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A educação escolar indígena historicamente é marcada pelos princípios integracionistas e de homogeneização cultural. Ferreira (2001, p.72) informa que a educação escolar para os povos indígenas no Brasil pode ser dividida em quatro fases:

A primeira, situa-se à época do Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios esteve a cargo exclusivo de missionários católicos, notadamente os jesuítas. O segundo momento é marcado pela criação do SPI, em 1910, e se estende à política de ensino da Funai e a articulação com o Summer Institute of Lingüístics (SIL) e outras missões religiosas. O surgimento de organizações indigenistas não-governamentais e a formação do movimento indígena em fins da década de 60 e nos anos 70, período da ditadura militar, marcam o início da terceira fase. A quarta fase vem da iniciativa dos próprios povos indígenas, a partir da década de 80, que decidem definir e autogerir os processos de educação formal. [...] cumpre ressaltar que em certos momentos elas [as fases] estão sobrepostas umas às outras. O início de uma nova fase não significa o término da anterior, mas indica novas orientações e tendências no campo da educação escolar.

Essas quatro fases marcaram fortemente a educação escolar dos povos indígenas no Brasil e merecem ser compreendidas na sua totalidade, assim, a seguir será apresentada cada uma delas.

A primeira fase de educação escolar indígena está associada ao contexto da expansão mercantil europeia e consequentemente ao processo de colonização do Brasil. Neste momento, a educação está intimamente relacionada ao projeto colonizador, o qual segundo Faustino (2010, p. 31) tinha por objetivo “[...] inserir os indígenas no sistema mercantil como mão de obra escrava a ser usada na extração de riquezas comercializáveis”.

A educação escolar no Brasil Colônia esteve sob responsabilidade dos missionários jesuítas e não foi apenas destinada aos índios, servia também para atender os filhos de descendentes de colonizadores. Segundo Ribeiro (1987, p. 25) os colégios jesuítas desse momento histórico foram instrumentos de formação da elite colonial, pois “O plano legal (catequizar e instruir os índios) e o plano real se distanciam. Os instruídos serão os

descendentes dos colonizadores. Os indígenas serão apenas catequizados”.

Assim, a educação escolar aos índios desempenhou um papel fundamental. Esperava-se que por meio da catequese, da cristianização, os índios sairiam da condição de “primitivos” e se integrariam à civilização como mão de obra.

Faustino (2010, p. 32) relata que a política educacional estava relacionada ao modelo de colonização portuguesa e tinha caráter moralista, sendo prioridade dos padres jesuítas “[...] inserir nas culturas pagãs do novo mundo, noções de civilidade, de ordem, de disciplina, de respeito à hierarquia e a observância aos dogmas cristãos”.

Entretanto, este período foi marcado pela destruição de diversas culturas. Meliá (1979, p. 47) afirma que “A educação missionária mostra logo uma série de fracassos e frustrações. O educador constata que o índio não aprende e que o profundo do seu ser é intocável”.

A segunda fase da educação escolar indígena engloba o final do século XIX (Primeira República) até e meados do século XX. Neste período a exploração capitalista entrava nos territórios indígenas com suas estradas de ferro e lavouras de café, em alguns casos houve expulsão dos índios de seus territórios, porém quando resistiam à invasão eram massacrados. Diante dessa situação o governo brasileiro começou a receber críticas internacionais e se sentiu pressionado a criar uma política indigenista de caráter integracionista, assim, cria-se o SPI.

Nesse momento os índios são colocados em reservas indígenas e encontravam-se sob a tutela do SPI. A educação escolar passa a ser responsabilidade desse novo órgão, ao qual competia “[...] ministrar, sem caracter obrigatorio, instrucção primaria e profissional aos filhos de indios, consultando sempre a vontade dos paes” (BRASIL, 1910).

As escolas nas terras indígenas não se diferenciavam muito dos moldes das escolas rurais. Os professores não eram indígenas e se ensinava as crianças índias a ler e escrever na língua portuguesa. Segundo Faustino (2010, p. 36), nessas escolas estudavam alunos índios e não índios filhos de colonos, trabalhadores rurais e demais moradores das proximidades.

Meliá (1979, p. 35) revela que “A educação que a ‘sociedade nacional’ pensa para o índio, não difere estruturalmente, nem no funcionamento, nem nos seus pressupostos ideológicos, da educação missionária”. O autor informa ainda que o termo catequese, em 1911, foi simplesmente substituído por proteção. A educação escolar oferecida aos índios permanece com os mesmos ideais do período referente ao Brasil Colônia, ou seja, integrá-los a sociedade nacional.

Nobre (2005) informa que em paralelo à ação do SPI, as missões religiosas católicas e evangélicas atuaram na mesma perspectiva integracionista.

A terceira fase da educação escolar indígena teve início em 1967, com a FUNAI, a qual entrou no lugar do SPI após ser denunciado por corrupção, escravidão e maus-tratos aos índios. Nesse período o Brasil encontrava-se em meio à ditadura militar e as políticas desenvolvidas por esse governo resultavam na integração dos povos indígenas a sociedade nacional.

