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Educação, desenvolvimento e teoria do capital humano

5 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO PERÍODO 1995-

5.1.1 Educação, desenvolvimento e teoria do capital humano

O investimento em capital humano a partir da educação, como forma de fomento ao desenvolvimento econômico e social do Estado e ao desenvolvimento do indivíduo em si, tem como uma importante referência a “teoria do capital humano”, formulada por Theodore Shultz e Gary Becker no início da década de 1960.

Shultz define de muitas formas o capital humano, procurando sempre relaciona-lo à ampliação do processo econômico, tanto no aspecto do investimento público, quanto em relação da decisão individual de investir em capacitação, no sentido de melhorar a remuneração. (SHULTZ, 1973).

Afirmara, assim, que a educação é “predominantemente uma atividade de investimento realizado para o fim de aquisição de capacitações que oferece satisfações futuras ou que incremente rendimentos futuros da pessoa como agente produtivo”, concluindo que “proponho, por isso mesmo, tratar a educação como um investimento e tratar suas conseqüências como uma forma de capital” (SHULTZ, 1973, p.69)

A teoria do capital humano trata, portanto, das relações entre educação e economia, sobretudo no que se refere aos impactos da primeira na segunda, correspondendo “historicamente à primeira formalização das relações funcionais entre as instituições educativas e econômicas” (GRACIO, 1997, p.88).

O conceito de capital humano, construtor básico da economia da educação, direciona-se, em seus aspectos macroeconômicos, à análise dos nexos entre os avanços educacionais e o desenvolvimento econômico de um país. O suposto básico microeconômico, por sua vez, é de que a produção do indivíduo é uma combinação de trabalho físico e educação ou treinamento, e o investimento humano

em educação corresponde a um acréscimo da produtividade, e conseqüentemente da renda (SHULTZ, 1973).

Sob o ponto de vista da lógica produtiva, o investimento em capital humano se apóia no postulado neoclássico da universalidade dos comportamentos de maximização, segundo o qual os indivíduos objetivam o maior benefício com o menor esforço possível. O empresário, procurando realizar o máximo lucro, dará preferência a um trabalhador suplementar até o momento em que este lhe custe exatamente aquilo que lhe trará. (GRÁCIO, 1997).

Em relação ao desenvolvimento social, diversos estudos em torno da teoria do capital humano convergem no sentido de registrar o impacto da educação no crescimento econômico. Entre os mais destacados, cita-se o estudo do norte- americano Edward Denison, que relacionou o crescimento do produto nacional dos Estados Unidos a fatores relativos à educação escolar (GRÁCIO, 1997).

São bastante difundidas, porém, as críticas em torno da teoria do capital humano. O pensamento do investimento em seres humanos como forma de propiciar o desenvolvimento de um país deixou transparecer, por vezes, a redução do homem a um componente material, um bem de capital à disposição da riqueza, interpretado muitas vezes como um reducionismo da própria condição do ser humano.

J. S. Mill, citado por Shultz (1973, p.33), insistiu em que “as pessoas de um determinado país não podiam ser tomadas como um item de riqueza, porquanto a riqueza só existe para beneficiar as pessoas”, afirmativa que Theodore Shultz utiliza como contraponto de sua teoria.

As críticas à teoria clássica do capital humano chegaram a ser reunidas em correntes ditas institucionalistas, que buscaram enfoques diferentes daquele concentrado prioritariamente nos mecanismos de mercado. São propostas análises multivariadas, sobretudo por percepção segmentada do mercado de trabalho (e dos níveis de trabalhadores), diferentemente da análise homogênea da visão clássica. Esses modelos “alternativos” mostraram, por exemplo, que a determinação dos salários está muito longe de obedecer, como o preço de qualquer bem ou serviço, à lei da oferta e da procura. (GRÁCIO, 1997).

