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Em defesa da ruralização do ensino: Sud Mennucci e o debate político e educacional entre 1920 e 1930

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Academic year: 2017

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HENRIQUE DE OLIVEIRA FONSECA

EM DEFESA DA RURALIZAÇÃO DO ENSINO: SUD MENNUCCI E O DEBATE POLÍTICO E

EDUCACIONAL ENTRE 1920 E 1930

Belo Horizonte

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Henrique de Oliveira Fonseca

EM DEFESA DA RURALIZAÇÃO DO ENSINO: SUD MENNUCCI E O DEBATE POLÍTICO E EDUCACIONAL ENTRE

1920 E 1930

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação/FAE da Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG.

Área de concentração: Educação e Inclusão Social

Linha de Pesquisa: História da Educação

Orientadora: Profª Drª Thais Nivia de Lima e Fonseca

Belo Horizonte

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Universidade Federal de Minas Gerais

Departamento de Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

Dissertação intitulada “Em defesa da ruralização do ensino: Sud Mennucci e o debate político e educacional entre 1920 e 1930”, de autoria do mestrando Henrique de

Oliveira Fonseca, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

_______________________________________________ Thais Nivia de Lima e Fonseca - FAE/UFMG - Orientadora

_______________________________________________ Marta Maria Chagas de Carvalho - USP/SP - Examinadora

_______________________________________________ Irlen Antônio Gonçalves - CEFET/MG - Examinador

_______________________________________________ Luciano Mendes de Faria Filho - UFMG/MG - Examinador

_______________________________________________ Marcus Aurélio Taborda de Oliveira - UFMG/MG - Suplente

_______________________________________________ Maria do Carmo Xavier - UEMG/MG - Suplente

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AGRADECIMENTOS

Dedico essa dissertação aos meus pais: Valter e Sandra. Sem o apoio deles essa caminhada não existiria. Sou grato à confiança inquestionável que depositaram sobre mim.

Agradeço ao meu irmão Gustavo por compartilhar um pouco da sua inteligência aguçada nas longas conversas em tardes infinitas. À Milena irmã, parceira e amiga que me ajudou intensamente enquanto eu procurava explicar o que Sud Mennucci defendia,

e ela, como conhecedora dos detalhes do “palco da vida”, me fez enxergar muitas coisas sobre ele e sobre mim.

À minha orientadora Thais Fonseca agradeço pelo pacto ético como profissional. Tive a oportunidade de ter uma orientação que me proporcionou um aprendizado profícuo que superou a própria dissertação, já que pude acompanhá-la durante um ano em suas atividades na docência. Sou grato pela sua confiança em permitir dividir comigo algumas dessas experiências.

Também agradeço à todos envolvidos de alguma forma no projeto Pensar a Educação, Pensar o Brasil — 1822–2022, destacadamente aos professores Luciano e Tarcísio, por acreditarem que a Universidade pode ser diferente e melhor. Pude nesse projeto criar diversos amigos, compartilhar conhecimentos e até arriscar uma carreira de locutor de rádio!

Aos amigos e colegas dessa empreitada: Brunão, Raquel, Fabiana, Guilherme, Leandro, Vanessa, Lilliane, Tereza, Isabella, Mamede, Michele, Leide, Priscilla, Mauro... enfim, aos que dividiram nesses últimos anos as felicidades e angustias inerentes à vida de acadêmica.

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RESUMO

Sud Mennucci (1892-1948) foi uma das figuras proeminentes da educação rural na primeira metade do século XX. Suas propostas, em defesa de uma educação rural, tiveram um amplo reconhecimento, principalmente nos finais da década de 1920 e 1930. Este trabalho procura refletir sobre a trajetória de Mennucci visando apreender quais foram seus espaços de atuação, suas posições políticas e seu projeto pedagógico ruralista. No intuito de compreender as estratégias do debate educacional, estruturei a pesquisa através de análises das publicações de Mennucci em periódicos e jornais, assim como de seus próprios livros. Além disso, essa investigação promove reflexões acerca do contexto político do período e sobre a historiografia da educação.

Palavras-chave: Educação Rural; História Política e Intelectual; Sud Mennucci.

ABSTRACT

Sud Mennucci (1892-1948) was one of the prominent figures of rural education in the first half of the 20th century. His proposals, in defense of a rural education, had wide recognition, especially in the late 1920s and 1930s. This paper seeks to reflect about the trajectory of Mennucci with the objective of to apprehend what were his areas of expertise, his political positions and his ruralist pedagogical project. In order to understand the strategies of the educational debate, I structured this research through of analysis of Mennucci publications in periodicals and newspapers, as well as his own books. Furthermore, this research promotes reflections on the political context of the period and the historiography of education.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

I. Entre as generalizações e peculiaridades ... 8

II. O movimento tentacular da Escola Nova... 11

III. Fontes ... 15

IV. Definições sobre o aparato teórico-metodológico ... 16

1. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE SUD MENNUCCI ... 32

1.1. Cargos públicos e o cenário educacional ... 36

1.2. Redes, grupos e associativismo ... 40

1.2.1. O contexto reformista e os Congressos Educacionais ... 40

1.2.2. Sociedade dos Amigos de Alberto Torres ... 46

1.2.3. Centro do Professorado Paulista ... 53

1.3. Debates entre intelectuais: a exposição pública ... 55

1.3.1. Renato Jardim e Sud Mennucci ... 55

2. A RURALIZAÇÃO DO ENSINO COMO CERNE DA NAÇÃO ... 70

2.1. A vocação agrícola nacional e o ruralismo ... 70

2.2. O Livro A Crise Brasileira de Educação e a guinada para o campo... 79

2.3. O ideal em prática ... 96

2.3.1. A Escola Normal Rural... 97

2.3.2. A Escola Rural ... 103

2.3.3. Clube Agrícola Escolar ... 108

2.4. A Revista do Professor e a disseminação do projeto ruralista ... 117

3. A EDUCAÇÃO RURAL: ENTRE O NOVO E O ARCAICO... 125

3.1 A Educação Rural e suas variações ... 125

3.2 Fernando de Azevedo e a crítica ao movimento “rumo ao campo” ... 129

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REFERÊNCIAS ... 148

FONTES CONSULTADAS ... 156

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8 INTRODUÇÃO

I. Entre as generalizações e peculiaridades

Do Rigor da Ciência

...Naquele Império, a Arte da Cartografia logrou tal perfeição que o mapa de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do Império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmedidos não foram satisfatórios e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o tamanho do Império e coincidia ponto por ponto com ele. Menos afeitas ao Estudo da Cartografia, as gerações seguintes entenderam que esse extenso Mapa era inútil e não sem impiedade o entregaram às inclemências do Sol e dos Invernos. Nos desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por animais e por mendigos; em todo o País não resta outra relíquia das Disciplinas Cartográficas.

JORGE LUIS BORGES

Sud Mennucci (1892-1948) nasceu na cidade Piracicaba, no interior do estado de São Paulo, e durante sua vida atuou profissionalmente como docente, político e jornalista. No contexto educacional destacou-se como defensor de uma proposta que visava a ruralização do ensino. A presente dissertação buscou pesquisar a trajetória desse intelectual no âmbito do debate político-educacional dos anos de 1920 e 19301.

