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4 COTIDIANO DO COLÉGIO MADRE CLÉLIA

4.11 O uniforme

O vestuário deveria estar sempre em ordem: “Havia muita exigência com o uso do uniforme. A saia era toda pregueada. Sem alças para normalistas, com alças largas para alunas do curso ginasial e primário. Nas festividades usava-se camisa de mangas longas e luvas.” (Mônica).

Tal padrão de uniformidade exigida tinha como objetivo fazer com que as alunas se assemelhassem ao máximo. Internamente não se permitia, pelo menos na aparência física, que houvesse distinção entre elas. Por outro lado, na esfera pública, o uniforme marcava a representação social quando evidenciava sua posição de instituição educacional de elite. Pelo uniforme escolar elas representavam externamente o Colégio. Ele tinha que ser único, no tecido, no comprimento, na cor, nos acessórios e impecável, pois todo ele refletia o espírito do colégio. (Figura 14)

FIGURA 14 - Alunas do curso primário com uniforme do dia-a-dia.

Saia abaixo do joelho. Era necessário ajoelhar para ver se a saia ficasse rente ao chão senão a irmã (em especial a Irmã Maria José) desfazia a bainha. As que gostavam de mostrar um pouco mais as pernas tinham que enrolar a saia na cintura, assim que deixa vam os muros do colégio... (Liliam)

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Sendo assim, havia muita preocupação por parte das irmãs com o uniforme, já que ele identificava o Colégio Madre Clélia, considerado uma escola de valores.

Como teoriza o lingüista italiano Umberto Eco (apud MONTEIRO, 1998), “o vestuário é comunicação”, e é por meio dele que os jovens expressam sua personalidade.

Havia ainda o uniforme de gala, usado nas festas, composto de meia lisa, camisa de manga comprida, luvas, saia pregueada, com alças largas, gravata, boina e sapato colegia: “O uniforme tinha o comprimento exato. Não se podia usar saia um pouquinho mais curta. As meias brancas tinham que ser lisas. O sapato colegial com vinco em cima. Era bastante rígido.”(Elisa) (Figura 15)

FIGURA 15 - Foto oficial da 9ª turma de formandas ginasianas (8ª série do Ensino Fun- damental), usando o uniforme de gala. ( 1963)

Com o tempo, as mudanças ocorreram, em especial no uniforme do dia-a- dia. A camisa passou a ter mangas curtas, sem a gravata, e a saia passou a não ter as alças largas; as meias, brancas por muitos anos, passaram a ser pretas. As alunas também mudaram

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seu comportamento. Procuravam criar atitudes de resistência às regras: “Um dia, eu e minha turma fizemos um boicote, colocamos meias pretas em protesto contra as meias brancas. Claro que as irmãs não gostaram. Nesse dia levamos até máquina fotográfica para registrar a ousadia.” (Amélia)

O uniforme esportivo causava constrangimento às alunas quando o colégio participava de campeonatos, porque se mostrava inadequado e desconfortável. Elas eram proibidas de usar bermudas como as demais equipes. A saia, confeccionada em brim pesado, dificultava a movimentação na quadra, enquanto as demais equipes, que usavam bermudas, tinham mais mobilidade. Isso prejudicava o desempenho nos jogos, mas não impedia que as alunas fossem vencedoras. (Figura 16).

A ex-aluna Dulce relata:

Nós éramos a única equipe que participava dos campeonatos estaduais sempre de saia. Quando a gente chegava em São Paulo, fomos várias vezes, 3 ou 4 anos, ‘lá vem aquela equipe de saia’. Era comprida, depois foi ficando mais curta, depois pregueada, saia-calça, short por baixo de uma sainha aberta. Mas foi uma época muito boa. Eu joguei até 1969.

FIGURA 16 - Equipe de voleibol do Colégio Madre Clélia (década de 60)

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Tínhamos problemas com o uniforme de esporte, jogávamos voleibol. A equipe era muito boa, tínhamos que jogar com saia branca de brim pesado. Depois inventaram uma camisa listrada de tecido grosso. A gente ficava com vergonha, porque, quando íamos ao campeonato, as outras equipes iam com short. Esse tabu demorou muito para ser derrubado.

