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4.4. Efeito dos inibidores de proteases sobre a ultraestrutura dos trofozoítos de G.

4.4.3. Efeito dos inibidores de serina-proteases

No que diz respeito aos ensaios com o inibidor leupeptina, o tratamento das culturas com a menor concentração (10 µM) revelou alterações ultraestruturais mais discretas que foram observadas em todos os períodos de incubação estudados (Figura 19). À semelhança dos ensaios com os inibidores de cisteína-proteases avaliados nessa mesma concentração, as alterações mais frequentes consistiram na modificação da forma celular, deslocamento dos axonemas e presença de espaços claros na matriz citoplasmática compatíveis a "buracos" ou "fendas". Após 72 horas de tratamento, condensação periférica da cromatina foi visualizada nos trofozoítos recuperados. Aumentando-se a concentração da leupeptina para 100 µM (Figura 20), os trofozoítos apresentaram vesículas periféricas repletas de conteúdo eletrodenso e um grande vacúolo próximo ao disco adesivo, além de marcante desorganização do conteúdo citoplasmático após 24 horas. A partir de 48 horas, além dessas alterações, corpos lamelares foram observados no citoplasma e em algumas células o disco adesivo apresentou-se internalizado ou levemente fragmentado. Somadas a essas alterações, ao final de 72 horas, também foram observadas células disformes com ondulações na membrana celular e apresentando disco adesivo fragmentado.

Quanto ao TLCK, as alterações morfológicas induzidas após exposição das culturas à concentração de 10 µM durante 24, 48 e 72 horas foram caracterizadas principalmente pelo deslocamento dos axonemas flagelares e pela presença de espaços vazios no citoplasma. A exposição ao inibidor durante 48 e 72 horas revelou, ainda, um aumento no tamanho das vesículas periféricas em comparação às culturas não tratadas e a formação de bolhas ("blebs") na membrana plasmática. Início da condensação da cromatina foi evidenciado após 72 horas de exposição ao inibidor (Figura 21). Nos ensaios empregando TLCK a 100 µM, os trofozoítos exibiram as mesmas alterações ultraestruturais demonstradas após exposição a 10 µM.

5. DISCUSSÃO

O interesse dos pesquisadores por novos compostos a serem empregados no tratamento da infecção por Giardia aliado às evidências de que as proteases estão envolvidas em processos biológicos vitais do organismo e em mecanismos relevantes da interação parasita-hospedeiro têm estimulado o desenvolvimento de pesquisas com o propósito de investigar o potencial dessas enzimas como alvos para novos quimioterápicos. Além disso, o fato de que nos seres vivos as proteases são naturalmente reguladas por inibidores específicos tem feito com que essas substâncias sejam avaliadas quanto à atividade antiparasitária.

No presente estudo, ao avaliarmos a atividade de inibidores sintéticos de proteases sobre trofozoítos de Giardia, pôde-se verificar um melhor desempenho dos inibidores de cisteína-proteases quanto à capacidade de reduzir as taxas de crescimento, aderência e viabilidade e induzir alterações estruturais marcantes. Essa observação reforça informações prévias, inclusive obtidas em estudos anteriores realizados por nosso laboratório, nos quais demonstramos que a proteólise nos trofozoítos de Giardia está associada, principalmente, à atividade de cisteína- proteases47,61.

Assim no que se refere aos ensaios de crescimento, foi possível constatar que nas concentrações de 50 e 100 µM, os inibidores específicos de cisteína-proteases, IAA e E-64, promoveram acentuada redução do número de organismos. Entretanto, taxas de até 99% de inibição do crescimento foram detectadas apenas nos ensaios com IAA. Além disso, o efeito induzido por esse inibidor sobre a multiplicação dos parasitas foi similar àquele observado nos cultivos expostos ao metronidazol, droga de escolha para o tratamento da giardíase.

Tanto a IAA quanto o E-64 são inibidores irreversíveis de baixo peso molecular que atuam sobre as catepsinas pertencentes ao clã CA, as quais representam a classe mais abundante de cisteínas expressas no genoma de Giardia. Além de ambos

os inibidores apresentarem atividade sobre as catepsinas B, IAA e E-64 atuam de forma específica sobre as catepsinas C e catepsinas H e L, respectivamente88.

Apesar desses inibidores apresentarem algumas características em comum quanto à atividade sobre as cisteína-proteases, diferenças em relação aos efeitos produzidos sobre o crescimento dos trofozoítos foram observadas. Uma explicação plausível para esse resultado poderia estar associada ao caráter hidrofílico do inibidor E-64, característica que reduz a sua permeabilidade e interfere na efetiva penetração através das membranas celulares que são de natureza lipoprotéica91. Sendo assim, é provável que a atuação do E-64 tenha se restringido principalmente àquelas cisteínas presentes na superfície celular.