Por meio de diversos trabalhos da História da Educação no Brasil, que privilegiaram esse mesmo recorte temporal, criou-se o consenso em interpretá-lo como

1 As propostas educacionais de Sud Mennucci ainda não ganharam grandes repercussões dentro dos estudos acadêmicos da historiografia educacional. Entretanto, pode-se ressaltar alguns autores que colaboraram com trabalhos sobre Mennucci, como: Carlos Monarcha (2007) que construiu um artigo tratando amplamente de sua trajetória, dando ênfase em suas orientações educacionais; Isabel Mattos (2004) que produziu uma dissertação sobre ele; Luiz Bezerra Neto (2003) que elaborou uma tese sobre a educação rural no Brasil, mesmo que seja um estudo mais amplo em que Mennucci não é o personagem principal da trama, Bezerra Neto forneceu amplas informações sobre a ruralização do ensino nas concepções de Sud Mennucci; Paula Vicentini (1997) fez uma dissertação sobre o Centro do Professorado Paulista (CPP), órgão do qual Mennucci foi presidente durante a década de 1930, suas contribuições colaboraram para compreensão da atuação dele dentro dessa instituição; e Ralph Giesbrecht (1998), neto de Sud Mennucci, escreveu um livro sobre a vida de seu avô, embora não figure como uma produção acadêmica, as informações detalhadas sobre a trajetória de Mennucci em vastos espaços de atuação foram salutares para essa dissertação. Mas, atualmente, um dos importantes polos de pesquisa sobre educação rural em São Paulo são os trabalhos defendidos sob orientação da professora Rosa Fátima de Souza da Universidade Estadual Paulista. Pode-se destacar o trabalho da própria Souza, Alicerces da pátria:

História da escola primária no Estado de São Paulo (1890-1976) (2006), como também o doutorado de

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um momento de conflito educacional entre dois grupos: escolanovistas e os católicos2.

O primeiro grupo ficou conhecido por conglomerar os defensores dos projetos mais modernizantes, progressistas e liberais para a educação, ganhando notoriedade após a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932, no qual propunham reformas educacionais fundamentadas na laicidade, na gratuidade e na obrigatoriedade do ensino. O outro grupo, os católicos, foi caracterizado pela historiografia como representante das aspirações mais arcaicas que estavam enraizadas nas estruturas políticas nacionais. Os dois grupos em conflito tornaram-se uma das principais generalizações promovidas por uma linha historiográfica que balizou por um dilatado período as discussões sobre a História da Educação no Brasil.

No campo da História, em relação ao anseio de construir conhecimentos que representem a síntese total do passado, o conto exposto na epígrafe desta introdução, Do Rigor da Ciência de Jorge Luis Borges, problematiza de forma literária a eficácia da descrição plena de Império através da produção de um Mapa. No conto, que tem como pano de fundo uma crítica ao ideal de aquisição de conhecimento científico, evidencia-se a não efetividade de um mapa que contenha os mínimos detalhes do Império. Como se sabe os mapas devem servir como um instrumento de análise que não contemplem a totalidade dos detalhes, mas que forneçam resumidamente os elementos de guia para quem o precisar. Essas relações dos detalhes variam conforme o objetivo do mapa, se a intenção é reproduzir grandes aéreas, como é o caso, por exemplo, do mapa-múndi, diminui-se a quantidade de detalhes para valorizar uma dinâmica mais ampla, entretanto, quando se observa uma determinada região ou cidade, o mapa pode ganhar em detalhes e ficar mais rigoroso com sua descrição. Nesse sentido, a História apresenta semelhanças com a cartografia, pois traduzimos o passado através das nossas próprias lentes, procurando criar certa coerência do pretérito, sendo que em determinados momentos é necessário a utilização de generalizações amplas e em outras circunstâncias restringimos o foco de análise na pretensão de entender outros detalhes.

Nos estudos da História da Educação algumas generalizações perduraram por longos períodos, tal como o embate entre escolanovistas e os católicos nas décadas de 1920 e 1930. No entanto algumas pesquisas mais recentes têm demonstrado uma possível fragilidade nessa afirmação. Alessandra F. M. Schueler e Ana Maria B. M.

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Magaldi (2009) no artigo Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa apontam para essa lacuna nos estudos. Segundo as autoras:

Nos debates educacionais que se expressaram nos anos 1920, estendendo-se pela década seguinte, emergiram como atores privilegiados os educadores comumente identificados pela historiografia como ‘escolanovistas’ – ou ainda como ‘renovadores’, ou ‘liberais’ – e os chamados ‘educadores católicos’. Tais termos, que tendem, com frequência, a ser apresentados, em manuais de história de educação, entre outros tipos de publicação da área, até os nossos dias, de uma forma naturalizada e polarizada, carecem de precisão. Ainda que os utilizemos, como será o caso deste texto, torna-se necessário considerar essa imprecisão. Um primeiro ponto a destacar a respeito é o de que as posições – de confronto, em diversos aspectos – que educadores vinculados a esses grupos assumiram não envolveram polaridades rígidas, diferentemente do que aponta uma historiografia da educação ainda não suficientemente alimentada por pesquisas recentes de base empírica (SCHUELER, MAGALDI, 2009, p.47).

Destaca-se que as autoras afirmam que utilizarão do dualismo entre escolanovistas e católicos, conscientes da sua falta de exatidão. Para construir uma coesão à narrativa histórica, as autoras e tantos outros pesquisadores, recorrentemente utilizam-se de generalizações como instrumento elucidativo. Caso essa ação seja negada ao historiador o seu trabalho seria impraticável devido à impossibilidade descritiva e detalhista da totalidade histórica.

Contudo, nas frestas de algumas dessas imprecisões causadas pela utilização de generalizações, novos pesquisadores iniciaram um processo de revisão. Neste sentido é comum no campo das pesquisas históricas temas já abundantemente estudados retornarem ao ateliê do historiador com novos apontamentos, motivados por novas indagações. Na história da educação brasileira os trabalhos de Marta Maria Chagas de Carvalho colaboraram para a desmistificação da institucionalização dos escolanovistas e

católicos como grupos homogêneos e totalmente opostos. Segundo Carvalho “na

memória que se sedimentou sobre o movimento educacional dos anos 1920 e 1930, o

campo em que se antagonizaram católicos e pioneiros é redutoramente demarcado”

(CARVALHO, 1999, p.18).

Esta dissertação compartilha com algumas dessas aspirações revisionistas presente no recente debate historiográfico. As reflexões aqui desenvolvidas procuram adentrar no rol dos questionamentos sobre a educação no começo do século XX.

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Mennucci, possuindo como norte o levantamento da sua experiência profissional, os seus locais de sociabilidade e as suas ideias políticas, observando como ele utilizou de suas concepções pedagógicas como instrumento de articulação política para alcançar cargos de destaque. Nessa linha interpretativa, para entender as estratégias que o legitimaram no debate pedagógico do período, foi necessário realizar comparações com outras propostas educacionais para melhor compreender e situar Mennucci no debate educacional. O segundo caminho, mais amplo, visou abordar em qual situação Sud Mennucci foi incorporado na tradição de pesquisas da História da Educação, adentrando dessa maneira no debate historiográfico sobre os anos de 1920 e 1930. Para melhor compreender a conexão entre esses dois caminhos, foi importante também investigar como a proposta de Mennucci representou uma indicação para um projeto nacionalista, embasado em uma percepção ruralista para o Brasil.

Para tanto, essa pesquisa não pretendeu usar pontos rígidos para delimitar seu recorte temporal, mas o foco principal se deu entre os finais dos anos de 1920 até o início do Estado Novo, 1937. Defino esses balizas porque, conforme argumentei por toda dissertação, defendo que nesses anos havia um cenário histórico propício para a possibilidade de que os projetos político-educacionais, construídos e debatidos em um universo privado, como em associações e agrupamentos civis e privados, pudessem vir a ser o modelo adotado pelo Estado. Também aponto esse período, pois, através das fontes levantadas foi possível notar uma maior mobilidade de Mennucci dentro do cenário educacional, nesses anos observa-se com maior clareza algumas alterações de posicionamento educacional e político do intelectual. Contudo, recorrentemente, a pesquisa criou afastamentos e adiantamentos mais dilatados para compreender alguns antecedentes ou desdobramentos.