Como já observamos, um dos aspectos interessantes do ensino confessional é a preocupação com a disciplina e a formação moral, bastante vivas em sua concepção de educação. Essa postura disciplinadora era recomendada aos mestres, que não permitiam às alunas que conversassem nos corredores e nem durante as aulas. Ao que tudo indica, as regras eram cumpridas e plenamente alcançadas, como afirma a ex-professora Maria Helena: “Não havia problemas de disciplina, os regulamentos da escola eram cumpridos quanto à pontualidade, horário, uniforme, freqüência, atendimento a prazos etc.”

4.12 Recreio

Como se preocupava em desenvolver o ser humano em sua totalidade, corpo e alma, o colégio prestigiava os esportes, as recreações e os exercícios físicos em geral. Existia o recreio das 10 horas da turma da manhã e o das 15horas da turma da tarde.

FIGURA 17 - Grupo de alunas internas em momento de descontração. [1962?]

No recreio a gente saía. As menores iam brincar de queima, pega-pega, lenço-atrás, pingue-pongue, depois que tivessem lanchado. As maiores ficavam nos grupinhos fofocando, passando notícias em dia, porque em sala de aula não tinha a menor chance. Era só no recreio. O recreio parecia que não era tão curto como o de hoje. Acho que era de meia hora. Tinha cantina que vendia refrigerante, sorvete, doces. (Luciana) (Figura 17).

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Os recreios mais prolongados eram os das internas, que ocorriam logo depois do almoço e após o jantar: “Depois do jantar ficávamos lá em baixo. Aí era a hora que tínhamos. As meninas tinham paquerinhas e as irmãs não conseguiam saber quem era. Não tinha delator. Havia um ditado entre nós: ‘O bom malandro não chia, dá o troco.’ (Miriam)

Esse é o tipo de lealdade que se desenvolve entre os indivíduos que vivem em situação de internamento. A fim de fazer frente à normatização existentes na instituição, eles desenvolvem um tipo de cultura baseada em códigos, em acordos, e em cumplicidades que servem para protegê-los. Por outro lado, apesar de existirem “dedos duros” a tendência dos internos é a de respeito aos códigos criados, por medo de tornarem-se malvistos. Desse modo, os recreios eram aqueles momentos de fazer alguma transgressão e o momento das brincadeiras, de gastarem suas energias represadas (GOFFMAN,1990, apud PASSOS, 1995, p. 221).

Os exercícios físicos eram bastante estimulados para as internas. Além de ser boa para a saúde do corpo, a recreação alegrava a vida do internato e, de certa maneira, fazia com que as alunas gastassem mais energias, não as utilizando como desejava a filosofia educacional das religiosas, em “maus pensamentos e transgressões”.

4.13 Grêmio estudantil

Com relação ao grêmio estudantil e atividades extraclasse, Antonia, ex- aluna, assim se recorda: “Acho que o Grêmio foi um dos pontos mais significativos da aprendizagem. Além de reforçar ao aluno que estudar faz com que ele se sobressaia, ajuda também na sua auto-estima e na sua interação e participação com o grupo.” Sobre o mesmo fato, a ex-aluna Suzana relata: “Invariavelmente tínhamos compromissos com atividades extraclasse, oportunidade em que nossa espontaneidade se manifestava com maior ênfase.”

A diretoria do grêmio era escolhida por meio de eleições anuais. O departamento cultural do grêmio promovia apresentações todos os meses com a participação das classes. Nesses momentos, as alunas tinham oportunidade de demonstrar suas habilidades artísticas, através do teatro, da declamação, do canto e do solo instrumental. As apresentações

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dos esquetes despertavam a curiosidade, como lembra a ex-discente Claúdia: “Eu participava do grêmio, havia teatrinhos curtos, satirizando professores e alunos ou qualquer coisa que estivesse em voga na época (anos 60). Eram momentos de muita descontração.”

4.14 Festa junina

A festa junina (Figura 18) era famosa pela organização, apresentação de quadrilhas e participação da comunidade. Era uma festividade em que as alunas, as religiosas e os professores se sentiam mais próximos. O rigor e a disciplina eram afrouxados; como afirma Passos:

FIGURA 18 - Festa Junina - As meninas usavam roupas masculinas para caracterizar o casal. (1965)

As festas e as cerimônias institucionais, em geral, representam um momento de liberalidade e de solidariedade, onde o mundo dos dirigentes e dos dirigidos se aproximam e até se interpenetram. Eles podem comer juntos, conversarem mais natural, realizarem tarefas em comum (GOFFMAN,1990, apud. PASSOS, 1995 p. 224).

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