Estudos in vitro com E. invadens e E. histolytica, protozoários bioquimicamente semelhantes à Giardia, também evidenciaram, participação das cisteínas em etapas do seu ciclo biológico, sendo demonstrados bloqueios no desencistamento, no desenvolvimento metacístico e inibição do crescimento após exposição aos inibidores desse grupo de enzimas. Nesses estudos, os pesquisadores utilizando tanto o E-64 quanto o seu análogo permeável, E-64d, evidenciaram diferenças quanto ao potencial desses inibidores. Os melhores resultados foram obtidos nos ensaios com o E-64d, forma lipofílica do inibidor, já que essa característica confere à substância maior poder de dissolução nos meios biológicos92,93.

Quanto aos inibidores de serina-proteases, verificou-se que a antipaina e a leupeptina apresentaram semelhanças na redução do crescimento dos trofozoítos, mesmo que esse efeito tenha sido observado em tempos de incubação distintos. Maior inibição do crescimento ocorreu após 24 horas de incubação com a antipaina (71% a 200 PM), ao passo que para a leupeptina o mesmo aconteceu após 72 horas de exposição ao inibidor (79% a 200 PM). Embora esses inibidores apresentem uma especificidade similar, já que ambos inibem principalmente as serinas do tipo tripsina, vale ressaltar que essas substâncias, também, têm atividade sobre algumas cisteína-

proteases. Assim, além das catepsinas B, outras classes enzimáticas também podem ser alvo desses inibidores, como, as catepsinas A e D para a antipaina e H e L para a leupeptina88.

No que se refere a outro inibidor de serina-proteases avaliado no presente estudo, o TLCK apresentou-se menos efetivo na redução do crescimento dos trofozoítos. Dessa forma, a maior taxa de inibição (52%) foi observada após 48 h de exposição à concentração de 100 PM. Apesar de atuar de maneira não seletiva sobre as cisteína-proteases, acredita-se que esse efeito possa estar associado à ausência de atividade sobre as catepsinas, especialmente as do tipo B, enzimas expressas em maiores níveis nos trofozoítos de Giardia88. O efeito dos inibidores antipaina, leupeptina e TLCK sobre a multiplicação in vitro dos trofozoítos foi significativamente inferior ao observado nos cultivos tratados com o metronidazol.

Além da atividade sobre o crescimento, os inibidores de cisteína e serina- proteases foram avaliados quanto ao efeito sobre a capacidade de adesão dos trofozoítos. Nesses ensaios, observou-se que a IAA exerceu maior atividade sobre a aderência em relação aos demais tratamentos, sendo que após 48 horas de exposição a 50 e 100 PM, apenas 2% dos trofozoítos mantiveram-se aderidos à superfície dos tubos. Vale ressaltar que esse efeito foi estatisticamente similar ao evidenciado nos cultivos tratados com o metronidazol. Os demais inibidores, também, se mostraram efetivos na redução da aderência das formas trofozoíticas após 48 horas de incubação. As maiores taxas de inibição em ordem decrescente foram as seguintes: E- 64 (90%), leupeptina (84%), antipaina (77%) e TLCK (70%).

Diante das evidências disponíveis, tem-se postulado que um dos principais mecanismos patogênicos na giardíase envolve a adesão dos trofozoítos às células epiteliais. Além do mais, esse processo representa um evento crucial na colonização e manutenção da infecção, visto que os trofozoítos que não aderem à mucosa intestinal são eliminados juntamente com as fezes do hospedeiro94. Assim, várias teorias têm

sido propostas na tentativa de explicar a adesão dos trofozoítos de Giardia ao epitélio intestinal e entre elas destacam-se: (1) a força de sucção gerada abaixo do disco ventral pelo movimento do flagelo ventral e crista lateral95, (2) o processo mecânico associado às proteínas contráteis do disco ventral e franja ventrolateral96, (3) a natureza adesiva da franja ventrolateral13 e (4) as proteínas de superfície denominadas lectinas97. Embora ainda não se conheçam detalhadamente os mecanismos de citoaderência de Giardia, há evidências da participação de enzimas nos processos de reconhecimento e adesão do parasita às células do hospedeiro. Apesar de Giardia não ser um parasita invasivo, sabe-se que a aderência dos trofozoítos à mucosa do intestino delgado é condição essencial à sobrevivência do parasita e, consequentemente, ao estabelecimento da infecção35.

Recentemente, HERNÁNDEZ-SÁNCHEZ et al.35 demonstraram que clones de Giardia com deficiência na capacidade de adesão apresentam dificuldade em estabelecer a infecção no intestino delgado do hospedeiro. Ao contrário dos isolados selvagens, esses autores verificaram que tais clones não expressam uma proteína de superfície de 200 kDa, sugerindo que essa molécula possa estar envolvida no processo de adesão. Entretanto, ainda não é conhecida a natureza dessa proteína, nem a qual classe ela pertence.