II. O movimento tentacular da Escola Nova

Sud Mennucci viveu em momento de profícua discussão educacional, o afloramento da escola nova denotou uma abertura para reflexão sobre a importância da educação em um cenário social em transformação. Tal como A. Reis Monteiro afirma

“a consagração constitucional do princípio da escola nova, no século XIX, foi um momento decisivo do assalto do Estado a secular fortaleza familiar e religiosa no

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as necessidades das mudanças sociais. Assim, um movimento de âmbito internacional se consolidou como um conjunto de ideias e práticas reformadoras que procurava superar os desafios impostos pelos imperativos de seu tempo.

A escola nova, educação nova, escola do trabalho ou escola ativa representam as múltiplas variações referendadas na reformulação educacional ocorridas no final do século XIX e principalmente depois da I Guerra Mundial (1914-1918). Lourenço Filho autor de Introdução ao Estudo da Escola Nova em 1930, um dos primeiros livros sobre esse tema no Brasil, afirma que esse processo “não se refere a um só tipo de escola, ou sistema didático determinado, mas a todo um conjunto de

princípios tendentes a rever as formas tradicionais do ensino” (LOURENÇO FILHO, 2002, p.59). Assim, o movimento da escola nova3, tem que ser encarado como um contexto de proposições pedagógicas e também de críticas a determinados modelos educacionais.

O movimento da escola nova iniciou-se com a discordância de algumas compreensões educacionais, tais como as indicadas por Johann Friedrich Herbart (1776-1841). Herbart foi um pensador alemão que influenciou o panorama educacional ocidental no século XIX, sua teoria era embasada em apropriações filosóficas de Immanuel Kant, defendia, assim, uma instrução fundamentada próxima aos ideais do imperativo categórico4. As concepções de Herbart estabeleceram uma das percepções educacionais mais difundidas daquele período, sua intenção em criar padrões e métodos de aprendizagem foi considerado um momento angular na história da educação. Contudo, a partir do final século XIX, iniciou-se um movimento de críticas às propostas do pensador alemão, denunciavam que seu raciocino era profundamente idealista, moralista e que nesse panorama o aluno tornava-se passivo no processo educativo, já que o professor representaria o único sujeito capaz de transmitir as corretas coordenadas educacionais (MONARCHA, 2009, p.23-81).

Dessa aversão ao modelo herbartiano (ou comumente denominado modelo tradicional), intelectuais como os suíços Édouard Claparède e Adolphe Ferrière, o belga Jean-Ouvide Decroly, o alemão Georg Kerschensteiner, a italiana Maria Montessori, os

3A expressão Escola Nova será empregada para denominar esse movimento educacional entre o final do século XIX e início do XX.

4 Embora seja de difícil apreensão, o complexo conceito imperativo categórico é um dos principais elementos da filosofia de Immanuel Kant. Para o filósofo a ética e moral têm como base esse conceito. O

imperativo categórico é o dever de toda pessoa agir conforme os princípios embasados na Razão que ela

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estadunidenses John Dewey e W. H. Kilpatrick, entre outros pensadores, procuraram construir novos aportes reflexivos para educação, desenvolvendo o conhecido movimento da escola nova.

Dentre as novas propostas educacionais ressaltava-se a mudança no foco da ação educativa, nessa nova reflexão o aluno começou a ser encarado como protagonista ativo da aprendizagem, dessa maneira procurou-se incentivar o interesse na aprendizagem em oposição ao esforço obrigado, estimulou-se a espontaneidade e o experimentalismo, valorizaram a prática, os trabalhos manuais, as atividades físicas e tantas outras mudanças em relação à escola tradicional. Nesse contexto histórico, devido ao desenvolvimento científico, áreas do conhecimento como psicologia e biologia ganharam novos padrões analíticos e foram empregados intensamente pelos intelectuais da escola nova.

Nessa época, o movimento da escola nova se alastrou por diversos países, iniciando um período de mudanças com aplicações desses novos conceitos em projetos pedagógicos escolares.

Ressalta-se que nesse momento a industrialização e a urbanização denotavam características de pujança, os países Europeus e os Estados Unidos já se apresentavam como representantes legítimos desse padrão de nacionalidades modernas. Esses novos teóricos da pedagogia vivenciavam esse período e suas proposições refletiam endossamentos a esse padrão. Decroly, um dos grandes pensadores da educação, ao analisar os fundamentos teóricos de Dewey afirmava que:

Não é simples coincidência que apareça o teórico-pedagógico Dewey no cenário educativo dos Estados Unidos, na mesma época em que o prático industrial F. W. Taylor ajusta os processos de trabalho a um mínimo tempo e a um máximo de aproveitamento do esforço humano, nos campos da produção. Não. São fatos concomitantes, ou melhor, determinados: um é consequência direta e imediata do outro. Dewey é consequência de Taylor, e ambos podem simbolizar perfeitamente a totalidade do problema: Ford (DECROLY, 1945, p.48, apud MONARCHA, 2009, p.39).

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de veículo disseminador dos novos projetos educacionais. Nesse encontro foram sugeridos trinta pontos que uma escola deveria seguir se pretendesse aderir ao escolanovismo (LOURENÇO FILHO, 2002, p.249). Logo no primeiro item está

descrito:

A Escola Nova é um laboratório da pedagogia prática. Procura desempenhar o papel de explorador ou iniciador das escolas oficiais, mantendo-se ao correntense da psicologia moderna, a respeito dos meios de que se utilize, e das necessidades modernas da vida espiritual (LOURENÇO FILHO, 2002, p.249).

Os outros pontos da lista seguem a mesma lógica valorizando o conhecimento prático, o trabalho manual, a ciência, a cidade e as práticas modernas.

Essas ideias transitaram com certa dinamicidade no ocidente, alguns intelectuais defensores da escola nova estiveram em diversos países propalando os seus pontos de vista. O Brasil se inseriu nesse contexto de trocas e recebeu algumas visitas5 como também enviou pessoas para se aperfeiçoarem fora de suas fronteiras6. Desse contato, surgiu o movimento escolanovista brasileiro que nas décadas de 1920 e 1930, intelectuais como Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Francisco Campos e tantos outros empreenderam esforços para a implementação de projetos educacionais que visassem inserir as noções mais modernas e contemporâneas da pedagogia no Brasil.

Sud Mennucci defendia uma posição um pouco diferente dos reformadores escolanovistas, afirmava que o Brasil era um país agrícola e pouco industrializado, apontava uma distância entre a realidade estrangeira e a brasileira. Sobre esse ponto dizia que:

O pior de todos os achaques do Brasil tem sido essa mania da cópia servil e inconsciente sem consulta aos dados dos nossos problemas. E por isso, enquanto o país ansiava por uma legislação visceralmente rural, imbuída até a medula dos ossos do critério da assistência à lavoura, a cópia fez nascer e crescer e desenvolver um quadro de leis caracteristicamente urbanistas, de proteção escancarada e deslavada às cidades, de incompreensível incremento à expansão das grandes urbes (MENNUCCI, 1934, p.52).

5 Alguns intelectuais desse movimento estiveram no Brasil, como, por exemplo, Leon Walther, Helena Antipoff, e ÉdouardClaparède, esse último não conseguiu efetuar sua visita porque quando seu navio atracou na costa brasileira a Revolução de 1930 estava em curso, e nesse cenário, não foi permitida seu desembarque em terras brasileiras (MONARCHA, 2009).

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A presente dissertação pretendeu discutir esse posicionamento de Mennucci e também procurou investigar em quais contextos esse debate se inseriu.