A esse respeito, podemos observar que o Estatuto do Índio, Lei n°6.001 de 1973, promulgada em 1973, no governo do presidente Emílio Garrastuzu Médici, teve como propósito regularizar a situação jurídica dos índios e integrá-los progressivamente a sociedade nacional (BRASIL, 1973).

Neste momento, ocorreu uma alteração na educação escolar para os índios. No Estatuto do Índio (BRASIL, 1973) ficou estabelecido:

A alfabetização dos índios far-se-á na língua do grupo a que pertençam, e em português, salvaguardado o uso da primeira (Art. 49)

A educação do índio será orientada para a integração na comunhão nacional mediante processo de gradativa compreensão dos problemas gerais e valores da sociedade nacional, bem como do aproveitamento das suas aptidões individuais (Art. 50).

A FUNAI elege oficialmente o ensino bilíngue e estabeleceu convênio com a agência evangélica norteamericana Summer Institut of Linguist (SIL) 34. De acordo com

Faustino (2010, p. 37), várias escolas foram construídas e funcionavam dentro dos Postos da FUNAI nas Terras Indígenas, e os missionários do SIL tornaram-se responsáveis pela codificação de línguas indígenas, alfabetização na língua materna e elaboração de materiais didáticos específicos.

Segundo a autora “[...] os objetivos do SIL eram a conversão do índio à fé cristã e sua inserção pacífica no sistema produtivo (venda da força de trabalho e consumo de produtos industrializados)”, ou seja, o propósito de integrar os povos indígenas no sistema capitalista de mercado foi mascarado pela ação religiosa de evangelização e pela educação bilíngue e bicultural (FAUSTINO, 2010, p. 37-38).

Assim, mais uma vez, os pressupostos ideológicos da educação escolar para os povos indígenas acabam instituindo-se numa estratégia para garantir interesses civilizatórios da sociedade capitalista.

34O Summer Institute of Lingüístics é uma instituição com sede nos Estados Unidos, que reúne linguistas para o estudo das línguas indígenas, trata-se de uma instituição vinculada às igrejas protestantes. O seu trabalho teve início no Brasil em 1956, a convite do Museu Nacional/Universidade do Brasil.

A quarta fase da educação escolar para os índios é marcada pelo enfraquecimento da ditadura militar e fortalecimento dos movimentos sociais. A partir da década de 1970 ocorreu o crescimento do chamado movimento indígena, que procurou por meio de organização articulada entre diferentes povos indígenas, defender uma agenda comum de direitos e interesses coletivos, tais como a luta pela terra, saúde, educação e sobretudo pelo direito de permanecerem índios.

Esse movimento indígena, articulado entre as diversas comunidades e apoiados por instituições não governamentais com base nas orientações dos organismos internacionais, conseguiu convencer a sociedade brasileira e o Congresso Nacional Constituinte a aprovar no final da década de 1980 os direitos indígenas na C.F/1988, a qual passou a assegurar a diferença cultural desses povos.

Mas, o direito de permanecerem índios não resultou na única conquista, Baniwa (2007, p. 129), revela:

É também esse movimento que lutou e luta para que a política educacional oferecida aos povos indígenas fosse radicalmente mudada, quanto aos princípios filosóficos, políticos, pedagógicos e metodológicos, resultado na chamada educação escolar indígena diferenciada, que permite cada povo indígena definir e exercitar seus processos próprios de ensino-aprendizagem.

Por meio desses movimentos e da organização dos professores indígenas35, a escola

para as comunidades indígenas passa a ser pensada a partir de uma educação escolar diferenciada, voltada à valorização de sua cultura. Na C.F/1988, no artigo 210, fica assegurado às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e dos processos próprios de aprendizagem. Ou seja, a Constituição Federal passou a assegurar o direito à diferença cultural das comunidades indígenas e rompeu com as políticas anteriores que visavam sua integração à comunidade nacional.

Entretanto, Faustino (2010, p. 47) afirma que a política neoliberal dos anos de 1980 e 1990 revitalizou o princípio clássico da tolerância e o utiliza como importante elemento nos discursos divulgados, principalmente, pelos organismos internacionais. A autora revela que “[...] a tolerância e o reconhecimento das diferenças não ameaçaria a propriedade privada e nem enfraqueceriam o poder do Estado”, a autora conclui que “é neste contexto que se pode

35 “ANE - Articulação Nacional de Educação, COPIAR - Comissão dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre, hoje COPIAM – Comissão dos Professores Indígenas da Amazônia; OPIR - Organização dos Professores Indígenas de Roraima, OPIRON – Organização dos Professores Indígenas de Rondônia, APBKG - Associação dos Professores Bilíngüe Kaingang e Guarani, OGPTB - Organização Geral dos Professores Ticuna Bilingues, entre outras” (NOBRE, 2005, p. 08)

compreender a reformulação da educação destinada aos diferentes grupos étnicos” (FAUSTINO, 2010, p. 49).

Após apresentar aspectos históricos da educação escolar indígena no Brasil e apresentar os objetivos e as limitações de cada fase, a seguir será exposta uma reflexão sobre a educação escolar indígena pensada a partir de uma perspectiva crítica, da Pedagogia Histórico-Crítica (PHC).