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Em 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) comemora 20 anos de sua criação e, com ele, a inserção da saúde bucal na agenda pública tem sido permeada por inúmeros conflitos e contradições, em todas as esferas de governo. A saúde bucal, ainda é marcada por conflitos e contradições que expressam os diferentes projetos em disputa na sociedade brasileira, o que se torna incompatível com um sistema unificado e descentralizado de caráter universalista. Só recentemente,

surgiu a possibilidade de conformação de uma agenda para gestão da saúde bucal como política pública (FRAZÃO; NARVAI, 2009).

Durante a 7ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), em 1980, o modelo de prática odontológica foi criticado pelo seu perfil iatrogênico e mutilador, apontando- se o seu caráter de monopólio (atividades centradas exclusivamente no cirurgião- dentista, com baixa participação de pessoal auxiliar) e sua orientação fortemente ligada à tradição liberal-privatista da profissão. Surgiram, então, sugestões para transformação desse modelo de acordo com as propostas do movimento da Reforma Sanitária formuladas naquele período. Com a implementação do processo de descentralização que se seguiu à criação do Sistema Único de Saúde (SUS), multiplicaram-se os centros de decisão sobre saúde nas esferas estaduais e municipais, com reflexos nos programas de saúde bucal (FRAZÃO; NARVAI, 2009).

A inserção da saúde bucal na ESF, modelo assistencial que contempla os princípios doutrinários do SUS, acarretou uma nova perspectiva para a Odontologia e propôs a reorganização do modelo de atenção e ampliação do acesso às ações de saúde, garantindo atenção integral aos indivíduos e famílias mediante estabelecimento de vínculo territorial (VILARINHO; MENDES; PRADO JR, 2007). O cirurgião-dentista, inserido na ESF, vê-se diante de muitos desafios resultantes de uma formação voltada para questões biológicas, curativas e técnicas, com pouca ênfase nos fatores socioeconômicos e psicológicos do processo saúde-doença. Assim, é desafiado para o desenvolvimento de atividades de promoção, manutenção e recuperação da saúde, não estando, muitas vezes, preparado para desempenhar suas funções nesse novo modelo de atenção (VILARINHO; MENDES; PRADO JR, 2007).

Mesmo considerando que o trabalho realizado nas clínicas odontológicas seja relevante e resolva problemas individuais, não é suficientemente capaz de produzir a saúde bucal em termos populacionais, já que ela resulta de uma enorme gama de fatores que vão além de variáveis biológicas. Na maioria dos países, a resposta aos problemas dessa área é determinada pelos agentes do mercado, restando ao estado o desenvolvimento de ações que controlem o exercício profissional e a vigilância sanitária (FRAZÃO; NARVAI, 2009).

A saúde bucal, no Brasil, entendida como uma dimensão inseparável da saúde, passou também a ser considerada um direito de todos e um dever do Estado, com a promulgação da Constituição, em 1988, o que representa um marco na gestão de saúde (FRAZÃO; NARVAI, 2009).

O SUS, em verdade, efetiva a sua doutrina constitucional que considera a “saúde como direito de todos e dever do Estado”, pressupondo a garantia de promoção, proteção, recuperação e reabilitação do indivíduo. A implementação dessa doutrina está normatizada na Lei Orgânica da Saúde, bem como o controle social tal qual uma estratégia na conquista de uma melhor qualidade de vida (MATTOS, 2006).

A partir do SUS, exigências de mudança também ocorreram na educação, particularmente na educação em saúde, considerada como um dos instrumentos transformadores de uma nova cultura política em que a participação popular e o exercício de cidadania, individual ou coletiva, atuam na superação das desigualdades econômicas e sociais existentes, que restringem a melhoria nos padrões de saúde em nosso país (MATTOS, 2006).

Ao considerar a educação em saúde de maneira ampla, vale enfatizar a importância de identificá-la como responsabilidade das esferas municipais, estaduais

e federal, indissociável da saúde geral das pessoas e como um direito de cidadania. Dessa forma, pode possibilitar a ação da sociedade na formulação das políticas de saúde bucal, dentro dos princípios do SUS, para modificar o atual modelo assistencial apenas curativo, além de mutilador, de alto custo, baixa cobertura e impacto epidemiológico, com exclusão de uma parcela significativa da população (MATTOS, 2006).

Nesse contexto, a educação, construída pelo indivíduo na sua relação com os outros e com o mundo, torna-se um “instrumento de transformação social, ao contribuir na formação do homem, crítico, criativo, reflexivo, capaz de assumir, no conjunto das lutas sociais, o papel de agente ativo de transformação da sociedade e de si próprio, na conquista de direitos e justiça social e na adoção de novas práticas de interlocução, participação e articulação das ações para além dos espaços institucionais” (MATTOS, 2006).

A prática educativa humanizada na área da saúde coloca o homem como centro do processo de construção da cidadania, tornando-se comprometida e integrada à realidade social e epidemiológica e às políticas sociais e de saúde, oportunizando a formação contextualizada e transformada (DIETRICH; PORTERO; SCHMIDT, 2007). Cabe aos cursos de graduação em Odontologia cuidar dos interesses científicos ou didáticos, proporcionando a construção, a reafirmação e a confrontação com a teoria, sem negligenciar a formação profissional de pessoas comprometidas com o bem-estar e a melhoria da sociedade, onde a teoria e a prática devem se interrelacionar continuamente, proporcionando espaços de criação, de integração e de reflexão crítica (DITTERICH; PORTERO; SCHMIDT, 2007).

Portanto, para formar profissionais com o perfil que atenda às necessidades do SUS, os cursos de saúde precisam adequar sua abordagem pedagógica,

favorecer a articulação dos conhecimentos, trabalhar em equipes multiprofissionais e promover atividades práticas ao longo de todo o curso em todos os tipos de unidades de saúde (MORITA; KRIGER, 2004).

Acredita-se, assim, que o futuro da saúde bucal dependerá não só da forma como for equacionado o desafio fundamental de fortalecer a sociedade civil, de respeitar os movimentos sociais populares e consolidar a democracia (FRAZÃO; NARVAI, 2009), como da formação de novos profissionais voltados para a prevenção e promoção de saúde, como preconizado pelas DCN (ANEXO C).