III. Fontes

Essa pesquisa é resultado de uma trajetória de investigação iniciada ainda na minha graduação na Universidade Federal de Ouro Preto. No início, as fontes que analisava restringiam-se a uma ata de fundação do Banco Agro Escolar em 1937, filiado ao Clube Agrícola Escolar do colégio Dom Benevides, da cidade Mariana, Minas Gerais. Nesse momento inicial de pesquisas, eu não tinha muitas informações sobre o que se tratava, ou como trabalhar com os elementos contidos naqueles documentos. Com o objetivo de encontrar aberturas para começar uma pesquisa, iniciei algumas leituras sobre o tema de educação e agricultura. Em uma dessas leituras deparei-me com o nome de Sud Mennucci e o ruralismo pedagógico, tal fato, me motivou a aprofundar na pesquisa sobre esse intelectual e suas ideias acerca da educação. Dessa maneira, essa dissertação foi delimitada pelo contato com algumas fontes encontradas durante essa trajetória de investigação.

Dentre a documentação utilizada nessa pesquisa foram utilizados diversos artigos de jornais relacionados à Sud Mennucci, dentre os quais merecem destaque uma série de 18 textos publicados no Diário de São Paulo e no O Estado de S. Paulo no ano de 19297, em que Sud Mennucci e Renato Jardim8 discutiram publicamente assuntos relacionados à educação. A notoriedade desses artigos é evidenciada devido à repercussão no meio educacional, já que esses textos foram republicados no ano seguinte na Revista do Ensino de São Paulo e uma seleção de alguns desses artigos constituiu o livro A Escola Paulista (1930).

Outro conjunto de fontes consultado foi o periódico do Centro do Professorado Paulista9 a Revista do Professor, ambas dirigidas por Sud Mennucci. Os periódicos aqui analisados foram publicados durante 1934 até 1939, compondo vinte e

7 Alguns desses artigos estão disponíveis para a consulta no site do arquivo histórico do jornal O Estado

de S. Paulo. Mas, primeiramente, obtive acesso à esses tartigos, por intermédio da professora Ana Clara

Bortoleto Nery que, gentilmente, cedeu do seu arquivo pessoal fotocópias desses textos.

8 Renato Jardim foi um intelectual que trabalhou, tal como Mennucci, em jornais e como professor. Chegou a ser diretor da instrução pública da capital do Brasil – Rio de Janeiro – em 1926, gestão que antecedeu a direção de Fernando de Azevedo (NERY, 2009).

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duas edições10. Essas revistas, como está exibido no decorrer do texto, constituíram em

um importante meio de disseminação das formulações políticas e educacionais do intelectual, fornecendo a possibilidade de entender quais foram suas defesas e propostas.

Além disso, constituíram como fontes, diversas obras de autoria de Sud Mennucci, entendendo-as como um espaço de sistematização do seu ponto de vista pedagógico.

Outro documento explorado foi o próprio Curriculum Vitae11 de Sud Mennucci, que, em conjunto das informações obtidas em livros e textos que versam sobre o intelectual, colaborou com a delimitação dos espaços de atuação e convívio em relação a sua carreira profissional.

Também foram examinadas outras revistas e livros sobre educação publicados no começo do século XX. Essas fontes complementares colaboraram na busca por reverberações e polifonias no debate educacional.

Nesse ímpeto de procurar desdobramentos no debate educacional, foi importante o trabalho com alguns decretos e leis aprovadas no período, que expuseram determinadas intervenções políticas de Sud Mennucci12.

IV. Definições sobre o aparato teórico-metodológico

Esse estudo procurou demarcar um determinado arcabouço teórico que colaborasse com as discussões sobre o percurso de Sud Mennucci no universo político e educacional entre os anos de 1920 e 1930. Para tanto, a análise se divide em três campos temáticos, pois para descrever a trajetória do intelectual foi preciso estruturar definições que melhor delimitassem a sua ação no meio social, ponderando sobre sua inserção pública através do debate político e no contexto histórico brasileiro, assim definiu-se, como necessário, a seguinte divisão: intelectuais e sociabilidade, discurso político e suas variações e modernidade e modernismo no Brasil.

10 A revista está disponibilizada no acervo da Biblioteca Professor Sólon Borges dos Reis do Instituto de

Estudos Sud Mennucci filiado ao Centro do Professorado Paulista.

11 Documentação gentilmente cedida pelo professor Carlos Monarcha.

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Intelectuais e sociabilidade

Para entender as ações do educador paulista no interior da teia social foram utilizadas as proposições de Jean-François Sirinelli e suas formulações sobre a História Intelectual. Tal emprego teórico ocorreu principalmente porque os apontamentos desse historiador colaboraram para a compreensão das relações, convivências e disputas entre sujeitos no meio social. Sirinelli afirma que recentemente o panorama dos estudos históricos que visam compreender os jogos discursivos políticos, os microcosmos, o sujeito e sua atuação social, fizeram com que a categoria intelectual ganhasse novamente um maior espaço nas elaborações do historiador. O pesquisador relata que no passado as análises historiográficas voltadas para o estudo dos intelectuais não eram flexíveis para apreciações mais profundas desse conceito. Defende, assim, um novo desdobramento para as pesquisas, valorizando a redução da escala de análise como também a revisão do que seria um recorte temporal na pesquisa histórica, em suas análises a década volta a ser uma baliza valiosa para a História Intelectual (SIRINELLI, 2003, p.231-271), reforçando, dessa maneira, a escolha dessa dissertação em trabalhar apenas entre as décadas de 1920 e 1930.

Outro aspecto fundamental para compreensão do intelectual está na revisão da sua conceituação analítica. Sirinelli produz uma distinção da conceituação denominada História dos Intelectuais em favor da História Intelectual, segundo o autor

[...] para não ficar restrita apenas à abordagem das grandes correntes de pensamento, [ela] rapidamente tomou como objeto, além do estudo dos pensamentos construídos, o da articulação, em uma sociedade, entre estes e as percepções individuais ou coletivas, expressas em registros menos elaborados e, pois, os fenômenos de circulação, impregnação e enraizamento (SIRINELLI, 2004, p.15).

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que os sujeitos se sociabilizam, ganham preponderância na compreensão da atuação no meio social do intelectual.

As redes são utilizadas como um conceito para organização do campo intelectual, assim, a abordagem sobre a figura de Sud Mennucci procurou demarcar quais eram seus parceiros, suas inimizades, seus vínculos e tomadas de posição, além de colaborar para um melhor entendimento da circulação e recepção das propostas educacionais do intelectual.

Nessa corrente analítica também estão presentes os apontamentos de Carlos Eduardo Vieira (2011). Em seu estudo sobre Erasmo Pilotto, Vieira construiu uma conceituação mais refinada sobre os intelectuais no meio educacional brasileiro. O historiador procurou observar três campos de atuação do intelectual, para ele

[...] a formulação conceitual [sobre o intelectual] incide sobre os seguintes aspectos: a identidade e o sentimento de missão dos intelectuais, bem como as crenças na modernidade e no protagonismo político do Estado (VIEIRA, 2011, p.25).

Essas três características apontadas por Vieira serão recorrentes nas abordagens sobre as ações perpetradas por Mennucci, compondo, dessa maneira, um importante norte para compreensão do contexto histórico no qual o educador vivenciava.

Em relação à ação intelectual de Mennucci também são válidos os apontamentos de Quentin Skinner. Esse historiador britânico pertence à linha de pensamento conhecido como contextualismo linguístico proveniente da escola de Cambridge. Skinner em seu texto Significação e Compreensão na História das Ideias (2005)13, refletindo sobre as interpretações das obras dos autores clássicos, fez uma

crítica às abordagens que procuram compreensões e significações apenas nos próprios textos, o que Skinner denomina de textualismo, para o historiador

[...] não é possível estudar apenas aquilo que um escritor ‘disse’ (especialmente numa cultura que nos é estranha) sem que tal ponha em causa as nossas próprias expectativas e os nossos preconceitos acerca do que eles estarão a dizer (2005, p.82).

