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IV. Definições sobre o aparato teórico-metodológico

3. A EDUCAÇÃO RURAL: ENTRE O NOVO E O ARCAICO

3.1 A Educação Rural e suas variações

No debate político e educacional ficou evidente que Mennucci almejou colocar-se na cena pública como o representante das propostas sobre a ruralização do ensino. Nesse mesmo ímpeto, destacaram-se também outros intelectuais que contemporaneamente abordaram em suas obras a perspectiva rural de ensino, tais como: Carneiro Leão, Fernando de Azevedo, Almeida Junior, Noêmia Saraiva de Matos Cruz, Marieta Aguiar e Ruth Ivoty Torres da Silva108.

No entanto, entre esses sujeitos, havia distinções nas perspectivas educacionais. Alguns deles defendiam propostas semelhantes às de Mennucci e nesses

108“Ruth Ivoty nasceu em 1913, em são Borja, município do Rio Grande do Sul. Ao longo de sua vida

profissional, preocupou-se com a educação rural no Rio Grande do Sul. Participou de cursos na Sociedade Amigos de Alberto Torres, no Rio de Janeiro, foi técnica em educação do Centro de pesquisa e Orientação Educacional, chegando ocupar o cargo de Superintendente do Ensino Rural” (ALMEIDA, GRAZZIOTIN, 2013, p.133).

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casos a convivência e o amparo em locais comum, tal como a Sociedade de Amigos de Alberto Torres, representam indícios dessa aproximação. Noêmia Cruz é um exemplo dessa situação, ela foi uma das primeiras mulheres a defender a ruralização da educação nos anos de 1930, também foi a primeira diretora do Grupo Escolar Rural do Butantã, sua trajetória profissional pode ser apreendida como uma expressão de aproximação aos ideais da SAAT. Tal fato evidencia-se quando Noêmia Cruz foi convidada a pedido da própria SAAT para comparecer no Primeiro Congresso Brasileiro do Ensino Regional, realizado na Bahia em 1934 — nesse congresso, em companhia de Mennucci, compôs a delegação não oficial de São Paulo no evento.

Essa semelhança também pode ser encontrada em Marieta Aguiar, autora do livro A escola Rural em Minas Gerais (1928–1938), na qual reflete sobre o sistema de funcionamento escolar mineiro, a autora articula que “[...] passando os olhos sobre o horário estabelecido pelo R. E. P.de Minas Gerais, publicado em 1928 e ainda em

vigor” (AGUIAR, s/d, p.7) encontrou alguns problemas, pois “o programa da E. Rural

não pode ser o mesmo do G. Escolar, onde cada professora trabalha 4 horas” (AGUIAR, s/d, p, 7). Em relação à sigla R.E.P., Cleide Maria Maciel de Melo (2010), ao pesquisar sobre o processo de escolarização em Minas Gerais, apontou que foi aprovado um Regulamento da Educação Primária (REP) em 15 de outubro de 1927, através do decreto n. 7.970. Nesse período era Francisco Campos quem estava à frente da direção do ensino de Minas Gerais, ele é referendado pela historiografia como autor de uma das reformas educacionais que condiziam com a expressão de um projeto escolanovista na década de 1920. Aguiar critica esse regulamento e diz que

[...] o Programa do Ensino Primário de M. G., obra, aliás, de notável valor e que é um ótimo guia de orientação para uma professora dos Grupos ou E. Reunidos, apresenta uma lamentável lacuna quando trata da E. Rural (AGUIAR, s/d, p.7).

Para consolidação da Escola Rural, afirmava a necessidade de um projeto educacional diferenciado adaptado a realidade singular do campo. Assim questionava que

[...] a maioria das professoras rurais não recebe nenhuma orientação direta e tem urgente necessidade de um programa especial, com orientação, lições e modelos. Não poderá o Governo do Estado imitar o exemplo de S. Amigos de Alberto Torres que através dos Clubes Agrícolas traz à Escola Rural uma nova vitalidade? (AGUIAR, s/d., p.7–8).

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Aguiar retoma a SAAT como uma instituição que promoveria ações adequadas para a educação no campo.

Já Ruth Ivoty Torres da Silva, de acordo com Doris Almeida e Luciene Grazziotin (2013), frequentou alguns cursos oferecidos pela SAAT e escreveu o livro A Escola Primária Rural (1951) que teria como objetivo ser um instrumento para docência nas escolas rurais. Segundo as autoras, Ruth Silva apresentou em sua obra algumas queixas sobre os problemas educacionais e as diferenças que existiam entre a realidade do campo e da cidade.

Sud Mennucci, como já mencionado diversas vezes, manteve uma profícua relação com a SAAT e sua proposta educacional coadunava com as concepções defendidas nesse espaço. Entretanto, Mennucci argumentava que essa Sociedade havia se inspirado nos movimentos ruralistas iniciados em São Paulo, expondo, dessa forma, que esse estado estaria na vitrine do país como exemplo para as propostas educacionais e que esses projetos haviam sido elaborados por pensadores daquela localidade, tais como ele próprio.

