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Educação Integral: algumas concepções.

2 EDUCAÇÃO INTEGRAL: HISTÓRICO, CONCEPÇÕES E PROPOSTAS.

2.2 Educação Integral: algumas concepções.

Nesta seção pretende-se percorrer os caminhos nos quais a Educação Integral fez-se presente na história da educação brasileira e a importância das concepções que a fundamentaram .

Na primeira metade do século XX, no Brasil, encontram-se várias investidas a favor da Educação Integral, tanto no pensamento quanto nas ações de cunho educativo de católicos, de anarquistas, de integralistas e de educadores como Anísio Teixeira, que tanto defendiam quanto procuravam implantar em instituições escolares em que essa concepção fosse possível. Porém, cabe ressaltar que eram propostas e experiências advindas de matrizes ideológicas bastante diversas e, por vezes, até contraditórias (BRASIL, 2009a).

Como forma de compreender o tema Educação Integral, abordar-se-ão neste momento, de forma sintética, a natureza e a concepção da Educação Integral conforme a proposta do PME, que, de acordo com os documentos analisados, declara a intenção de valorizar experiências históricas como inspiração para a Educação Integral na atualidade. Busca-se então, embasamento teórico em leituras de autores que se de dedicam ao tema Educação Integral.

Pinheiro (2009, p.26) mostra que ―o conceito de educação integral foi abordado por diferentes ideologias do pensamento educacional e manifestou-se sob múltiplos viéses‖.

A compreensão da maneira pela qual a concepção de educação integral se desenvolve no Brasil passa obrigatoriamente pelo estudo do pensamento educacional das décadas de 20 e 30 do séc. XX. A educação integral significando uma educação escolar ampliada em suas tarefas sociais e culturais, esteve presente nas propostas das diferentes corrente políticas que foram se delineando naquele período (PINHEIRO, 2009, p.26).

Parte-se da ideia de Educação Integral a partir de teóricos conhecidos como anarquistas. Segundo Gallo (apud Pinheiro, 2009, p.30), anarquismo, no sentido original do termo, é a negação da autoridade instituída. ―O movimento socialista, difundido no Brasil no início do séc. XX, teve como uma de suas correntes e ideias, o Anarquismo‖ (PINHEIRO, 2009, p.29). A disseminação dessas propostas político- ideológicas desenvolveram-se na Europa a partir da Revolução Francesa em oposição à sociedade burguesa, quando os trabalhadores passaram a lutar a fim de conseguir do Estado uma educação que propiciasse melhores condições educacionais.

Assim os partidos políticos, em especial aqueles considerados de esquerda da época, sempre traziam em seus programas propostas para a educação burguesa, além de existir uma gama de sugestões para a realização de uma educação renovadora e até mesmo revolucionaria, surgindo a denominação anarquista (LUCAS, 2008, p.138).

O objetivo maior da educação anarquista, também chamada de educação libertária ou pedagogia libertária, é a liberdade, pois veem na liberdade o princípio básico da vivência social, é ―formar indivíduos livres, conscientes, capazes de uma vida solidária em sociedade" (GALLO, 1995, p.31).

Entende-se que através da Educação Integral o homem tem a possibilidade de uma formação integral, ou seja, um desenvolvimento em sua integralidade, e não

apenas na sua intelectualidade, assim, ele conquista também sua liberdade. A palavra liberdade dá origem às mais diversas interpretações como veremos a seguir: Jean-Jacques Rousseau, filósofo do séc. XVIII, define liberdade como uma característica natural do homem, isto é, todos são livres desde que nascem, mas, embora o estado natural do homem seja livre, a sociedade coloca a liberdade em risco (GALLO, 1995).

De acordo com Gallo (1995, p.21) para Pierre-Joseph Proudhon, filósofo francês do séc.XIX, ―a liberdade é resultado de uma oposição de força, uma força de afirmação, a necessidade, a outra de negação, a espontaneidade‖. Do ponto de vista social, se liberdade e solidariedade se equivalem, o máximo de liberdade seria igual ao máximo de relacionamento com os outros homens, e nesta perspectiva as liberdades não se limitam e sim se complementam, pois a liberdade é comunhão e não oposição ao outro (LUCAS, 2009).

Mikhail Bakunin, anarquista russo do séc.XIX, toma a concepção de Proudhon e a aprofunda. Gallo (1995, p.24) reflete que a concepção materialista de Bakunin mostra que:

[...]a liberdade, embora seja uma das facetas fundamentais do homem, não é um fato natural, mas um produto da cultura, da civilização. Em outras palavras, enquanto o homem produz cultura, ou seja se produz, ele conquista também a liberdade. Deste modo o homem e a liberdade nascem juntos: um é criação do outro , um só existe pelo outro . É um processo de dupla ação quanto mais o homem se ―humaniza‖, mais livre ele fica, e quanto mais livre, mais humano.

Bakunin mostra também que a liberdade, além de ser um produto social, é também um produto coletivo, pois a liberdade dos indivíduos não é um fato individual e sim um produto coletivo. Só se é verdadeiramente livre quando todos os seres humanos são igualmente livres, e que na sociedade capitalista o homem nunca será livre, pois esta baseia-se na exploração, na desigualdade, em manter parte da população em condições sub-humanas, para que a outra parte da população possa realizar-se (GALLO, 1995).

No entanto, mesmo assim, esta parcela dominante não se realiza como homem, porque esta concepção de homem calcada na exploração é antissocial e anti-humana, então se o explorado não é livre, o explorador tampouco será.