Skinner constrói uma abordagem que tende a procurar comparações com outros textos e obras para buscar uma determinada intertextualidade presente no mesmo período. O

13 Texto escrito em 1969 para a revista History and Theory com o título Meaning and Understanding in

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historiador também enfoca na intenção do sujeito ao escrever, o que ele chama de atos de fala, para o autor só é possível compreender o significado e sentido de uma enunciação a partir de uma abordagem que visa recuperar o cenário em que ela foi efetuada. Por isso, sua abordagem é o contexto como forma de análise. Segundo Skinner

[...] devemos tentar apanhar não apenas o que as pessoas estão a dizer, mas também o que eles estão a ‘fazer’ quando afirmam [...] para além de tentar descortinar o significado do que eles disseram, devemos ao mesmo tempo procurar compreender o que é que eles queriam dar a entender com aquilo que estavam a afirmar (SKINNER, 2005, p.117).

Dessa maneira, Skinner criou uma metodologia de pesquisa para melhor entender as projeções existentes nas expectativas dos discursos, dando ênfase assim, no futuro pretendido pelos intelectuais do passado. Nessa condição definiu algumas mitologias que compuseram o fazer historiográfico sobre intelectuais por diversos anos. São elas:

a) mitologia da doutrina – os enunciados dos autores clássicos, mesmo que esparsos e ocasionais, são forçosa e sistematicamente enquadrados em “doutrinas”, construções típico-ideais do próprio historiador, que este atribui ao universo das crenças do autor estudado; b) mitologia da coerência – presume-se que o autor construiu (ou ao menos tentou construir) sistemas intelectuais fechados, em que todos os seus enunciados mantêm uma relação de coerência com os demais, o que impede o historiador de perceber as contradições entre os enunciados de um autor ou suas mudanças de concepção a respeito de certos temas; c) mitologia da prolepse – confunde-se o significado dos enunciados para o historiador com o significado para o autor, sendo este último negligenciado. O enunciado só revelaria seu significado no presente, conclusão que repousa sobre o contestável pressuposto teleológico de que a ação linguística precisaria esperar pelo futuro para revelar-se totalmente; d) mitologia do paroquialismo – seguindo padrões atuais de discriminação e classificação, o historiador, em face de um mundo passado que lhe é estranho, constrói uma identidade entre o universo mental do autor do passado e o seu próprio universo atual de crenças, produzindo uma falsa familiaridade entre culturas muito distintas (SILVA, 2010, p.307).

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Esses apontamentos metodológicos sobre os equívocos no trato da História Intelectual foram utilizados como balizas nos apontamentos sobre Sud Mennucci.

Assim, através dessa conceituação sobre o intelectual definem-se três enfoques sobre a trajetória de Mennucci. Primeiramente foram analisados quais foram seus contatos, sua circulação e atuação, buscando delimitar quais foram as redes de sociabilidade em que o educador participou nas décadas de 1920 e 1930. Em segundo, pretendeu-se traçar qual era cenário nacional daquele período, no que tange à produção cultural, política e intelectual, e como esse contexto era um reflexo e também uma produção de determinadas singularidades. Por último, foram examinadas quais foram as alegações de Mennucci, valorizando, assim, uma investigação sobre quais constituíram suas intenções14.

Discurso político e suas variações

Nesta parte teórico-metodológica é ponderado como Mennucci transitou no meio educacional e quanto sua produção bibliográfica representava a adesão a determinadas referências históricas. Frisando que a educação em seus múltiplos aspectos era reconhecida como veículo formador da alma brasileira, os projetos educacionais relacionavam-se profundamente com projetos de formação nacional. Segundo José Murilo de Carvalho “a busca de uma identidade coletiva para o país, de uma base para a construção nação, seria tarefa que iria perseguir a geração intelectual da Primeira República” (CARVALHO, 1990, p.32). No contexto educacional, e em tantas outras instâncias, esse ideal pode ser estendido ao período do Governo Vargas (1930 – 1945). O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 é um exemplo desse ideal formativo, pois procurava disseminar uma concepção de educação que induziria a

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consolidação de um projeto nacionalista. Portanto, é no contexto da formulação de projetos educacionais, que compreendiam uma mudança estrutural para o Brasil, que os discursos políticos de Sud Mennucci se inseriram.

Sobre a questão dos discursos políticos outro teórico do movimento do contextualismo linguístico da escola de Cambridge se destaca. J.G. A. Pocock em seus trabalhos procurou compreender como o discurso político vincula-se a uma expressão de seu contexto histórico. Mas, antes de tratar sobre essa abordagem e como ela colaborou com as análises pretendidas nessa pesquisa, é importante destacar o distanciamento da formulação de Pocock de algumas outras noções teóricas sobre essa temática.

Patrick Charaudeau em seu livro Discurso Político (2006) decompõe as estruturas presentes nas construções do discurso político. Mesmo que considere a influência do contexto histórico, sua abordagem procura descrever algumas articulações que transcendem a questão temporal. Charaudeau examinou as considerações relacionadas ao princípio de alteridade, de influência e regulação, como tantos outros detalhes que o discurso necessita para referendar-se como uma ação social. Também há apontamentos sobre as instâncias de produção discursiva, os valores, enfim, todas as características que fazem, segundo o autor, parte da fundamentação da mensagem política. Conforme Charaudeau a análise do discurso:

[...] não questiona sobre a legitimidade da racionalidade política, nem sobre as explicações causais, mas sobre os discursos que tornam possíveis tanto a emergência de uma racionalidade política quanto a regulação dos fatos políticas (2006, p.37).

Dessa maneira, defende a valorização de algumas características que precedem e legitima o pronunciamento político, uma espécie de estrutura que antecede e fundamenta a prática. Seus apontamentos são bastante frutíferos para quem se interessa por essa área de conhecimento, contudo sua abordagem não reputa as variáveis que essa conceituação possa sofrer motivada por alterações na história.

Os estudos na área da História ganharam importantes contribuições com os novos apontamentos e problemáticas provenientes da Linguística nas últimas décadas15, e muitos das propostas teóricas que surgiram são desdobramentos desse contato, mesmo

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assim, procurei utilizar das afirmações de J. G. A. Pocock que buscou entender o contexto como propulsor de significações para o discurso político.

Pocock compreende o discurso como um espaço constituído por expressões resultantes do contexto no qual ele foi proferido. Portanto, para o autor, o historiador que trabalha com os discursos políticos devem atuar como um arqueólogo, desenterrando e compreendendo as várias camadas históricas que compõe a enunciação. Para historiador,

[...] as camadas de contextos linguísticos que o nosso historiador-arqueólogo traz à tona são, portanto, de caráter muito heterogêneo. Algumas são linguagens da prática profissional, que, por alguma razão, entram na linguagem da política e se tornam idiomas no quais o discurso político é comumente realizado (POCOCK, 2003, p.70).

Portanto é no discurso político que se apoia essa pesquisa, compactuando com a afirmação de Pocock quando diz que:

[...] a palavra discurso fornece o meu ponto de partida. O conceito de uma linguagem implica, para mim [Pocock], que o que antigamente era conhecido — e por uma questão de convenção ainda é — como história do pensamento político, é agora mais precisamente descrito como história do discurso político (POCOCK, 2003, p.64).

A partir dessa noção da história do discurso político buscou-se perpetrar uma abordagem na produção de Sud Mennucci atento as várias camadas discursivas que compõe sua exposição. Como Pocock ressalta “nós esperamos encontrar uma linguagem

como contexto, não com texto” (POCOCK, 2003, p.64).