Bowles e Gintis (1975, p.14) também reforçam as críticas à teoria do capital humano, a partir de uma análise marxista, concluindo que “os teóricos do capital humano têm

criado uma perspectiva normativa unidimensional para a análise de decisões educacionais que não tem nenhuma relação com o bem-estar na humanidade”. Apesar de reconhecer a importância em primeiro plano da educação escolar, estabelecem que a contribuição se dá não apenas pelos diplomas que ela concede, mas igualmente pelas socializações que realiza.

No plano nacional, destacam-se as críticas de Gaudêncio Frigotto, que afirma que “o conjunto de postulados básicos da teoria do capital humano teve profunda influência nos (des)caminhos da concepção, políticas e práticas educativas no Brasil, sobretudo, na fase mais dura do golpe militar de 64, anos 1968 a 1975” (2003, p.43).

Theodore Shultz (1973, p.33)rebate as críticas de forma direta, afirmando que

não há nada no conceito de riqueza humana contrário à idéia de que ela exista apenas para oferecer vantagens às pessoas. Ao investirem em si mesmas, as pessoas podem ampliar o raio de escolha posto à sua disposição. Esta é uma das maneiras por que os homens livres podem aumentar o seu bem-estar.

Assim, na percepção de Shultz (1973, p.32), a riqueza e o desenvolvimento das nações encontram-se ligadas de forma direta à capacidade produtiva dos seus seres humanos que é vastamente muito maior do que todas as formas de riqueza tomadas em conjunto.

A inclusão das habilidades adquiridas e de utilidades de todos os habitantes de um determinado país como parte do capital, entendendo a aquisição de conhecimentos e de capacidades como elementos com valor econômico, é de fundamental importância para o entendimento de que os investimentos em seres humanos são responsáveis de forma predominante pela superioridade produtiva dos países tecnicamente avançados (SHULTZ, 1973, p.35).

É inegável determinado desconforto, sobretudo àqueles que observam a economia com distância e desconfiança, a partir da apresentação de raciocínios em torno de investimento, custos, taxas de retorno, dentre outras, ligados à educação propriamente dita. A este desconforto, Robert Verhine (1995, p.25) acrescenta ainda que, no caso brasileiro, as críticas são muitas, sobretudo em razão da

conotação de imperialismo americano, exploração capitalista, ditadura política, e virtualmente qualquer outro aspecto insípido associado com a experiência infeliz do país com o regime militar nos anos 60 e 70. Entretanto ... inflexivelmente defendem o investimento social em educação, voluntariamente pagam para enviar seus filhos para escolas particulares e, em conversas cotidianas, prontamente equacionam formação escolar com oportunidade para o indivíduo e com o progresso nacional.

A conclusão mais recente de Robert Verhine acerca da teoria do capital humano, baseada em pesquisa desenvolvida por ele junto a mais de trezentos trabalhadores de um parque industrial, é no sentido de acentuar que a teoria do capital humano se trata de “uma abordagem viável e útil, embora não totalmente suficiente” (1995, p.33). Assim, propõe-se a alteração de alguns conceitos neoclássicos, indo além da mera aquisição de habilidades como principal elemento do valor econômico da educação, incluindo aspectos como a socialização como decisivos nesta definição. Educação não formal, noção da segmentação do mercado de trabalho e as características da sua demanda também são colocados por Verhine como importantes elementos complementares à teoria neoclássica do capital humano. Após concluir o que considerou como um “círculo” em torno das formulações sobre a teoria do capital humano, com diversos trabalhos publicados sobre o assunto, Robert Verhine, ao mesmo tempo em que propôs elementos críticos complementares à teoria neoclássica, trouxe conclusão bastante esclarecedora, sobretudo em razão da base argumentativa sustentada neste trabalho. Se, por um lado, não se pode ter na teoria do capital humano a referência única para justificar o investimento em educação pelos indivíduos e pelos Estados, a própria teoria é substancialmente eficiente para tornar-se um importante norte das relações entre economia e educação, deixando clara a importância da análise do investimento em educação como fator de desenvolvimento humano, econômico e social.