O homem vive um processo histórico de auto-construção, de auto- realização, que se completará com a extinção das desigualdades e da

exploração, quando todos os homens tiverem condições de desenvolver livremente todas as suas faculdades (GALLO, 1995, p.27).

Os escritos dos anarquistas sobre educação bifurcam-se em duas vertentes: de um lado critica o sistema de ensino capitalista, presente, por exemplo, em todos os teóricos do anarquismo, como Proudhon, Bakunin, Kropotkin ou Malatesta e, de outro, existe uma discussão sobre as novas bases e objetivos libertários para a educação, ganhando métodos e práticas através da ação de alguns educadores libertários como exemplo de Paul Rodin, Sebástien Faure com suas experiências pedagógicas (GALLO, 1995).

A seguir aponta-se o pensamento educacional libertário através dos escritos de Proudhon, Bakunin e Rodin, teóricos que fundamentaram com propriedade a concepção aqui apresentada.

Segundo Gallo (1995), para Proudhon, a educação tem como função produzir o homem como uma representação das relações sociais, sendo a função mais importante da sociedade, pois é uma das condições básicas de sua manutenção e da perpetuação de sua existência.

Com essa visão de sociedade e de educação, Proudhon inicia uma análise crítica da educação fornecida pela sociedade capitalista, sendo óbvio que essa sociedade hierarquizada preconizará uma educação igualmente hierarquizada (GALLO, 1995, p.47).

A classe dominante precisará receber, por intermédio da educação, os meios e os conhecimentos necessários para dominar todo o processo de produção, circulação e consumo, podendo manter-se em posição de proprietária e gerente dos meios de produção. As classes operárias, por outro lado, devem receber apenas a instrução necessária para a realização das tarefas a que estão destinadas.

Michail Bakunin procura mostrar que a educação apesar de ter suma importância no processo da revolução social, e ser considerada como um ponto central e fundamental, não é o único. De acordo com Gallo (1995, p.74), Proudhon acredita que o saber deve ser igualmente distribuído, ―a escola deve educar integralmente o homem e educar para a liberdade‖, ou seja, uma Educação Integral que forme indivíduos completos, inteiros, senhores de suas habilidades físicas, intelectuais e sociais.

[...] para que uma pessoa possa construir e assumir sua liberdade, é necessário que ela se conheça, e se conheça por inteiro: se descubra como um corpo, como uma consciência, como um ser social, todas estas características plenamente integradas e articuladas. É por isso, volto a dizer, que uma educação para a liberdade, na perspectiva anarquista, deve ser também uma educação integral , através da qual o homem se conheça e se perceba em todas as suas facetas e características (GALLO, 1995, p.79).

Como descrito por Pinheiro (2009), os filósofos Proudhon e Bakunin teorizaram sobre a educação libertária enfocando os aspectos de liberdade, emancipação e de Educação Integral, mas foi nos escritos de Paul Rodin, anarquista e pedagogo de formação, e conhecedor a fundo da educação e suas teorias ,que a teoria anarquista de Educação Integral foi aprofundada.

Em 1880 Paul Rodin foi nomeado diretor do Orfanato Prévost, em Cempuis, na França, experiência essa que foi fundamental para a construção da concepção de Educação Integral, podendo os conceitos serem efetivados na prática e com ela levando a novos conceitos. Segundo Galllo (1995, p.94), ―uma primeira conclusão de Paul Rodin sobre a Educação IntegraI é que ela deve cuidar do homem em dois aspectos: enquanto ser individual e enquanto ser social‖.

Para Lucas (2008), a Educação Integral no ponto de vista de Paul Rodin está atrelada a três vínculos básicos: a Educação Física, a Educação Intelectual e a Educação Moral.

A Educação Física se basearia em três aspectos: uma educação recreativa e esportiva que objetivava o desenvolvimento do corpo e seus limites, socialização e exercícios corporais; a educação manual desenvolveria o refinamento de habilidades sensório-motoras; e a educação profissional estaria calcada em uma educação para o trabalho, no qual o individuo passaria por todas as etapas de produção (LUCAS, 2008).

A Educação Intelectual garantiria a todos o acesso ao patrimônio cultural humano, que é coletivo, produzido socialmente. Em termos metodológicos, a Educação Intelectual deve privilegiar a construção pessoal do conhecimento. Era defendido pelos anarquistas um processo educativo que partisse da inquietação natural das crianças e encorajasse cada vez mais essa inquietação e a curiosidade (LUCAS, 2008).

A Educação Moral pautava-se em um ensino que desenvolvesse através da solidariedade e da liberdade, como forma de organizar uma nova prática social, sendo assim o ensino estaria baseado nos princípios de liberdade, solidariedade e

igualdade. A perspectiva anarquista de educação primava pelo acesso indiscriminado de conhecimento a toda a população, para que todos pudessem ter acesso à produção cultural da sociedade (LUCAS, 2008).

De acordo com o exposto, concluí-se então, que educação anarquista está pautada na liberdade como princípio básico da vivência social, tendo como objetivo formar indivíduos livres, conscientes. Salienta-se, também, que o homem ao produzir cultura, conquista também a liberdade. Portanto, se o homem tem a oportunidade de uma educação na sua integralidade, traz consigo uma cultura que propiciará sua liberdade.

Com a intenção de atualizar os fundamentos da Educação Integral, analisa- se, a seguir, a concepção de Educação Integral que no Brasil foi teorizada e praticada pelo educador Anísio Teixeira.