O educador propunha como solução para os problemas educacionais a manutenção do ensino para as zonas rurais e a existência de uma diferenciação entre a cidade o campo, apoiando assim uma concepção multifacetada para o ensino. Dessa maneira, escrevendo em 1935, ele fez um balanço sobre o cenário educacional ruralista em São Paulo, argumentando que

[...] um decreto da Secretaria da Educação e da Saúde Pública, autorizando a diferenciação dos tipos de ensino, em favor dos meios agrícolas, uma organização, em formação — os Clubes do Trabalho

— na Secretaria de Agricultura, Indústria e Comércio, visando, num

plano gigantesco, o alteamento do nível cultural de todos os obreiros e aperfeiçoando os métodos de trabalho, principalmente, no ramo da agricultura; um entusiasmo novo em todas as instituições oficiais pela ruralização já não apenas do ensino, mas do próprio Estado (MENNUCCI, 1935, p.78–79).

Essa concepção de diferenciação dos tipos de ensino era um tema em debate no cenário político desde o começo da República. O grupo dos reformadores, inspirados nos ideais escolanovistas, diferentemente de Mennucci e de tantos outros sujeitos, sustentava um projeto que visasse a instalação de uma escola nacional única. Essa interpretação sobre a escola pode ser apreendia já no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932) que expressava

128 [...] a ‘escola única’ se entenderá, entre nós, não como ‘uma conscrição precoce’, arrolando, da escola infantil à universidade,

todos os brasileiros, e submetendo-os durante o maior tempo possível a uma formação idêntica, para ramificações posteriores em vista de destinos diversos, mas antes como a escola oficial, única, em que todas as crianças, de 7 a 15, todas ao menos que, nessa idade, sejam confiadas pelos pais à escola pública, tenham uma educação comum, igual para todos (MANIFESTO, 1932 Apud MIGUEL et al., 2011, p.475).

Como também que

A consciência desses princípios fundamentais da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade, consagrados na legislação universal, já penetrou profundamente os espíritos, como condições essenciais à organização de um regime escolar, lançado, em harmonia com os direitos do indivíduo, sobre as bases da unificação do ensino, com todas as suas consequências. De fato, se a educação se propõe, antes de tudo, a desenvolver ao máximo a capacidade vital do ser humano, deve ser

considerada ‘uma só’ a função educacional, cujos diferentes graus

estão destinados a servir às diferentes fases de seu crescimento, que são partes orgânicas de um todo que biologicamente deve ser levado à sua completa formação (MANIFESTO, 1932 Apud MIGUEL et al., 2011, p.476–477).

Marta M. C. Carvalho (1988, 1989) afirma que a defesa desse grupo em prol da

“construção da escola nacional” representava um entendimento da escola como sendo

instrumento de propulsão, construção e disseminação de um projeto de coesão e união nacional. Esse tema foi uma das principais características que diferenciavam Mennucci e os reformadores escolanovistas. Mennucci se colocava na cena pública, contrário aos reformadores, um fato que atesta esse posicionamento aconteceu após sua gestão na direção do ensino, quando apresentou algumas críticas ao seu antecessor, Lourenço Filho. Isso ocorreu quando o educador ruralista, em tom irônico, discorrendo sobre a

demissão dos professores leigos da gestão anterior a dele proferiu “isso foi na

administração revolucionária de 1931. [...] Com a dispensa e com a nomeação dos

diplomados, voltamos a odisseia antiga” (MENNUCCI, 1935, p.50).

É importante destacar, porém, que dessas disputas de Mennucci com alguns intelectuais que pertenceram ao movimento reformador, as oposições não eram plenamente antagônicas. Isso é perceptível no caso da valorização dos apontamentos feitos pelo sociólogo carioca Alberto Torres. Mennucci, que participou de uma sociedade em que Torres era o patrono, o referenciava em praticamente todos os textos

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como o ideólogo do ruralismo brasileiro, o legitimava como defensor de uma proposta para organizar o Brasil tendo o campo como foco de desenvolvimento. Contudo, o sociólogo também era referendado pelos reformadores, tanto que seu nome foi citado três vezes no Manifesto de 1932.

No Manifesto o reconhecimento de Torres ocorre na aceitação das propostas feitas pelo sociólogo em relação a uma organização do Brasil que valorizasse a constituição de uma unidade cultural e uma política nacional. O interessante é que mesmo referenciando o sociólogo, pode-se observar uma distinção nas formulações educacionais de Sud Mennucci e, por exemplo, Fernando Azevedo, o redator do manifesto. Nesse jogo de aproximações e distanciamentos, Azevedo produziu uma palestra em 1933 na qual o foco foi criticar uma determinada corrente de educadores que defendiam a ruralização do ensino, dessa maneira, exibiu quais os pontos de distanciamento existiam entre eles.

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