O contexto histórico em Pocock se assemelha ao conceito de repertório. No Brasil quem vem se destacando no uso desse conceito é Angela Alonso em seus estudos sobre os intelectuais e a atuação política durante o Império. A historiadora argumenta que o repertório seria algo próximo de uma experiência compartilhada, que funciona como balizas no convívio coletivo, a autora explica que:

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Alonso afirma que esses elementos funcionariam como uma espécie caixa de fermentas e que teriam uma função prática na sociedade. O repertório, portanto, deve

ser entendido como elementos culturais que balizariam as ações. Em relação à ideia de repertório, Luciano Mendes Faria Filho, trabalhando com a análise das apropriações e leituras promovidas das obras de Rui Barbosa, questiona:

[...] se os textos de Rui Barbosa teriam se constituído numa espécie de repertório cultural de uma época, entendido este como um conjunto de recursos intelectuais, ideais e práticas, disponíveis numa dada sociedade e em certo período de tempo (FARIA FILHO, 2012, p.15).

Assim, a partir dessas formulações, foram analisadas as produções de Sud Mennucci como uma espécie de comunicação de discursos políticos. Tal consideração se dá porque principalmente após 1930, Mennucci aproveitou-se de sua produção bibliográfica em livros, revistas e jornais como meio comunicativo para apresentação de seu projeto educacional ao grande público. Dessa maneira, quando assumiu cargos administrativos suas ações estiveram atreladas aos ideais já propalados anteriormente. Sua comunicação era uma estratégia de disseminação de um determinado discurso político que procurava angariar adeptos, através de argumentos convincentes, e legitima-lo como sujeito apto a construir propostas políticas educacionais.

Modernidade e modernismos no Brasil

O recorte temporal dessa pesquisa enquadra-se em um momento de profícua produção científica, alavancada pelo desenvolvimento material e pela especialização da industrialização. Uma fase de intensa reflexão sobre as ideias de Modernidade e seus desdobramentos.

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Ficamos pobres. Abandonamos uma depois de outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo de seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do ‘atual’ (BENJAMIN, 1994, p.119).

Benjamin escreve esse texto para discutir sobre a pobreza da experiência incomunicável adquirida pela humanidade após a traumática I Guerra Mundial. Sua crítica é embasada no desenvolvimento técnico que a carnificina da guerra se utilizou, para ele

[...] uma geração que ainda fora à escola em bonde puxado por cavalos viu-se abandonada, sem teto, numa paisagem diferente em tudo, exceto nas nuvens, e em cujo centro, num campo de forças de correntes e explosões destruidoras, estava o frágil e minúsculo corpo humano. Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica, sobrepondo-se ao homem (BENJAMIN, 1994, p.114-115).

Para autor a crise motivada pelo progresso, deveria ser ponderada através de uma revalorização das experiências regressas, defendendo sua reincorporação nas reflexões sobre o presente e o futuro.

Em uma distinta compreensão sobre o desenvolvimento científico, outros pensadores acreditavam na redenção da humanidade por esse meio. Este é o caso do historiador Hendrik Van Loon, holandês radicado nos Estados Unidos, que em 1928 escreveu História das Invenções: O homem, o Fazedor de Milagres. Sua defesa é que a humanidade através do desenvolvimento científico alcançaria um estágio superior de

aproveitamento da vida, para ele “todas as invenções já idealizadas têm por objetivo principal auxiliar o homem na sua louvável luta de passar pela vida com o máximo de

prazer em troca do mínimo esforço” (VAN LOON, 1961, p.47). Van Loon elogiando o desenvolvimento técnico, aponta para o passado como representante de um estágio propulsor à mudança, o autor afirma que:

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Significa, somente, que não multiplicamos suficientemente. É esta a tarefa que nos espera (VAN LOON, 1961, p.281)16.

Embora distantes em suas análises, Benjamin e Van Loon interpretavam o passado como forma de justificar determinada leitura sobre o presente e - ao gosto moderno do início do século XX – também sobre o futuro.

Trata-se de interpretações distintas daquilo que Reinhart Koselleck (2006) denominou de espaço de experiência e horizonte de expectativa. Assim o espaço de experiência é definido como as percepções do passado que estruturam a história, as bases pretéritas do conhecimento. Koselleck diz que, diferente da Idade Média, com o desenvolvimento progressista do período Moderno o conceito espaço de experiência perdeu importância para o horizonte de expectativa. Com o advento das compreensões em torno do progresso, do novo, do científico embasado em um porvir possivelmente melhor do, então, presente, fizeram que o olhar do homem ocidental fixa-se no futuro como busca de sua redenção17.

Walter Benjamin e Hendrik Van Loon auxiliam a observar que esse ideal moderno não era homogeneizador e que as relações com o passado e o futuro distinguiam conforme as interpretações e os contextos de cada sujeito. Em uma observação sobre a Modernidade, Marshall Berman aponta que:

Ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição. É sentir-se fortalecido pelas imensas organizações burocráticas que detêm o poder de controlar e frequentemente destruir comunidades, valores, vidas; e ainda sentir-se compelido a enfrentar essas forças, a lutar para mudar o seu mundo transformando-o em nosso mundo. É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades de experiência e aventura, aterrorizado pelo abismo niilista ao qual tantas das aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda quando tudo em volta se desfaz (BERMAN, 1986, p.13-14).

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Dessa maneira, podem-se relacionar essas questões do moderno sobre a valorização do futuro e/ou retomada do passado. No Brasil, com o início do governo republicano, as aspirações políticas passavam pela necessidade de introduzir o Brasil aos trilhos do progresso dos países mais abastados ocidental, dessa maneira, criou-se a necessidade de refletir sobre o passado e o futuro da nação. Para tal feito buscava-se compreender projetos de possíveis Brasis que fomentassem um imaginário de restruturação e organização da nação. Nesse contexto, era de primeira importância traçar elementos constituidores de concepções de identidade nacional18.

Nos debates dos historiadores, essas discussões sobre o conceito de nacionalidade e identidade tiveram grande importância, destacando-se as conjecturas apresentadas por Roberto Schwarz com o conhecido texto As ideias fora do lugar escrito em 1973. Schwarz argumentou que, durante o segundo reinado brasileiro, alguns conceitos de origem estrangeira, como o Liberalismo, foram utilizados no cotidiano de forma destorcida. O autor procurou discutir as características do Brasil sobre a ótica do paradoxo cultural, por um lado ele constatou que a escravidão foi a principal forma de exploração de trabalho e que as elites locais apresentava em sua cultura social uma forte tendência ao clientelismo e paternalismo — o que o Schwarz chamou de cultura do favor —, por outro lado, apreciava as proposições do liberalismo europeu. O autor constatou uma determinada distância entre uma valorização discursiva do ideário liberal

e uma prática social distinta, dizendo que “ao longo de sua reprodução social, incansavelmente o Brasil põe e repões ideias europeias, sempre em sentido impróprio”

(1992, p.29). O sentido impróprio é fruto de uma lógica singular brasileira. Esse tema levantado por Schwarz reverberou e ainda reverbera em um debate profícuo dentro do meio historiógrafo19.

A polêmica envolvendo Schwarz é que para ele no Brasil não houve, pelo menos até o segundo reinando, uma reflexão teórica e interpretativa autônoma do lado de cá do atlântico. Nas palavras do autor

18 José Murilo de Carvalho em A Formação das Almas (1990) diz que, principalmente na era Vargas, as noções de identidade nacional foram recuperadas de fatos históricos ocorridos no período colonial, uma clara tentativa de negar as reminiscências imperiais — o passado a ser esquecido —, como constituidoras da ideia de nação. Para além da analise encontrada em Carvalho (1990), nota-se que essas questões sobre a reformulação da identidade nacional era fundamentada pela recapitulação no passado de traços culturais que referenciariam um determinado projeto de nação.

