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EDUCAÇÃO ESPECIAL E INTERDISCIPLINARIDADE: DIÁLOGOS

4 EDUCAÇÃO ESPECIAL: OLHARES INSTITUCIONAIS

4.2 EDUCAÇÃO ESPECIAL E INTERDISCIPLINARIDADE: DIÁLOGOS

(IM)POSSÍVEIS

A seção três desta tese revelou alguns atravessamentos da educação na vida dos menores internos pelo S.A.P.S, na identificação da crise comportamental, no encaminhamento, na ruptura com o ensino por causa da doença, na negação para aqueles considerados ineducáveis pois eram examinados por testes elaborados para o meio escolar.

Desde a entrada do menor no hospital não há indícios de um diálogo entre os serviços de saúde e educação. Nos casos que conseguiram voltar à escola, fica evidente o quanto esta era solitária no processo de acolher alguém com um sofrimento psíquico, não dá conta de assegurar sua permanência.

Das instituições especiais, não houve sinais dessa aproximação entre elas e o S.A.P.S. e também com as escolas regulares. Apenas a hipótese de que foram criadas como alternativa à assistência à infância anormal em Sergipe em detrimento do hospital psiquiátrico.

Nas classes especiais, não foi diferente a impossibilidade de diálogos, como justificou Prof. Freitas, Diretor Geral da Educação naquele momento “[...] as classes especiais eram destinadas aqueles que já estavam cursando o ensino e não aprendiam, não evoluíam nas séries, quem já estava na escola era nosso problema” (Antonio Fontes Freitas- entrevista concedida em 04 de agosto de 2017).

A partir das fontes obtidas nesta pesquisa não foram identificados casos advindos dos hospitais psiquiátricos para a classe especial, nem encaminhamentos da escola para eles, porém há indícios da presença de crianças que eram acolhidas nas classes especiais por questões comportamentais como se observa na narrativa da Profa. Iara:

A sala especial também foi um escape para casos difíceis escolares, era o comportamento não intelecto [...] Eu lembro de alguns casos de alunos, teve

um que apresentava um problema, que aparentemente era psiquiátrico, mas que ele, já na sala de aula [...] esse garoto, pelas atitudes, em determinados momentos, o nível de agressão dele, parecia mesmo um menino com problema psiquiátrico. Ele estava numa sala. Eu mesma tratei pessoalmente, apesar de estar na secretaria eu tratei pessoalmente da questão. Que na verdade era um quadro de um problema social extremamente profundo e agressivo que o menino vivia. O pai era alcoólatra, a mãe era alcoólatra, e o menino de um temperamento também forte, em casa apanhava muito. Então teve momentos de muito desequilíbrio dentro da sala, da escola. Várias vezes eu fui chamada correndo, porque a mim ele criou um vínculo assim de escuta. Eu acho que ele foi pra sala de educação especial mais por esse comportamento do que pela intelectualidade dele. Essas coisas aconteciam muito. (Iara Maria Campelo do Nascimento – entrevista concedida em 26 de junho de 2017).

No trecho acima evidencia-se a fusão do sofrimento psíquico/mental com o nível intelectual pelo exame escolar, como também é evidenciada na representação de muitas pessoas sobre os sujeitos das classes especiais: “sala dos doidos” como descreveu o Prof. Freitas, ao referir-se à fala de uma professora sobre a classe especial.

Por outro lado, há uma nítida diferenciação entre o doente mental e o deficiente mental em outras narrativas, revelando que os casos psiquiátricos, os casos graves, não chegavam à escola, se eram destinados a algum lugar, era para o hospital psiquiátrico como é revelado nas falas da Coordenadora e Professora Maria das Graças e da médica neuropediatra que compunha a equipe de Educação Especial: “Os casos que vinham pra gente e eles já eram detectados como casos psiquiátricos, não iam pra gente, porque a gente não tinha suporte pra isso” (Maria das Graças Barreto – entrevista concedida em 06 de julho de 2017); “Crianças com problemas psiquiátricos eram mandadas para o Adauto, eram tidas como doidas mesmo. Não iam para nós.” (Marbene Guedes – entrevista concedida em 07 de julho de 2017).

