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Segundo historiadores9, no período do Brasil Colônia, com o modelo de família patriarcal dos primeiros séculos, constata-se que, sobre a condição da mulher, pouco se escreveu e não se impunham as condições necessárias à sua instrução.

Ao escreverem e registrarem a História sempre o fizeram através das ações masculinas, porque essa história deveria ser lida apenas pelos homens. A mulher, como todos os vencidos, não faz parte do grupo privilegiado, e portanto há um silêncio sobre a sua participação na história brasileira (RIBEIRO, 1997, p. 9).

A tradição ibérica, trazida de Portugal para a colônia, considerava as mulheres seres ignorantes e inferiores. Os portugueses tinham essa mentalidade influenciada pelos mouros10, que durante oito séculos permaneceram em Portugal e infiltraram pouco a pouco traços de sua cultura, sua moral e costumes.

A influência de Portugal tal qual era, resguardando esposas e filhos, com zelo excessivo, e mesmo muitas vezes com severidade e ciúme, e que, transportada para a colônia, adaptando-se às condições do meio, sem contudo perder nada do seu rigorismo, melhor condiciona a mulher brasileira. Aliás, essa mentalidade constituía uma tradição generalizada na Europa, certamente mais acentuada na península Ibérica (RODRIGUES, 1962, p.32).

Dos mouros eles também herdaram a reclusão feminina. A mulher branca de elite limitava-se da casa à Igreja. O homem decidia as ações. As mulheres, tratadas geralmente com superioridade, pelo marido, viviam enclausuradas na casa grande.

Nessa época, tanto as mulheres portuguesas quanto as brasileiras casavam- se com 12 ou 13 anos. Tinham suas vidas controladas pelos valores morais da época a qual pertenciam. Aos 20 anos, se não casavam, eram consideradas solteironas. Muitas, porém, optaram por preservar sua virgindade, não se importando em sofrer humilhações.

9 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Visão do paraíso. São Paulo: Nacional, 1997; FREYRE, Gilberto. Casa

Grande & Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980; SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, [s.d.].

10 No século VIII (a partir de 711) os mouros conquistaram grande parte da península ibérica, incluindo o atual

território português. O filho de Henrique de Borgonha, Afonso Henriques, derrotou os mouros em 1139. Assumiu o título de rei Afonso I. ENCICLOPÉDIA, op.cit., v.19, p.4728.

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Diante deste estado de desconfiança e opressão a mulher se libertou freqüentemente optando pela virgindade, escolhendo a vida de beata ou recolhida: foram elas que tiveram a influência decisiva na formação do catolicismo dos pobres no Brasil. A opção pela virgindade – como em outras épocas da História da Igreja – significou no Brasil português, machista e dominador, uma recusa de gerar e criar filhos para o outro. (HOORNAERT, 1979, apud RIBEIRO, 1997, p.63)

É interessante frisar aqui que, além do casamento, a única possibilidade das mulheres obterem uma posição relevante na vida colonial era nos conventos. Ali elas11 adquiriam um espaço para atuar e os conventos eram o verdadeiro reflexo da sociedade colonial.

Vemos, neste período, que a educação formal não era o elemento principal, era apenas um instrumento necessário para a leitura de livros muitas vezes escritos em latim. Desse modo, aprendia-se a ler como forma de repetir o que estava escrito e não a ponto de compreender: “O ensino concentrava-se nas mãos dos jesuítas e sendo assim a possibilidade de aprendizagem por parte das freiras, provavelmente decorria dos padres que as ensinavam.” (RIBEIRO,1997, p.101)

Em 1759, o Marquês de Pombal inicia a reforma educacional, expulsando de Portugal e de seus domínios a Companhia de Jesus porque ela detinha um poder econômico que deveria ser devolvido ao governo, além do fato de educar o cristão a serviço da ordem religiosa e não do interesse do país. Essa reforma possibilitaria romper com o monopólio dos jesuítas. No entanto, no que tange à educação feminina, não houve alterações.

