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2 ESTADO E DEMOCRACIA: EM BUSCA DE SUPORTE TEÓRICO

2.1 EDUCAÇÃO PARA A DEMOCRACIA

Benevides (1996) lembra que John Dewey, ao tecer críticas à democracia existente no início do século, enfatiza que uma sociedade para ser democrática não precisa

simplesmente ter o governo da maioria, mas necessita de ter a possibilidade de desenvolver, em todos os sujeitos, a capacidade de pensar, de participar na construção e implementação das políticas públicas e, ainda, contribuir no processo de avaliação dos seus resultados. Nesta passagem, para a autora (1996, p. 225), “o filósofo americano estava falando, sem dúvida, em educação para a democracia”.

Benevides (1996, p. 225) entende democracia como “regime político fundado na soberania popular e no respeito integral aos direitos humanos”. Com esta concepção agrega a democracia política à democracia social, liberdade e justiça. Faz uma junção das bases da “democracia dos antigos” com a “democracia dos modernos”. Para a autora, a “democracia dos antigos” é entendida como a liberdade para a participação na vida política e a

“democracia dos modernos”, é relacionada às liberdades civis, à igualdade, à solidariedade, à transparência e alternâncias de governos.

A autora (1996) aponta duas dimensões existentes na Educação para a Democracia: 1) a formação para os valores republicanos e democráticos e 2) a formação para tomada de decisões políticas em todas as esferas. Recuperando um pensamento gramsciano, Benevides (1996, p. 226) argumenta “numa sociedade verdadeiramente democrática ninguém nasce governante ou governado, mas pode vir a ser, alternativamente – e mais de uma vez no curso da vida – um ou outro”. Percebe-se desta forma, a latente preocupação que a autora atribui à educação na construção de uma sociedade democrática. Benevides (1996, p. 225) concebe a educação:

Como a formação do ser humano para desenvolver suas potencialidades de conhecimento, de julgamento e de escolha para viver conscientemente em sociedade, o que inclui também a noção de que o processo educacional, em si, contribui tanto para conservar quanto para mudar valores, crenças, mentalidades, costumes e práticas.

A Educação para a Democracia, segundo a autora, requer conhecimentos básicos da vida social e política e uma correspondente formação ética.

A educação para a democracia não se confunde nem com democratização do ensino – que é, com certeza, um pressuposto – nem com educação democrática. Esta última é um meio, necessário, mas não suficiente para se obter aquela. A verdade é que, sem dúvida, uma organização democraticamente constituída pode

desenvolver-se, no plano pedagógico, sem incluir a específica educação para a democracia. (BENEVIDES, 1996, p. 227).

Educação para a Democracia significa numa primeira dimensão, formar o cidadão para viver “os grandes valores republicanos e democráticos” (BENEVIDES, 1996, p. 228). Neste sentido:

A educação como formação e consolidação de tais valores torna o ser humano ao mesmo tempo mais consciente de sua dignidade – assim como mais apto para exercer a sua soberania enquanto cidadão. Trata-se, pois, de uma curiosa inversão política, como se fosse um paradoxo: nas democracias a educação pública pode ser um processo iniciado pelo Estado, mas ela visa a fortalecer o povo perante o Estado, e não o contrário. (BENEVIDES, 1996, p. 228).

Na segunda dimensão, a Educação para a Democracia tem por objetivo formar o cidadão para participar, atuar na vida pública, seja como cidadão “comum” ou como dirigente/governante. Assim, a Educação para a Democracia “consiste na cidadania ativa” (BENEVIDES, 1991), reforça a idéia de que a população além de discutir os problemas existentes em sua sociedade também possa fazer escolhas.

Os mecanismos de participação popular podem e devem ser usados para exprimir a decisão do povo em questões que envolvem os princípios éticos, o controle e a garantia dos direitos fundamentai, assim, como as finalidades de uma determinada política econômica. (BENEVIDES, 1991, p. 85).

Ao discorrer sobre os mecanismos de participação popular, nas tomadas de decisões coletivas, Benevides (1991) enfatiza o caráter educativo da participação. Segundo a autora, as práticas da participação contribuem, significativamente, no processo de formação política do povo e deste ângulo, podem ser entendidas como instrumentos de uma verdadeira escola de cidadania.

A introdução do princípio da participação popular no governo da coisa pública é, sem dúvida, um remédio contra aquela arraigada tradição oligárquica e

patrimonialista, mas, não é menos verdade que os costumes do povo, sua

mentalidade, seus valores, se opõem à igualdade – não apenas a igualdade política, mas a própria igualdade de condições de vida. Os costumes, não há como negar, representam um grave obstáculo à legitimação dos instrumentos de participação popular. Daí sobreleva-se a importância da educação política como condição inarredável para a cidadania ativa – numa sociedade republicana e democrática. (BENEVIDES, 1991, p. 194).

“Não resta dúvida de que a educação – entendida como educação para a cidadania ativa – é o ponto nevrálgico da participação popular. Mas como educar sem praticar? (BENEVIDES, 1991, p 21). À luz desta proposição entende-se que a educação para a cidadania se processa na prática. Aprende-se a participar, participando, aprende-se a tomar decisões, decidindo. A educação, nestes termos, pode então ser vista como constitutiva de uma cidadania ativa e indispensável na formação integral do ser humano. A autora enfatiza que “a educação política através da participação em processos decisórios de interesse público é importante em si, independente do resultado final” (BENEVIDES, 1991, p. 198).

Entende-se que as práticas de participação, de envolvimento entre o Estado (em sentido restrito) e a sociedade civil contribuem significativamente no aprendizado da cidadania, isto é, tais práticas apontam a dimensão educativa da participação, qual seja, a “Cidadania Ativa”.

A cidadania ativa através da participação popular é aqui considerada um princípio democrático, e não um receituário político que pode ser aplicado como medida ou propaganda de um governo, sem continuidade institucional. Não é um ‘favor’ e muito menos, uma imagem retórica. É a realização concreta da soberania popular, mais importante do que a atividade eleitoral que se esgota na escolha para cargos executivos e legislativos. (BENEVIDES, 1991, p. 19-20).

Neste sentido, entende-se que para democratizar a sociedade, para a efetivação da democracia, projeto em construção permanente, a participação ativa significa um mecanismo disponível à sociedade na sua concretização.

Vinculada à discussão da democracia estão as formas de participação dos sujeitos, nos processos decisórios, que podem ser realizadas de diversas maneiras: através do sufrágio universal, bem como por meio de instrumentos e espaços que dilatam a possibilidade de interferência nas políticas públicas de interesse da sociedade.

As questões tratadas neste capítulo possibilitam inferir que a perspectiva teórica e prática de educação que guia este estudo é a da educação para a democracia, ou seja, a educação para a cidadania. Entende-se que a educação que tem como norte a democracia e a cidadania busca desenvolver nos sujeitos, que compõem uma sociedade, a possibilidade de entender a realidade vivida, bem como, de participar ativamente nos processos de discussão, criação, implementação e avaliação das políticas sociais. Nesta direção, entende-se a educação “como o processo de formação e aprendizagem do ser humano, onde a aprendizagem é socialmente elaborada, processo que oferece ao sujeito condições de compreender o meio onde está e, compreendendo-o, ouse transformá-lo” (MUNARIM, 2000, p. 21).

Tendo, então, apontado a concepção de Estado e de Democracia que permeará as demais discussões deste trabalho, no próximo capítulo, trava-se um modesto debate sobre o campo educacional no contexto neoliberal. Debate este que contará com reflexões a respeito das recomendações das agências multilaterais para a educação na América Latina.