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CAPÍTULO II MODALIDADES DA EDUCAÇÃO

2.3. Educação Não-Formal

A crise mundial da educação fomentou uma série de discussões sobre as questões acerca da importância da educação, de suas modalidades e das possíveis perspectivas para a superação das deficiências encontradas nos sistemas educacionais e na própria concepção do conceito de educação.

Após as pesquisas realizadas pelo International Institute for Educational Planning e, principalmente, após a publicação do relatório divulgado pela UNESCO: Educação - um tesouro a descobrir (1998) que sintetiza as tendências da educação para as próximas décadas, a obscuridade causada pela crise, começa a dar lugar à possibilidade de se vislumbrar um novo modelo de educação.

Sendo assim, a educação não-formal passa a ser amplamente discutida e começa a ser considerada como elemento significativo dentro da nova proposta de educação que acena definitivamente, para além dos muros das instituições escolares.

O termo educação não-formal foi utilizado pela primeira vez por Coombs, no final da década de 1960, para designar uma nova maneira de compreender o papel da escola, em um momento histórico, onde diferentes setores da sociedade buscavam respostas para o aprimoramento da educação formal, Garcia (2009).

No Brasil, o termo educação não-formal passou a ser difundido e popularizado a partir dos anos 2000. Diversas ONGs, instituições, empresas privadas e entidades

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elaboraram e executaram trabalhos na área social, adotando a terminologia educação- não formal (Op. cit.).

A definição do conceito de educação não-formal, de acordo com Gohn (2014), constitui o primeiro obstáculo ao se abordar esta modalidade de educação. “Um dos grandes desafios da educação não-formal tem sido defini-la, caracterizando-a pelo que ela é. Usualmente ela é definida pela negatividade - pelo que ela não é” (p. 39).

Em sintonia com esta afirmação, Garcia (2003), compreende o campo da educação não-formal, como extenso, genérico e de difícil definição, pois engloba muitas e diferentes ações. Desta forma, segundo esta autora, não é possível defini-lo somente pela via da observação ou pela análise de suas características isoladamente. É necessário considerar esta modalidade amplamente em seus diversos sentidos e significados.

As dificuldades em definir a educação não-formal, bem como, a constatação da estigmatização do termo nos remete à importância que a sociedade atribuiu ao longo da história ao modelo de educação formal. Este modelo de educação centrado na escolarização e cujo objetivo maior era a preparação para o mundo do trabalho, considerava os processos educacionais de caráter não-formal e informal, como de menor valor, Garcia (2009). Essa ideia ao longo dos anos ficou tão arraigada na mentalidade das pessoas e nas concepções educacionais, que apesar das diversas transformações sofridas nos últimos anos, no que se refere ao processo educativo, comumente nos deparamos com indivíduos que compreendem a educação como uma ação unicamente formal, legitimada, validada, certificada pela estrutura social e pelos órgãos competentes. “A educação não-formal é uma área que o senso comum e a mídia usualmente não tratam como educação por não se referir a processos escolarizáveis ou que ocorram dentro de uma escola – representação dominante no senso comum sobre a educação” Gohn (2014, p. 40).

Segundo Garcia (2003), no documento elaborado pelo Program of Studies in Non-formal Education, Michigan State University (1974), já aparece nitidamente a preocupação com a nomenclatura dessa nova especificidade de educação, discutindo exatamente as questões ligadas ao termo e à oposição entre educação formal e não- formal. Para autora, seja ou não o termo “educação não-formal” viável a longo prazo, ele é útil nestes novos tempos para indicar alternativas pedagógicas ao ensino formal e

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aos empreendimentos educacionais institucionalizados. Usar tal termo é uma tentativa significativa, ainda que insuficiente, de distinção dentro das principais forças e expressões educativas de uma sociedade.

Gadotti (2005) buscando elucidar a questão e propondo a não compreensão do conceito de educação não-formal, a partir da oposição à educação formal, afirma: “Não se trata, portanto, de opor a educação formal à educação não formal. Trata-se de conhecer melhor suas potencialidades e harmonizá-las em benefício de todos e, particularmente, das crianças." (Op. cit., p. 3). Neste mesmo sentido, Garcia (2009) aponta como equívoco a utilização de instrumentais e características que são próprios do campo da educação formal para definir, pensar e dizer sobre a educação não-formal, pois esta possui um território e uma maneira própria de se organizar e de se relacionar. Para a autora, a conciliação entre as modalidades de educação constitui um caminho salutar.

A educação não-formal não tem como objetivo específico complementar o que a escola deixa de fazer, por motivos diversos, ou que realiza precariamente (embora algumas vezes isso acabe acontecendo indiretamente), nem tão pouco se opõe a ela, apenas se caracteriza por ser uma maneira diferente de trabalhar com a educação, entendendo-a num sentido muito mais amplo e podendo coexistir com a escola porque esta cumpre um outro papel na sociedade, responsabilizando-se por garantir a transmissão dos conteúdos socialmente acumulados, sistematizando-os. A educação formal e não-formal podem acontecer, e em geral acontecem, de maneira concomitante (Op. cit., p. 36).