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[...] no fastígio em que estava ela, Europa, e na posição relativa em que estávamos nós, ninguém no Brasil teria a ideia e principalmente a força de ser, digamos, um Kant do favor, para bater-se contra o outro (SCHWARZ, 1992, p.17, grifo meu).

Nesse sentido, “adotadas as ideias e razões europeias, elas podiam servir e muitas vezes

serviram de justificação, nominalmente ‘objetiva’, para o momento de arbitro que é a

natureza do favor” (SCHWARZ, 1992, p.18).

Essa discussão sobre as ideias fora do lugar repercutiram por toda essa pesquisa, pois como será exibido, recorrentemente, existe no discurso de Sud Mennucci um posicionamento contrário à importação de pressupostos pedagógicos estrangeiros.

Bernardo Ricupero (2007), em seu trabalho sobre o movimento ensaísta do começo do século XX, conjectura sobre esse transito conceitual e diz que:

[...] num sentido mais amplo, as colisões entre referências intelectuais importadas do centro capitalista e o ambiente social do capitalismo periférico tem sido, ao longo da história brasileira, um dos mais poderosos impulsos para a mudança no país (RICUPERO, 2007, p.45).

O movimento ensaísta do começo do século XX é considerado um importante momento em relação às analises brasileiras sobre sua própria história. Nesse contexto surgiram as publicações de Gilberto Freire, Sergio Buarque de Holanda, Oliveira Vianna e tantos outros que buscavam no começo do século XX pensar o Brasil com uma visão um pouco mais autônoma.

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[...] sujeito ‘entre dois mundos’, capaz de produzir leituras, intepretações e sínteses no movimento de mão dupla, no qual circulam elementos, ou fragmentos das culturas em contato. Ele não apenas promove a circulação, ou trânsito, como também produz novas configurações culturais dele resultantes (FONSECA, 2012, p.307).

O importante é que esse sujeito assuma a função de promover mestiçagens culturais, pois segundo Gruzinski:

[...] podemos dar um passo mais adiante ao estender a categoria de mestiços a todos os indivíduos que assumem o papel de passeurs entre as sociedades e entre os grupos. Eles podem ser europeus ou não-europeus, ou seja, ameríndios, africanos e asiáticos. Podemos dar outro passo mais à frente ao estudar a maneira como os europeus americanizam-se, africanizam-se ou orientalizam-se (GRUZINSKI, 2003, p.338).

Contudo, importante notar, que Grusinski estruturou seus aportes para pesquisas no período colonial das Américas. Para o autor esse choque de mestiçagem cultural ocorre apenas quando duas matrizes culturais plenamente distintas se encontram pela primeira vez, como se fossem dois mundos distintos. Depois disso as alterações ocorridas nesse novo caldo social podem ser consideradas apenas como hibridismos culturais. Esse seria o caso, por exemplo, das adaptações da Escola Nova pelo mundo ocidental. No começo do século XX já havia uma determinada aproximação entre as culturas ocidentais, contudo algumas distinções regionais promoveriam hibridações. Essas conjecturas sobre mediadores são utilizadas no decorrer dessa pesquisa para compreender essas relações na própria trajetória de Mennucci.

Em relação às culturas híbridas na América Latina, um dos trabalhos mais destacados é de Néstor Canclini em seu livro Culturas Híbridas. Segundo o autor:

[...] nem o ‘paradigma’ da imitação, nem da originalidade, nem a ‘teoria’ que atribui tudo à dependência, nem a que preguiçosamente nos quer explicar pelo ‘real maravilhoso’ ou pelo surrealismo latino-americano, conseguem dar conta de nossas culturas híbridas (CANCLINI, 1998, p.24).

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eles buscaram já no começo do século XX se emancipar dessa relação desigual de trocas de abordagem historiográficas20.

É fato que esses autores estavam inseridos em um contexto cultural brasileiro muito peculiar, esses intelectuais conviveram de perto com o movimento artístico organizado no entorno da Semana da Arte Modernidade de 1922, no qual conglomerou inúmeros artistas que militavam, através da arte, um mergulho na cultura brasileira. O movimento modernista brasileiro se espalhou rapidamente para quase todo o país, diversos grupos regionais surgiram propondo uma forma singular de analisar e produzir uma arte genuinamente brasileira. Entretanto, essa genuinidade não significava um insulamento brasileiro. Vide o afamado Manifesto Antropofágico de 1928 de

Oswald Andrade, com sua clássica frase “Tupy, or not tupy thats is the question”,

argumentava em defesa da poesia brasileira como sendo um centro catalisador e aglutinador das produções artísticas e intelectuais mundiais. A antropofagia defendia pelos modernistas era um tipo de canibalismo cultural que ambicionava amalgamar diversos movimentos artísticos e culturais de todo o mundo, com o objetivo de construir, a partir dessa mistura, uma produção legitimamente brasileira. Esse traço aglutinador parece ser uma das marcas culturais brasileiras, uma prova daquilo que Schwarz define como sendo

[...] a sensação que o Brasil dá de dualismo e factício — contrastes rebarbativos, desproporções, disparates, — anacronismos, contradições, conciliações e o que for — combinações que o Modernismo, o Tropicalismo e a Economia Política nos ensinaram a considerar (SCHWARZ, 1992, p.21).

Esse trânsito cultural do externo com interno foi claramente notável no movimento modernista. A grande maioria dos pintores brasileiros passaram temporadas fora do Brasil apreendendo novas técnicas que posteriormente foram trazidas para cá, no entanto, esses artistas não apenas reproduziram as técnicas e as expressões de fora, produziram também uma forma mestiça de arte. Ressalta-se o caso do pintor Lasar Segall, natural da Lituânia, mudou-se para o Brasil no começo do século XX e teve sua produção artística fortemente influenciada pelas cores e luzes do modernismo brasileiro (FADEL, 2006).

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Essa temática sobre a formação de uma cultura nacional estava em voga nesse período. No Brasil havia uma forte noção de que o só alcançaríamos o estatuto de um país Moderno se houvesse uma consolidação e construção de uma brasilidade cultural. Assim, em uma sociedade multifacetada, fragmentada, que reverenciava um ideal moderno europeu e que convivia com traços profundamente antimodernos — como é o caso da cultura do favor —, havia uma pequena elite intelectual que se questionava sobre quais os caminhos o país precisa percorrer para se tornar verdadeiramente uma nação moderna. Através desse ímpeto diversos artistas e intelectuais produziram propostas interpretativas sobre o que éramos e o que queríamos ser.

Nesse contexto a escola pública foi considerada como uma das principais instituições sociais capaz de fundamentar as bases propositivas de uma cultura moderna e amplamente nacional. O debate político-pedagógico inseria-se nessas discussões por meio de grupos e intelectuais que produziam e defendiam a aplicação de determinados projetos educacionais estruturantes para o Brasil. Essas abordagens dos intelectuais da educação, de certa maneira, relacionavam-se com algumas aflições existentes também nos ensaístas — que procuravam produzir obras que interpretassem o Brasil de uma forma singular —, como também nos artistas do modernismo — que se manifestavam em busca da uma expressão artística que fosse o símbolo de uma produção nacional.

Assim, essa pesquisa procurou entender como Sud Mennucci se inseriu no debate educacional munido de determinadas concepções sobre o Brasil e como sua proposta de um ruralismo educacional referendava uma peculiar visão sobre a história, o presente e o futuro do país.

Desse modo, no primeiro capítulo tratou-se da trajetória profissional de Mennucci, visando traçar quais foram os grupos, as instituições que pertenceu e como atuou no cenário educacional do período. Destaca-se também uma análise dos embates intelectuais causados por Mennucci, ressaltando o conflito de 1929 com Renato Jardim. A intenção nesse capítulo da dissertação foi examinar algumas aproximações e definições políticas que o educador tomou entre os anos de 1920 e 1930.

