• Nenhum resultado encontrado

A sociedade em constante transformação requer da educação um redimensionamento, no sentido de atender às demandas que se lhe impõem. O atual cenário regional e global exige de profissionais da educação conhecimentos mais complexos e posturas mais coerentes diante de ameaças à consolidação da cidadania, ou seja, à conquista efetiva de participação de todos e todas dos direitos e deveres sociais.

Questões que têm reformulado a sociedade e a cultura adentram os espaços acadêmicos e desafiam a organização curricular do ensino tradicional brasileiro. São temas como ética, saúde, trabalho, pluralidade cultural, sexualidade, consumo, meio ambiente, para citar apenas aqueles constitutivos dos referenciais para a educação, elaborados e implementados pelas políticas públicas deste país.

Por tratarem de questões sociais, os Temas Transversais [...] devem ser incorporados nas áreas já existentes e no trabalho educativo da escola [...] têm natureza diferente das áreas convencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma das áreas, isoladamente, seja suficiente para abordá-los. Ao contrário, a problemática dos Temas Transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento (BRASIL, 1997a, p.15 e 36).

Essa prescrição de uma transversalidade do trato das temáticas no conjunto das disciplinas ou na combinação delas pressupõe um currículo que seja, nas palavras de Saul (2010),

[...] a política, a teoria e prática do que-fazer na educação, no espaço escolar, e nas ações que acontecem fora desse espaço, numa perspectiva crítico-transformadora [...] uma nova lógica no processo de construção curricular [...] por meio de uma gestão democrática e participativa [...] uma história escrita pelos professores, em diálogo com a comunidade escolar” (SAUL, 2010, p. 109)

Tal tarefa, entretanto, implica campos de disputa posto que, conforme Lima (1984), a educação tem sido chamada a desempenhar papéis paradoxais, procurando ajustar o indivíduo à sociedade e ao mesmo tempo desejando “instrumentalizá-lo para criticar essa mesma sociedade” (LIMA, 1984 apud GUIMARÃES, 2013, p. 22). Uma educação fundada no modelo neoliberal, “[...] voltada para objetivos essencialmente econômicos [postulando] a substituição do valor competitividade por solidariedade” (GUIMARÃES, 2013, p. 22) é, no mínimo, contraditória.

Os documentos oficiais brasileiros (leis, diretrizes, programas) se apressam, pelo menos teoricamente, em demostrar uma concepção de currículo [...] oriunda de diferentes correntes filosóficas: a Fenomenologia, a Hermenêutica, a Dialética, a Teoria Crítica elaborada pela escola de Frankfurt, a Pedagogia da autonomia de Freire, as abordagens do Multiculturalismo, com Apple e Giroux e os pós-

estruturalistas, representados, sobretudo, por Foucault, Deleuze, Guatari (BARBA, 2011, p. 83).

Na medida em que os referenciais ganharam força de diretrizes curriculares, pouco espaço sobrou para a crítica, a diversificação e a contextualização curricular defendida pelos autores acima mencionados.

Diferentemente das teorias tradicionais em que o currículo é concebido no sentido de formar o indivíduo, nas teorias críticas, ele é organizado para servir ao indivíduo. Nele, a escola não só reproduz, mas também produz conhecimento. Em suas duas dimensões, ou seja, no conteúdo (o que se ensina) e na forma (como se ensina), há possibilidades de emancipação e transformação da realidade por meio de conflitos e resistências. A educação postulada por este trabalho é uma educação “problematizadora, contextualizada e interdisciplinar, tendo em vista a construção de conhecimentos, atitudes, comportamentos e valores [...] na formação de sujeitos críticos e transformadores” (TORRES, FERRARI e MAESTRELLI, 2014, p. 13).

A materialização de uma educação assim caracterizada, certamente seria suficiente para abarcar e tratar as mais diferentes temáticas contemporâneas que têm emergido das complexas relações que se dão entre os seres da espécie humana e entre a humanidade e o seu habitat.

Ainda em Torres, Ferrari e Maestrelli,

[...] a formação de sujeitos escolares em uma perspectiva crítica e transformadora requer o investimento na elaboração e na efetivação de abordagens teórico-metodológicas que propiciem a construção de concepções de mundo que se contraponham às concepções de que o sujeito é neutro; de que a educação consiste em acúmulo e transmissão de informações; de que o conhecimento é transmitido do professor ao aluno numa via de mão única; de que a ciência e seu ensino são balizados por critérios positivistas, entre outras concepções fragmentadas de mundo (TORRES, FERRARI e MAESTRELLI, 2014, p. 15).

Em meio às controvertidas expectativas em relação à formação de estudantes, a educação tenta dar uma resposta às pressões dos mais diversos setores da sociedade, buscando educar cidadãos e cidadãs para a “preservação do meio ambiente”, propondo uma educação ambiental.

Como decorrência desta predicação [ambiental], uma das primeiras coisas que nos vêm à mente é que se existe uma educação que é ambiental, deve existir também uma educação não-ambiental em relação à qual a educação ambiental poderia fazer referência e alcançar legitimidade. Ora, isto é, no mínimo, muito estranho [...] Como podemos ter uma educação não- ambiental se desde o dia do nosso nascimento até o dia de nossa morte vivemos em um ambiente? (GRÜN, 1996, p. 20).

Nesse sentido, lembra a educadora Michele Cousseau9 que, se

conseguíssemos nos aprofundar na concepção e na prática de uma educação abrangente, seria supérfluo adjetivá-la com “ambiental”, “especial”, e outros qualificantes.

Enquanto procuramos compreender o momento histórico em que se dão esses “constrangimentos conceituais” (GRÜN, 1996, p. 20), a educação ambiental tem sido postulada como uma dimensão a ser incorporada à educação, uma ferramenta pedagógica na formação de novas consciências na cidadania planetária. Cidadania esta que, em Reigota (2008c), não é resultado da soma de cidadanias locais ou regionais, mas que se constrói em um processo de sentimento de pertencimento universal, no qual “[...] o ponto de partida são as ideias de liberdade, justiça e solidariedade e a valorização da vida, como arte, bem e com significado existencial e político em qualquer lugar do planeta” (REIGOTA, 2008c, p. 67).

É nessa concepção de educação que este estudo fundamenta suas análises. Uma educação humanizadora, portanto crítica da lógica e dos valores da sociedade moderna e política, enquanto

[...] comprometida com a ampliação da cidadania, da liberdade, da autonomia e da intervenção direta dos cidadãos e das cidadãs na busca de soluções e alternativas que permitam a convivência digna e voltada para o bem comum (REIGOTA, 2014, p. 13).

9 A bio:grafia desta educadora pode ser conhecida em: REIGOTA, M. A.; PRADO, B. H. S. Educação