A educação no Brasil, de uma maneira geral, continuou a mesma até 1808. Com a vinda de D. João VI, houve uma mudança: “Cerca de vinte mil europeus, vindos de Portugal com o rei, se estabelecendo na cidade (Rio de Janeiro) daí resultando naturalmente que os costumes do Brasil se modificarem pelos da Europa.” (MAXIMILIANO, 1940, p.31 apud RIBEIRO, 1997, p.125).

11 Nas duas últimas décadas assistimos ao avanço das discussões de Gênero. Entre eles destacam-se: PERROT,

Michelle& DUBY, Georges. História das Mulheres no Ocidente. Tradução.portuguesa com revisão científica de Maria Helena da Cruz Coelho et al. De acordo com Scott, “gênero é a organização social da diferença sexual. Não sobre as questões corporais, mas sobre o saber que estabelece significados para as diferenças corporais” Scott, Joan. Prefácio à Gender and Politics of History. In:Cadernos Pagú, Campinas, p. 10-23, 1994.

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Em 1809, com o começo da urbanização, a penetração do capitalismo, abertura dos portos para o mercado mundial, a redefinição de uma cultura burguesa moderna, a educação feminina exige uma atenção especial. Dessa feita, a oligarquia percebeu que já não era mais possível manter suas filhas no mesmo grau de ignorância que viviam até então.

Tornava-se necessário que as mulheres aprendessem a ler, escrever, conversar e tivessem mais informações do mundo além dos muros e das paredes da paróquia.

Porém, essas mudanças não refletem de imediato na educação da mulher, que pouco se modificou: “[...] Esta, em 1815 se restringia, como antigamente, a recitar preces de cor e a calcular de memória sem saber escrever ou fazer as operações (DEBRET, 1975, apud RIBEIRO, 1997, p.125).

Não havia, ainda, uma educação profissionalizante, mas uma educação voltada para a socialização das mulheres: “Após quatrocentos anos de vivência nos quadros rígidos do tradicionalismo patriarcal, em que a tônica fora a ignorância e a submissão das mulheres, a oligarquia se assustava com o mundo moderno, que exigia a educação feminina” (MANOEL, 1996, p. 30).

A questão para a oligarquia era como educar as mulheres conforme as exigências do mundo moderno. Por outro lado, esta questão significava também uma extensão de direitos civis para todos, inclusive para as mulheres.

O conhecimento que lhes é dado serve para introjetar preconceitos de inferioridade, submissão e de subserviência, de modo que o seu adestramento vem servindo para produzir um conhecimento diferente daquele conquistado pelo sexo masculino. Um conhecimento que consiste em “vencer a dificuldade de obedecer e praticar um modesto silêncio”. É esse tipo de entendimento que vem perpassando a literatura, ao longo dos tempos, assim como as práticas antigas e modernas (PASSOS, 1995, p. 30).

Nesse sentido:

Culturalmente, é essa a relação que tem sido ensinada aos sexos opostos; a mulher presa à preservação da espécie, ligada às amarras da maternidade, num fazer considerado repetitivo e sem criatividade; o homem livre para criar instrumentos poderosos, preparar o futuro e forjar a sua identidade (PASSOS, 1995, p.30).

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Nota-se que a necessidade da educação feminina revelou a face contraditória da oligarquia paulista. Esta desejava o moderno, mas temia a modernidade.

A ambigüidade entre o conservador e o moderno dessa classe social vai se revelar de uma maneira mais nítida na sua atitude nas questões educacionais.

Vemos então que, historicamente, as mulheres tiveram mais dificuldade de acesso à escolaridade. Segundo Louro (1997, p. 447), a idéia de escolarização das mulheres aparece na primeira Lei de Instrução Pública em 1827, associada à função educadora dos filhos:

As mulheres carecem mais de instrução, porquanto são elas que dão a primeira educação aos seus filhos. São elas que fazem os homens bons ou maus; são as origens das grandes desordens, como dos grandes bens; os homens moldam a sua conduta aos sentimentos delas.12

A legislação se preocupava em formar cidadãos de caráter, de acordo com os princípios adotados pela nação e essa formação se iniciava em casa, no lar, com a vida doméstica. Vemos, então, uma visão utilitarista da educação feminina, em que a profissionalização e a carreira não estavam no primeiro plano, mas sim uma adequação das exigências dos novos tempos, futuras mães e donas de casa treinadas para exercerem suas funções “naturais e morais”.

