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PARTE II – O VÍDEO, TALVEZ

2.3 Educação, comunicação e as possibilidades de encontro: encontro das teorias,

Eu preciso falar do encontro. Novamente e mais uma vez: o encontro. Os encontros são esses momentos mágicos que ficam eternizados na memória, nas fotos, nas risadas. Tão simples, singelos, banais. Mas tão potentes, energéticos, revigorantes. São ações inofensivas que nos permitem a aproximação com o vagalume (DIDI-HUBERMAN, 2011). O encontro é o espaço entre. Conecta o dentro e o fora e cria uma ponte. Às vezes parece que o encontro nos dá nutrientes para realizar a travessia e também favorece o mergulho: dentro e fora – entre. Essa ponte pode ser a que auxilia na travessia em direção ao conhecimento. Vejamos com Migliorin, que nos apresenta a “realidade do encontro”:

Fourier fala de uma “realidade do encontro”. Uma bela expressão para manter junto a vida, as energias vitais e o desejo de conhecimento. Encontrar, escreveu Peter Pal Pelbart, influenciado por Oswald de Andrade, “é sempre afetar e ser afetado, mas igualmente envolver aquilo que se encontra, apossar-se de sua força sem destruí- lo” (2015, p. 116).

É nesse espaço, no entre, que a gente se conecta, se envolve, se lança e se encolhe. Invertemos a lógica: travessia de nós mesmos, mergulho no outro. Nós. Como nas “duas coisas diferentes” que a imagem designa para Rancière: primeiro a relação simples que gera a semelhança de seu original (e não necessariamente sua cópia); e a segunda, que altera a semelhança, ou seja: “há o jogo de operações que produz o que chamamos de arte” (2012b, p. 15). Nessa passagem o autor está tratando da alteridade das imagens e é possível entender que essa performance que a imagem realiza é a conexão entre dentro e fora, já que a imagem “nunca é uma realidade simples” (p. 14). As imagens são, de antemão “maneiras de jogar com o antes e o depois, a causa e o efeito” (p. 14). Rancière afirma que essas operações “mobilizam funções-imagens diferentes, sentidos distintos da palavra-imagem” (p. 14). Acrescento: as imagens da arte permitem a alteridade, são imagens que produzem afeto.

Parece que quando há afeto há espaço. Como duas velas que juntas queimam forte, mas seguem com a chama acesa quando separadas. O afeto talvez seja isso: se encontrar e “dar mais gás” para a chama arder. O lampejo que reacende, o amor, o encontro. Imensidão no íntimo, no subjetivo. Na proximidade, mas também na distância.

É nesse sentido que a arte é feita de imagens, seja ela figurativa ou não, quer reconheçamos ou não a forma de personagens e espetáculos inidentificáveis. As imagens da arte são operações que produzem uma distância, uma dessemelhança. Palavras escrevem o que o olho poderia ver ou expressam o que jamais verá, esclarecem ou obscurecem propositalmente uma ideia (RANCIÈRE, 2012b, p. 15).

É nesse encontro da arte e da não arte (da mercadoria) que o posicionamento midialógico busca apagar dos aparelhos de produção e transmissão as formas de identidade e de alteridade das imagens. Rancière afirma que as simples oposições da imagem e do visual “propõem o luto de uma era de entrelaçamentos, a era da semiologia como pensamento crítico das imagens” (2012b, p. 27). É a visão apocalíptica do fim da experiência, do mundo sitiado por imagens. Visão que buscarei me afastar nesta investigação.

O que o autor nos apresenta é a perspectiva de que "o fim das imagens” não seria a catástrofe da mídia, a qual precisaríamos hoje transcender. O fim das imagens seria um processo (e um projeto) histórico, uma visão do devir-moderno que teve lugar entre os anos 1880 e 1920, na era do simbolismo e do construtivismo. Para ele, esse projeto assumiu duas grandes facetas, algumas vezes mescladas. A primeira trata da arte pura, a segunda, por sua vez, da arte que se realiza ao suprimir-se. Arte pura é “concebida como arte que as performances não fariam mais imagens, mas realizariam diretamente a ideia numa forma sensível autossuficiente” (RANCIÈRE, 2012b, p. 28). Já a segunda arte, ela é a que “extingue o distanciamento da imagem para identificar seus procedimentos às formas de uma vida inteiramente em alto, e que não separa mais a arte do trabalho ou da política” (2012, p. 28).

A arte que não se separa mais do cotidiano: é justamente esse o lugar que se vem buscando com a entrada do cinema na escola, visto que a imagem é o mundo e o fora do mundo. E na mesma lógica que Rancière, Migliorin (2015) nos conta que toda imagem é dupla. Ou seja: toda imagem contém uma dupla inserção no real.

No mesmo gesto, na mesma imagem que sofre o real, há uma construção do mesmo real, feita por aquele que opera a câmera, que decide o quadro, que escolhe o movimento, que compões uma mise-en-scène e, mais do que isso, por todos os atores não-humanos que também fabricam a imagem – a câmera sony, a lente zeiss, o corretor de cor da apple, o microfone comprado em um camelô do Rio de Janeiro. Toda imagem, portanto, é o mundo afetando-a e, a um só tempo, uma certa opção de mundo que envolve atores humanos e não-humanos. Essa definição nos lança no campo necessariamente político e estético da experiência do cinema, uma vez que a imagem é o mundo e uma opção de mundo, simultaneamente (MIGLIORIN, 2015, p. 35).

Talvez seja justamente essa dupla dimensão o que garante, no momento da entrada do cinema na escola, um afastamento das lógicas capitalistas que acabamos reproduzindo nesse espaço. A linguagem das imagens se aproxima muito mais da dispersão da qual a juventude contemporânea está acostumada. Garante, assim, uma aproximação com a lógica de rede que se utiliza dos meios digitais e ajuda a derrubar ainda mais as paredes que o confinamento da 17 escola cria para seguir vigiando e punindo . 18

A utilização de uma linguagem das imagens com o estudante na escola pode ser a única saída inevitável para o afastamento das lógicas de individualização, concorrência e punição presentes nos espaços escolares atuais. O mafuá (MIGLIORIN, 2015) que o cinema causa é uma potência anárquica frente ao posicionamento capitalista das instituições escolares. O emaranhado sem regras, onde se faz imagens, é um grande dispositivo que garante a autonomia e a livre circulação dos saberes. Onde todos e todas teriam as mesmas capacidades?! Na experiência com o vídeo.