Da impossibilidade do diálogo entre as instituições, evidencia-se o quanto a representação que se tinha da anormalidade, uma vez identificada e classificada, era determinante quanto às práticas e sua institucionalização. A educação como um direito de todos foi especializada para dar conta dos anormais escolares, caracterizados como “deficiência mental leve”. Os casos mais graves não chegavam à escola, sendo seu destino as instituições especiais, os “retardados” (para a Escola Bertilde de Carvalho) e os “excepcionais” para a APAE - ambos marcados pela “deficiência mental”. Os “oligofrênicos”, os “imbecis” continuaram a ocupar os pavilhões nos hospitais psiquiátricos sem terem acesso a outras instituições, recebendo apenas tratamento medicamentoso e de eletrochoque. E aqueles caracterizados como “doentes mentais”, com desvios comportamentais de ordem psíquica, quando o transtorno tomava dimensões não suportáveis pelo meio social que viviam,

era o hospital psiquiátrico seu destino. Estes, historicamente, não foram contemplados pelas possibilidades conquistadas pela educação especial, ainda que apareçam na literatura – “a criança problema” de Arthur Ramos, “os desvios da normalidade” de Lourenço Filho, e mesmo nos problemas de conduta da educação especial, essas crianças, para serem contempladas, precisavam ser caracterizadas com déficit intelectual, caso contrário, não cabiam nem na escola, nem nas classes e instituições especiais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese defendida neste trabalho foi confirmada, atestando que a institucionalização da infância anormal, durante os anos de 1940-1979, foi orientada pelo saber médico e pela fusão deste com a Pedagogia (modelo médico-pedagógico), produzindo discursos e práticas que foram de negligência e negação da educação àqueles institucionalizados nos hospitais psiquiátricos, de segregação e normalização nas instituições especiais (Escola Bertilde de Carvalho e APAE) e, nas classes especiais, excluídos os casos graves, foram produzidos os alunos especiais com sua respectiva categoria de deficiência mental leve e educável, configurando uma exclusão escolar histórica daqueles que, por tempos, foram considerados idiotas e doentes mentais.

A partir da revisão da literatura e problematização do tema desta tese, “institucionalização e educação do menor anormal”, algumas questões foram elaboradas para direcionar esta pesquisa e respondidas ao longo do trabalho. Considerando o objetivo geral do trabalho, foram identificadas as representações e as relações de saber/poder que desenharam os discursos e as práticas voltadas à institucionalização e educação da infância anormal em Sergipe no período de 1940 a 1979.

Representações, práticas, apropriações, discursos e as relações de poder produzidas foram traçados e marcaram as diferentes instituições e dispositivos. Entre as décadas de 1940 a 1970 os dispositivos criados no estado sergipano para o governo da infância anormal, destacados nesta tese, foram o Serviço de Assistência aos Psicopatas de Sergipe (S.A.P.S.) institucionalizando suas práticas nos hospitais psiquiátricos (Hospital Colônia Eronides de Carvalho, Hospital e Clínica Adauto Botelho e Hospital Garcia Moreno), a Escola de Excepcionais Bertilde de Carvalho no Centro de Reabilitação Ninota Garcia, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Aracaju (APAE) e as classes especiais de ensino em algumas escolas primárias de Sergipe.

Em todas essas formas de institucionalização de práticas voltadas aos anormais, discursos foram construídos e apropriados de outros países, principalmente da França e dos Estados Unidos, discursos que, pautados por um saber poder, individualizaram, examinaram e classificaram as crianças e adolescentes sergipanos produzindo seus anormais institucionalizados.

A educabilidade dos anormais, tendo seu início com Itard, na França em 1800, teve outros defensores como Séguin, Bourneville, Montessori, Decroly, sendo que os saberes