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3. PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: FINALIDADES E DISCURSOS

3.3 A Educação no Programa Bolsa Família

Para se entender como funciona a educação no âmbito do PBF, faz-se necessário compreender como surgiram os principais objetivos e a indicação das condicionalidades, já que esta política requer uma contrapartida dos beneficiários, no que concerne a condicionalidade educacional, entende-se está a partir da matrícula e frequência escolar, como já mencionado anteriormente. No entanto, o que nos chama a atenção neste tópico se encontra na tentativa de pensar e repensar esta condicionalidade e construir sentidos de educação que estão para além desta condicionalidade.

Nesse sentido, foi a partir de 2003, como medida provisória nº.132, de 20 de outubro que se iniciou a discussão de revisão o funcionamento das referidas políticas públicas, e de se constituir uma política mais elaborada e firme no país. As mudanças foram rápidas, pois, em 2004, já se tornava lei, além de se constituir como o principal instrumento de enfrentamento à pobreza no Brasil (BRASIL,2004).

Com o intuito de investigar as ações subjacentes relativas à educação do PBF, faz- se necessário um estudo que vá além da condicionalidade educação. A exemplo do trabalho de Silva et al (2009), o qual mostrou que na grande maioria das famílias beneficiárias, os responsáveis pelo lar, possuem baixa escolaridade, e que esta reflete no abandono da escola pela necessidade de trabalhar, mas também mostra que o perfil da família é de valorizar muito a educação de seus filhos. Como o intuito discursivo do Programa consiste em emancipar famílias para que deixem a condição de pobreza e desigualdade, nota-se que a educação, hoje, vem tornando-se protagonista para superação das desigualdades (KERSTENETZKY, 2009).

No entanto, uma das discussões que mais permeiam no campo científico gira em torno da necessidade, ou não, desta condicionalidade e se estas realmente impactam diretamente a relação das famílias pobres e o ambiente escolar. Os argumentos de Arroyo (2017), Sposito e Corrochano (2005) e Pires (2013) apontam exatamente nesta direção de compreender o real sentido e a necessidade desta condicionalidade educacional.

É notório que, a partir da condicionalidade educacional é possível garantir minimamente que as famílias beneficiárias mantenham seus filhos matriculados e

frequentando a escola para garantirem a continuidade do benefício. Porém, devemos pensar o que está para além desta frequência escolar, pois o estar na escola não implica “sucesso escolar”. Desta forma, Arroyo (2017) vai apontar que:

O direito à vida justa é o primeiro direito humano, não pode ser condicionado nem pela frequência escolar. Ir à escola não é precondição do viver, do não viver, do comer, do não comer de crianças e adolescentes na extrema pobreza. O comer e o viver que são precondições para ir à escola. O direito à vida humana justa é precondição de formação, educação dos pobres. Essa condicionalidade afirma às famílias e a seus filhos que, se não forem à escola, não comem, não vivem. É preciso inverter essa direção (ARROYO, 2017, p. 153-154).

Partindo o pensar desta condicionalidade, entendemos que é urgente inverter as relações, como aponta o autor, a ideia da instituição escolar como redentora, historicamente esse discurso de que fora da escola não haveria sucesso/capacidades já está ultrapassado. É necessário entender que as famílias pobres precisão ter direitos a uma boa escolarização, sobretudo porque uma boa escolarização refletirá em um percurso escolar de qualidade, garantindo assim o direito à alimentação, moradia e outras necessidades básicas. Não basta frequentar a escolar, é preciso vivenciar uma escolarização de qualidade.

É necessário romper com esses discursos da escolarização como único meio de saída da pobreza, porque as taxas apontam que o nível de escolarização tem aumentado. No entanto, o nível de pobreza também está em crescimento constante, isso nos mostra que a discussão sobre a condicionalidade é ainda mais profunda. Pois a luta pelo direito a educação das famílias pobres implica também em outros segmentos, tais como, emprego, moradia e afins (ARROYO, 2017).

No estudo realizado por Sposito e Corrochano (2005), os autores conseguem alcançar outro ponto interessante sobre os programas de transferência de renda, sobretudo focado em jovens pobres. O estudo parte de iniciativa de programas que buscam alcançar esses jovens que estão em condições de pobreza/desiguais, condicionam esses jovens a participarem recebendo uma transferência de renda. Porém o que nota-se em muitos programas de transferência de renda é a ideia de culpabilização e transferências das responsabilidades que são do Estado, por isso necessitamos consolidar a ideia de retomar o papel do Estado, assim, precisamos não acabar com os programas sociais existente mas tentar garantir estudos que busquem melhorar suas ações e garantir a real efetividade.