Indubitavelmente, a característica mais evidente da educação não-formal relaciona se ao local onde ela acontece. Na educação não-formal, os espaços educativos são múltiplos e possuem grande relevância, pois devem favorecer a interatividade entre os participantes através de novas formas de relações pautadas na aquisição do conhecimento por meio da educação. “As práticas da educação não formal se desenvolvem usualmente extramuros escolares...” Gohn (2006, p. 41). Esta modalidade utiliza os mais variados territórios que por sinal, devem estar alinhados às trajetórias de vida das pessoas e grupos.

Por outro lado, diversos autores apontam a educação não-formal como um forte instrumento para a formação e construção da cidadania acontecendo em diversos locais, com pessoas de diferentes níveis sociais e de escolaridade.

Neste liame, Gohn (2014) compreende o conceito de educação não-formal como um processo sociocultural, político e pedagógico:

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A educação não-formal é aquela que se aprende "no mundo da vida", via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos cotidianas. Nossa concepção de educação não formal articula-se ao campo da educação cidadã – a qual no contexto escolar pressupõe a democratização da gestão e do acesso à escola, assim como a democratização do conhecimento. Na educação não-formal, essa educação volta-se para a formação de cidadãos (as) livres, emancipados, portadores de um leque diversificado de direitos, assim como de deveres para com o(s) outro(s). (Op. cit. p. 40).

Diante disso, poderíamos nos perguntar: a educação para a cidadania não deveria ser uma prioridade também para o ensino formal? É evidente que a resposta é sim. A LDB preconiza a formação cidadã em todos os locais e modalidades de ensino, porém “(...) a educação formal tem atributos próprios e específicos” (Op. cit. p. 41). Quando se alfabetiza, quando se ensina sobre a história, sobre as humanidades e sobre a arte dos cálculos matemáticos também se forma para a cidadania. Porém, a escola burocratizada, seguimentada, com pouca flexibilidade, com currículos rígidos, focada na avaliação, por vezes coloca a dimensão cidadã em segundo plano em seus processos formativos (Op. cit.). Percebemos, então, que educação para a cidadania não é uma especificidade da educação não-formal, mas é importante evidenciar que algumas características, como a formação cidadã, possuem maior chance e melhores condições para se desenvolver e produzir resultados nesse campo.

De acordo com Garcia (2003), a expressão educação não-formal nasce relacionada ao campo educacional, porém juntamente a este movimento pedagógico, diferentes setores da sociedade, como: o serviço social, a área da saúde, cultura, família, se viam impossibilitados de responder às novas demandas educacionais e transformações sociais. Desta forma, a educação não-formal se difundiu e passou a ser utilizada por diversas áreas. Um exemplo disso, são os adjetivos que vêm sendo colocados junto à palavra educação e ao contexto educacional, como: educação para a saúde, para o trânsito, ambiental, social, sexual, cidadã dentre tantos outros.

Gadotti (2005) problematiza a tradicional relação feita entre educação não- formal e educação de cunho popular, social e comunitária. Para ele, toda educação deve ser social, pois junto ao conceito de educação se subentende a noção, desta, ser inclusiva e oferecer propostas compromissadas com temas que são essenciais ao desenvolvimento humano.

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O fato de a educação não-formal no Brasil estar tradicionalmente associada à educação popular e direcionada a grupos socialmente desfavorecidos, serve como alerta para atuação do Estado. Este trabalha insuficientemente, pois não garante uma educação pública e de qualidade, tendo em vista as necessidades sociais brasileiras. Neste contexto, a maior responsabilidade da educação formal fica por conta das instituições privadas, cujos interesses atendem às necessidades do mercado.

O fato de a educação social ter-se desenvolvido mais entre ONGs, OSCs e movimentos sociais e populares demonstra o fracasso do poder público em atender os setores mais empobrecidos. A sociedade civil precisa chegar, e chega mesmo, onde o estado normalmente não chega, sem desobrigar o Estado de sua responsabilidade para com a educação (Op. cit. p. 10).

De acordo com Garcia (2003), as experiências de educação não-formal podem ser direcionadas a diversos grupos. Na Espanha, por exemplo, esta modalidade educativa não se restringe apenas à atuação junto a grupos marginalizados, embora haja muitos programas com essa proposta, em específico, porém, tem atuações nas associações comunitárias, juvenis e principalmente nos espaços escolares em períodos contrários às aulas sob a orientação de animadores sócio-culturais correlacionando os conteúdos trabalhados (na educação formal) à prática de ensino não-formal. Finalmente, a autora aborda o papel da educação não-formal no favorecimento de negócios, uma vez que muitas ações na área de lazer, turismo, arte, museologia vêm sendo pensadas em conjunto com práticas da educação não-formal.