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3.2 O REUNI E A BUSCA DE UMA UNIVERSIDADE PARA O POVO

3.2.2 Educação e políticas públicas

Numa visão pragmática tem-se que a aplicação dos direitos humanos com um viés econômico perpassa uma discussão de conceitos complexos e mutáveis que dependem das condições econômicas do momento e local em que ocorrem e a partir de que perspectiva se faz sua leitura. Leituras essas que correlacionam o acesso à educação a riqueza econômica e, também, aos direitos humanos como exposto no artigo XXV da DUDH (ONU, 1948), onde lê-se que:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Algo que também aparece amarrado à promoção de uma educação mais inclusiva em seu artigo seguinte, onde lê-se que:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.

2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Desta feita, tem-se então que, num contexto em que a educação se torna um direito a ser universalizado e gratuito, há que se garantirem governos estáveis que possam disponibilizar tais recursos financeiros. Mas, como os governos não produzem riquezas (com exceção no caso de empresas estatais), os recursos necessários para atingir esta meta devem ter origem na cobrança de impostos. E que, a única maneira de cobrar impostos de empresas sem que estas venham a falir, é permitindo que as mesmas, possam utilizar dos meios de produção de forma produtiva, gerando excedente de riqueza e lucro.

Com isto, precisamos ter em mente que uma educação de qualidade exige grandes investimentos. Pois, podemos criar uma infinidade de teorias e métodos de

ensino que aumentem a qualificação dos alunos, que permitam maior inclusão social, que transformem áreas carentes e marginais em sociedades participativas, mas, sua execução e aplicabilidade exige esforço econômico da sociedade, que somente é possível em um país com uma economia forte (RAUPP22, 2018).

Num sistema capitalista, a produção de riquezas exige a existência de empresas eficientes. A produtividade depende fortemente da implantação de tecnologias que exigem investimentos vultosos. Tais investimentos somente são possíveis em um sistema econômico saudável, onde as empresas possam auferir lucros e investir parte deles na qualificação do parque fabril.

O ser humano, em toda sua história, vem buscando prosperidade, na medida em que desenvolve formas de aumentar a produção de bens, cada vez com menor intervenção humana. Engana-se quem pensa ser a automação um mal que irá diminuir a oferta de empregos. Pelo contrário, um sistema que produz mais riquezas por empregado é mais lucrativo e permite dois fatores fundamentais de aprimoramento humano: a) pagar salários melhores; e, b) auferir lucros que são reinvestidos gerando mais empregos.

Este processo ocorre em economias saudáveis e é o que vem permitindo aumentos constantes na renda per capita de muitos países.

Esses aumentos na renda per capita por sua vez, tem permitido que diversas políticas reparatórias sejam pensadas e implementadas a partir da utopia que um mundo melhor é possível. Na expectativa de que todos os cidadãos sejam considerados iguais, e que possam usufruir dos mesmos direitos, e que todos tenham acesso à educação de forma igualitária. E suas diferenças sejam diluídas, numa sociedade de iguais direitos a todos.

Contudo, vivemos numa luta permanente para que a desigualdade não seja perene. E o REUNI, neste caso, se insere em um conjunto de políticas tais como as que buscam em longo prazo, reduzirem as distâncias sociais existentes, dar a todos igual condição e acesso a universidade. Pois, como vimos as políticas públicas são compensatórias, mas também, fragmentadas socialmente, que por vezes aumenta a população de excluídos.

Entretanto, é fato como escreve Lechner (1993) que o: a) Estado é feito e composto por pessoas de modo que;

b) direitos sociais, podem ser concedidos e retirados o que implica em que; c) as pessoas se mantenham com interesses nos direitos sociais e estejam

sempre na luta para garantir o seu quinhão.

E as discussões sobre o REUNI e sua incidência e eficiência social se inserem neste movimento, como veremos mais adiante em item específico que se ocupa exclusivamente dessa política.

Sales (1994), por sua vez, aprofunda esta discussão através de autores clássicos e nos apresenta a ideia de cidadania concedida que seja construída a partir da ideia de democracia racial proposta por Gilberto Freyre (1973) e da noção de “homem cordial” propugnada por Sérgio Buarque de Holanda (1984) que nada mais são do que o resultado de conciliações, da construção de laços e relações de classe que, grosso modo, evitam e abafam os conflitos sociais existentes, mas que, mantêm sempre as relações de poder existentes. Contudo, como coloca Fedozzi (1999) essa relação entre Estado e cidadania não é assim tão unívoca e tranquila e possui diversos matizes ligados à abordagem neopatrimonialista, abordagem essa criticada por Jessé de Souza (2015), uma vez que, diferentemente de Fedozzi, esse, parte da dimensão subjetiva da política de modo que as políticas públicas assumem, para esse autor, uma dimensão valorativa, de luta social, a qual se pauta no modo como vejo o outro, de como vejo esta minoria periférica e não central.

Em consequência do exposto, tem-se que para Jessé de Souza (2015), as diferenças e desigualdades existentes são produzidas a partir do não reconhecimento desse outro de modo que, a partir de uma relação dicotômica entre nós (que estamos incluídos e somos cidadãos plenos de direitos) e eles (que estão fora do sistema e desfrutam de uma subcidadania), essa desigualdade e diferença são legitimadas.

Dito isto, e considerando a perspectiva apresentada por Jessé de Souza (2015), e agora retomando a ideia de campo de Bourdieu (2012) podemos então dizer que:

a) os capitais sociais através do capital econômico e cultural são a principal forma de reprodução das desigualdades existentes;

b) a posição dos campos depende do capital global que ocupam os agentes e a capacidade que estes têm de jogar o jogo;

c) a reprodução simbólica da desigualdade se dá a partir da legitimação da meritocracia; e,

d) a violência simbólica é autoinfligida a partir do discurso opressor que o legitima a partir do estabelecimento de relações sociais hierarquizadas e ligadas a diferentes “tipos de cidadania”.

Sendo assim, quando falamos de políticas públicas no Brasil, é preciso ter claro que o que está no cerne da questão é as forças contrárias às mudanças promovidas pelas políticas públicas na medida em que, como é o caso do REUNI, essas alteram a atual relação de classes existentes permitindo as classes subalternas, a partir da aquisição de certo tipo de capital cultural, ascender socialmente.