Pires (2013) levanta uma provocação muito interessante em seu estudo sobre a real efetividade da condicionalidade educacional do PBF, quando aponta que a discussão sobre a condicionalidade deve partir, não apenas de estudos teóricos, mas a partir da utilização

desta condicionalidade pelas famílias beneficiárias. Dessa forma através deste estudo, e corroborando com Arroyo, o autor aponta que a matricula e a frequência escolar, por si só não garantem uma trajetória de sucesso escolar. No entanto, é possível notar que o pertencimento social que famílias beneficiárias possuem a partir da entrada no programa, repercutem na autonomia das famílias que está intrínseca no benefício.

Partindo dessas discussões, e apoiando-se nos estudos de Arroyo (2017) e Pires (2013), acreditamos que a condicionalidade educacional do programa precisa ser pensada de outra forma, sobretudo tendo com intuito a garantia de uma trajetória de escolarização justa e de qualidade. É necessário produções, como esta, que se proponham a investigar de que forma o programa como um todo tem repercutido nas trajetórias escolares. Pensando para além das condicionalidades postas, pois é notório que sobre a educação o programa deve viabilizar outras ações.

Nessa perspectiva, é possível notar que no texto político, o Programa abre margem para outras ações no campo pedagógico, com o intuito de oportunizar a real saída da condição de pobreza e desigualdade na qual se encontram as famílias beneficiárias, o que só pode acontecer se as esferas públicas se empenharem para garantir não apenas o cumprimento das condicionalidades, mas as ações subjacentes e de apoio à emancipação. É nesse sentido que os Decretos nº 7.332, 2010 e 5.209, 2004 asseguram que o Programa e suas esferas devem:

I - estimular as famílias beneficiárias a exercer seu direito de acesso às políticas públicas de saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das condições de vida da população;

II - supervisionar o cumprimento das condicionalidades e promover a oferta dos programas complementares, em articulação com os Ministérios setoriais e demais entes federados;

Nesse sentido, precisamos compreender que sozinho o PBF não obtém instrumentos capazes de retirar centenas de famílias da condição de pobreza, porém é necessário fomentar articulações interministeriais para garantir programas complementares, que subsidiem outras necessidades e aporte para a saída da condição de pobreza. É preciso romper com o pensamento hegemônico de dominação sobre os coletivos feitos desiguais, nesse sentindo Arroyo aponta que:

as análises de políticas sobre pobreza e educação poderão avançar se considerarem a luta dos pobres contra a pobreza e pelo direito a educação e compreenderem essa pluralidade de condicionantes estruturais que tornam essa relação entre pobreza e educação tão complexa e politicamente tensa. Essas famílias lutam por não continuar sendo vítimas das injustiças estruturais. Avançam pesquisas e análises que incorporam essa pluralidade de condicionantes estruturais da pobreza e superam a

ingênua ênfase na educação como o único descondicionante das injustiças sociais (ARROYO, 2017, p. 155)

Com isso, é importante perceber também que a emancipação dessas famílias se concretize, é necessário balizar que o PBF é uma política intergeracional, e que seus efeitos acontecem, em muitos casos, através das novas gerações dentro da família. Por isso devemos, inclinarmos nossas produções na tentativa de resistir aos mais diversos retrocessos que se apresentam. Por fim “Quem são os que estão agora reagindo a esse golpe? São os pobres, até adolescentes e crianças ocupando escolas, terras (ARROYO, 2017, p.157)”.

Outrora, também deve-se considerar que as ações do Programa Bolsa família visam estabelecer relações de intersetorial com outras políticas, são as chamadas ações de complementariedade garantida pelo texto político. Os programas complementares devem exercer a comunicação entre diferentes entes governamentais, para que a redução das desigualdades sociais especificas aconteçam, é necessário a articulação de outras políticas sensíveis as demandas particulares de cada localidade (QUINHÕES; FAVA, 2014).

É nesse sentido, que dentro do conjunto de premissas que o programa estabelece, no campo da educação precisamos considerar a existência de programas complementares, entendendo-os como apresentam os autores que “os programas complementares possibilitam o reconhecimento das necessidades de grupos populacionais em situação de risco social e a articulação de ações específicas para as suas necessidades (QUINHÕES; FAVA, p.77, 2014).”