensão. [...] Dessa tensão entre o poder emancipação do indivíduo e o poder do grupo, propiciado pela participação, gera-se a possibilidade de se construir espaços coletivos de decisão para a transformação. (LOUREIRO, 2003, p. 81)

Estes pressupostos à realização da cidadania planetária/ecocidadania, de modo concreto na dimensão do local dos sujeitos, só é possível quando há a construção e a criação de sentidos para a manifestação intersubjetiva de uma consciência socioambiental. Como elemento que tangencia este processo, enquanto também se nutre destas perspectivas e os eleva a condição de processos transformadores, a dialogicidade freiriana tem papel contributivo para que tais pressupostos sejam uma realidade no escopo da realização dos indivíduos como sujeitos sociais e da coletividade como grupo social consciente e ativo.

A transformação do mundo6, que visa constituir-se como sociedade-mundo, deve e precisa ser precedida por reciprocidade e solidariedade entre os sujeitos; por uma intersubjetividade que visa a humanização, a emancipação e a coletivização dos processos de condução dos indivíduos a tomada de decisão sobre os rumos da sociedade vigente; pelo diálogo7, em sua profundidade e caráter de urgência frente as necessidades de um mundo que permanece silenciando os sujeitos em seus locais de vida, suas culturas e sua pluralidade, em detrimento do controle e da hegemonia (SOFFIATI, 2008).