A mulher educada dentro das aspirações masculinas seria uma companhia mais agradável para o homem que transitava regularmente no espaço urbano, diferentemente do período colonial com seu recolhimento e distanciamento do espaço da sociabilidade(ALMEIDA, 1998, p.19).

A mãe, portanto, dentro dessa mentalidade, principal interesse dos homens e da pátria, deveria ser pura e assexuada e nela estariam presentes os mais caros valores morais, éticos e patrióticos.

12 Lei de instrução pública, 1827, apud LOURO, Guacira Lopes.L. Mulheres na sala de aula. In: DEL PRIORE,

Mary (Org.);BASSANEZI, Carla (Coord. de textos). História das mulheres no Brasil . São Paulo: Contexto, 1997, p. 443-481.

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Conforme Rosado Nunes (1996, p.75), “Ao sublinhar, porém, o papel da população feminina na formação do catolicismo no Brasil, o autor (Hoornaert) deixa claro que não se trata de toda e qualquer mulher, mas da mãe. A mãe foi sempre a melhor catequista do Brasil.”

No século XIX e início do século XX, o Brasil teve em todas as esferas sociais grandes transformações: em 1808, tornou-se centro do império português, em 1822 obteve a independência e, em 1889, tornou-se república. No nível sócio-econômico a escravidão deu lugar ao trabalho livre.

Com o aumento da industrialização (meados do século XIX) o processo da urbanização se estabeleceu. Essas mudanças afetaram a vida das mulheres; tornaram-se operárias (primeiras décadas do século XX), tiveram o direito à instrução formal (aparece na Lei de Instrução Pública em 1827), participaram da luta abolicionista (por volta da década de 1870), alcançaram o direito do voto (1932), iniciaram o movimento feminista (década de 1960), visando a sua emancipação, e desenvolveram importante imprensa feminina (segunda metade do século XIX)13.

Observamos, então, que essas novas atitudes causaram profundas mudanças na estrutura familiar e também nas instituições responsáveis pelo desenvolvimento social, em especial a educação e aos cuidados com a saúde.

Diante desse quadro, o objetivo da educação da jovem continuava sendo o de educar e formar a boa dona de casa e a mãe de família exemplar.

De acordo com Hilsdorf, na década de 1870, Rangel Pestana, advogado, jornalista, político e educador,

13 A imprensa feminina fortaleceu-se durante as contestações à Monarquia e a partir da proclamação da

República. ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e educação: a paixão do possível. São Paulo: UNESP, 1998, p.136 (Prismas).

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dedicou especial atenção à questão da educação feminina, considerada necessidade imperativa para o projeto de modernização da sociedade brasileira, do qual as mulheres participariam desempenhando a função tradicional de esposa e mães de bons cidadãos, mas com formação científica e moral atualizada. Apoiou as iniciativas que apareceram nesse sentido e fundou, ele próprio, em São Paulo, o Colégio Pestana, de meninas (1876), que oferecia um programa de estudos de nível elementar e secundário de inspiração leiga e positivista, com cursos regulares e seriados de línguas antigas e modernas, artes ciências humanas, naturais e exatas, filosofia, danças, e bordados, que um correligionário avaliou como “os caminhos da cultura para a mulher atingir os pólos da existência – o amor e o lar”. (HILSDORF, 2003, p.64, grifo da autora).

Nessa época a Igreja estava preocupada com seu fortalecimento institucional, social e político e, para isso, tentava investir no poder do clero. Os fiéis, homens e mulheres, deveriam ser mantidos sob o controle eclesiástico.