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foram importantes para compreensão de determinadas linhas do pensamento político brasileiro.

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32 1. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL DE SUD MENNUCCI

No esforço de encontrar indícios sobre a trajetória de Sud Mennucci, deparei-me com uma fonte histórica um tanto quanto inusitada, o seu Curriculum Vitae, escrito em 194621, contendo diversas informações sobre sua carreira profissional. Este documento será abordado do ponto de vista de sua construção discursiva, entendendo que a produção de um currículo parte de um pressuposto que se pode denominar atualmente de marketing pessoal: no texto não é exposto o lado negativo da experiência profissional, como conflitos, demissões, desistências e oposições. Mesmo nessas circunstâncias, esse documento constituirá em uma das principais fontes consultadas, já que o objetivo desse estudo é buscar entender as estratégias articuladas pelo intelectual para construção de sua autoimagem.

A primeira estratégia exibida em seu currículo é a própria escrita, realizada na terceira pessoa do singular. Nessa condição, existe um narrador que descreve a trajetória do intelectual, há uma construção textual que propõe apresentar dados oferecendo lisura e neutralidade para o leitor, como se houvesse isenção de Mennucci em relação ao conteúdo descrito. Outro fato é que o narrador do documento recorrentemente enaltece algumas das experiências de Mennucci22, como, por exemplo,

na seguinte passagem:

[...] logo após o curso primário, realizado no Grupo Escolar ‘Morais Barros’, diplomou-se pela antiga Escola Complementar de sua cidade natal, na turma de 1908. Essa escola, que se transformou, em 1911, em Escola Normal, concedia o título de habilitação para o ensino primário. S. M. [Sud Mennucci] não tem outro título de formação intelectual ou profissional, o que prova que é um autodidata autêntico (MENNUCCI, 1946, p.3).

A formulação autodidata autêntico consolida a estratégia construída pelo narrador do documento em tecer opiniões favoráveis sobre as experiências de Mennucci. Nesse trecho o estratagema foi interpretar um possível problema — a falta de formação universitária — em elogio — um autodidata autêntico.

21 Apenas dois anos antes de sua morte.

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Sud Mennucci, em um relato para o livro Testamento de uma Geração, de Edgar Cavalheiro (1944), também descreveu seu processo de formação, só que desta

vez o texto foi escrito na primeira pessoa do singular: “Não tive curso de formação

superior. Precisei fazer-me sozinho, sem professor nem guia, tateando à procura das

‘verdades’ que os outros estudavam e discutiam na escola” (MENNUCCI, 1944, p.247).

Dizia que sua vontade era formar-se em Engenharia, mas devido a problemas financeiros de seu pai, não pôde realizar essa vontade e contentou-se com a carreira de magistério.

Por volta de 1910, iniciou sua atuação como docente em Cravinhos, cidade do interior paulista. Nos anos seguintes colaborou em Belém do Pará com a reelaboração do ensino na Escola de Aprendizes Marinheiros do Brasil. Retornou para o interior de São Paulo, atuando como professor em Porto Ferreira, alcançando, posteriormente o cargo Delegado Regional de Ensino em 1920 na cidade de Campinas. Em 1925 afastou-se do ensino e foi trabalhar na capital do estado como redator do jornal Estado de S. Paulo. Essa experiência na docência o autorizou, como jornalista, a escrever sobre assuntos relacionados à educação. No início da década de 1930, fundou, em parceria de Máximo Moura Santos23, o Ginásio Paulistano, porém abandonou a sociedade poucos anos depois. Outro importante envolvimento de Mennucci com a educação ocorreu em parceria de diversos intelectuais da educação, tais como Amadeu Mendes24 e Cymbelino de Freitas25, quando fundaram o Centro do Professorado

Paulista (CPP) em 1930. O currículo traz outras informações sobre a atuação do educador paulista fora do estado de São Paulo, dando ênfase principalmente às atividades posteriores a 1930, quando iniciou as divulgações de seus ideais sobre educação rural. Assim constam os convites a eventos, cursos em escolas, inauguração de escolas Normais, palestras em congressos, enfim, diversas ações relacionadas à educação por todo o Brasil.

Concomitante à docência, Mennucci colaborou desde seus dezesseis anos com artigos para diversos periódicos, destacando-se os jornais Comércio de São Paulo, Jornal do Comércio, Correio Paulistano e Estado de S. Paulo, além das revistas Vida

23 Nas fontes pesquisadas não foi possível localizar quem foi Máximo Moura Santos, a recorrência de seu nome só ocorreu atrelado a questões sobre essa sociedade.

24 Amadeu Mendes foi Diretor da Instrução Pública de São Paulo entre 1927 e 1930, sua administração foi antecedida pelo polêmico Pedro Vos e sucedida por Lourenço Filho (NERY, 2009, p.98-117).

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Moderna, Cigarra e Revista do Brasil. No Rio de Janeiro colaborou com as revistas Careta, Fon-Fon, Terra de Sol e com o Jornal do Brasil. Mas foi em 1925, quando mudou-se para a cidade de São Paulo, que sua carreira como jornalista ganhou impulso. Na capital do estado na redação do jornal Estado de S. Paulo. A biografia de Sud Mennucci escrita por seu neto Ralph Mennucci Giesbrecht (1998) fornece detalhes sobre os trâmites da contratação de seu avô pelo jornal. Segundo o biógrafo, Julio Mesquita Filho26 havia o convidado para assumir o cargo de redator nos fins de 1924, convite recusado, a princípio. Em janeiro de 1925, Mesquita Filho refez o convite em uma carta, transcrita na biografia:

O ‘Estadão’ é uma empresa que não morre, o que já não acontece com os que nele trabalham. Os que o dirigem hoje, amanhã não mais existirão. Você é, dentre os rapazes da minha geração, o único que eu vejo — quando penso nisso — nas condições de tomar-lhe um dia, a direção. Tem V. o talento equilibrado e profundo que requer a chefia de uma casa como esta (GIESBRECHT, 1998, p.36).

Desta vez Mennucci não recusou a oferta e mudou-se para São Paulo. Em 1927 fundou, juntamente com Américo Rego Neto e Maurício Goulart27, a revista Arlequim, uma publicação de atualidades, bem ao gosto do modernismo paulista, mas que circulou por apenas dois anos. Essa atuação no meio jornalístico o credenciou para assumir a direção da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo em 1931, cargo que manteve, com alguns intervalos, até o fim da vida. Dentre outras atividades na imprensa no ano 1931, destaca-se o cargo de diretor do jornal pró-varguista O Tempo e do Jornal do Estado28, além de tornar-se diretor-superintende do jornal Estado de S. Paulo, entre 1943 e 1945. Nesse período a família Mesquita perdera o controle do tabloide que estava sob intervenção da União. Nessas circunstâncias, Sud Mennucci foi indicado pelo Estado para direção do jornal. Tal fato causou grande consternação na família Mesquita, a admiração apresentada na carta de 1925, transformou-se, rapidamente, em antipatia. Quando Vargas foi desposto, em 1945, o jornal voltou ao controle da família em um contexto conflituoso, pois nessas circunstâncias, o periódico iniciou uma campanha

26 Julio Mesquita Filho foi herdeiro do jornal que naquela época ainda estava sob direção de seu pai. Mesquita Filho teve uma ação destacada na política, principalmente na Revolução Constituinte de 1932, em São Paulo, apoiando o movimento e fazendo do seu jornal um porta-voz dos revolucionários paulistas. Na educação, Mesquita Filho foi um dos signatários do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Para mais informações conferir PONTES (2010) e CAPELATO (1989).

27 Ambos jornalistas no período.

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