O poder das irmandades leigas dos tempos coloniais deveria passar ao corpo clerical. Desse modo, a necessidade de fiéis obedientes ao clero e seguidores das normas clericais conduziu a igreja a direcionar sua ação, em particular, às mulheres. Conforme informa Rosado Nunes (1996, p.89), “A clerização da Igreja significou também sua feminização.”

Vale salientar que a incorporação das mulheres, “a feminização do catolicismo no Brasil, longe de significar um investimento das mulheres no exercício do poder sagrado, representa, de fato, a reafirmação de seu estatuto subordinado” (Rosado Nunes, 1996, p.89). Isto é, as mulheres continuam sendo reconhecidas em suas qualidades tradicionais como mãe e dona de casa. Cria-se então medidas direcionadas às mulheres; a maioria das cerimônias litúrgicas estava nas mãos das mulheres, as associações femininas de piedade, sob controle direto da hierarquia. Acentuou-se, na prática religiosa, o caráter intimista e devocional e a necessidade de “salvação individual” (ROSADO NUNES.1996, p.89).

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Isso significa que essa presença feminina tratava-se em sua maior parte de mulheres brancas das camadas altas e médias. As negras e brancas pobres estavam trabalhando nas indústrias, nas fábricas, nos trabalhos domiciliares e nas ruas. Mesmo assim, as mulheres se tornarão o público mais numeroso dos ofícios e das rezas.

Para fortalecer ainda mais a presença da mulher, a Igreja investiu na educação feminina. Vemos então que um dos principais objetivos da reforma católica foi a promoção da influência eclesial através do sistema educacional. Vale salientar também que o trabalho educacional da Igreja foi fundamental para a população feminina. Muitas mulheres e muitos homens vieram para o Brasil realizar a missão da Igreja Católica.

Sendo assim, um grande número de congregações estrangeiras veio instalar- se no país, para implementar colégios, hospitais e obras assistências católicas.

Embora neste período houvesse muitas mudanças na sociedade brasileira e na representação social da mulher, a igreja católica, manteve-se dentro de uma estrutura conservadora.

A “mulher piedosa” é valorizada enquanto peça importante na dinâmica da reforma institucional. Seu papel doméstico, seu reconhecimento social como mãe e como “dona-de-casa” foram reforçados pela educação recebida nas escolas religiosas e pelos discursos e práticas desenvolvidos nas associações femininas (ROSADO NUNES, 1996, p.91).

É interessante a autora acrescentar que:

o simbolismo de que é portadora a figura de Maria — virgem e mãe — é pesado de efeitos para a população feminina. Ele concentra uma ambigüidade extrema pela valorização da virgindade, da maternidade e do casamento ao mesmo tempo (...) o controle da sexualidade feminina, a normatização dos comportamentos sexuais que a Igreja visa (...) O acesso feminino aos cursos superiores, por exemplo, só é aceito pela Igreja sob pressão das idéias liberais e com muito atraso (ROSADO NUNES, 1996, p.91).

As novas práticas eclesiais que surgiam para a população feminina tinham certos resultados positivos, embora revelassem a ambigüidade de que eram portadores o discurso e a prática eclesiais. De um lado, a Igreja reforçava a exclusão social das mulheres e,

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por outro, a ação eclesial junto às mulheres não se preocupa somente em controlá-las, mas lhes propiciar certos ganhos, tendo em vista que a escola religiosa, por muito tempo, foi a única forma de educação para jovens das camadas médias e altas da sociedade brasileira. Sua expansão assegurou o nível cultural de uma grande parte da população feminina. A educação formal, portanto, auxiliou-as na sua emancipação social (ROSADO NUNES, 1996).

A Igreja é, a um só tempo, santa e pecadora. Es ta afirmação teológica foi por ela experimentada dolorosamente, em muitos momentos de sua vida e atuação. Também no campo da educação, reavaliando o papel histórico por ela exercido, a Igreja reconhece a existência de limitações (Documentos da CNBB, 1992, p.26).