Além das moléculas de adesão, a atividade de proteases excretadas e secretadas parece também estar envolvida na interação existente entre os trofozoítos de Giardia e as células epiteliais do intestino delgado. Estudos in vitro empregando inibidores de proteases têm demonstrado que o E-64 e o TPCK, inibem marcantemente tanto a aderência dos trofozoítos às células epiteliais quanto a atividade de proteases secretadas durante esse processo34. No entanto, até o momento, tanto os mecanismos envolvidos no processo de adesão quanto aqueles pelos quais as proteases participam da fisiopatologia da giardíase ainda não foram totalmente elucidados. Portanto, dada a importância da aderência na patogênese da

giardíase e a marcante redução observada no presente trabalho, particularmente para os inibidores de cisteína-proteases, pode-se dizer que a inibição desse mecanismo constitui uma estratégia terapêutica viável no combate a essa parasitose.

Para avaliar a toxicidade de uma substância sobre um determinado tipo celular, a viabilidade destaca-se como um dos principais parâmetros a ser considerado. Assim, a viabilidade de trofozoítos expostos aos mesmos inibidores de proteases e recuperados nos ensaios de crescimento e aderência foi determinada pelo método do MTT-Formazan. Considerando que este método foi padronizado para avaliar a viabilidade de células mitocondriadas, ainda há discussões sobre a utilização dessa metodologia em ensaios com microorganismos amitocondriados, como é o caso do protozoário Giardia. Nos organismos aeróbicos, o sal tetrazólico MTT é reduzido a cristais de formazan no interior das mitocôndrias devido à atividade de enzimas desidrogenases presentes nas células viáveis98. No que se refere à Giardia, ainda não há um consenso sobre quais são as enzimas responsáveis pela redução do MTT, no entanto, há evidências de que a ferrodoxina piruvato oxidorredutase presente nos trofozoítos e responsável pela ativação de determinadas drogas, inclusive do metronidazol, possa estar envolvida nesse processo99. A despeito dessas considerações, o método tem sido amplamente empregado nos ensaios de viabilidade em cultivos de protozoários amitocondriados como Giardia e E. histolytica e os resultados têm sido satisfatórios90,100.

No presente estudo, em relação aos inibidores de cisteína-proteases, a viabilidade dos trofozoítos recuperados nos ensaios de crescimento foi marcantemente reduzida pela IAA, em especial após incubação a 100 PM durante 72 horas, quando o efeito foi significativamente superior ao observado nos ensaios com o metronidazol. Já o E-64, apesar de também reduzir a viabilidade celular após 48 horas em 93%, diferentemente da IAA, não apresentou um efeito tempo dependente, nem tampouco semelhante ao metronidazol. Quanto aos inibidores de serina-proteases, pôde-se

observar comportamentos distintos em relação ao efeito sobre a viabilidade dos trofozoítos nos ensaios de crescimento. Entre essas substâncias, apenas a leupeptina apresentou atividade dose e tempo dependentes, sendo que a maior atividade foi registrada após 72 horas de exposição a 200 PM, quando apenas 31% das células estavam viáveis. Além disso, nos cultivos expostos à antipaina por 48 horas, as taxas de viabilidade foram próximas àquelas obtidas nos ensaios com metronidazol.

Analisando essa diversidade de efeitos dos inibidores sobre a viabilidade celular, no que diz respeito aos inibidores de cisteína-proteases, IAA e E-64, talvez a diferença entre essas substâncias seja, de fato, um reflexo das particularidades estruturais desses compostos. Como discutido anteriormente, é provável que a IAA apresente maior efeito tóxico sobre os trofozoítos devido ao seu caráter lipofílico, característica que o torna permeável às membranas celulares. Já em relação aos inibidores de serina-proteases, as diferenças evidenciadas quanto ao efeito sobre a viabilidade dos trofozoítos podem estar relacionadas às especificidades de cada uma dessas substâncias no que se refere às proteases-alvo.

Outra observação interessante deve-se ao aumento nas taxas de viabilidade dos trofozoítos, particularmente nos ensaios de crescimento, após 72 horas de exposição aos inibidores E-64, antipaina e TLCK. NOWAK et al.92, ao avaliar o efeito do E-64 sobre culturas de E. histolytica, verificaram que os trofozoítos foram capazes de conter o efeito tóxico após o tratamento ao desenvolverem resistência in vitro ao inibidor e que esta capacidade pode ser mantida inclusive por vários meses na ausência da droga. Vários mecanismos têm sido identificados como responsáveis pela resistência às drogas em protozoários parasitas, entre eles os mais comuns incluem a redução do influxo ou a aceleração do efluxo dos agentes terapêuticos92. Portanto, diante disso, pode-se pensar na possibilidade de que algum desses mecanismos tenha sido verificado no presente estudo, justificando a ocorrência de tais resultados.

Quanto à viabilidade dos trofozoítos nos ensaios de aderência, mais uma vez destacam-se os resultados obtidos com os inibidores de cisteína-proteases IAA e E- 64. Esses inibidores apresentaram maior efeito citotóxico sobre os trofozoítos, visto que após 48 horas, nenhuma célula viável foi detectada nos cultivos. Considerando que o desempenho desses inibidores foi similar, é possível que nesses ensaios, as características dessas substâncias quanto à permeabilidade não interferiram nos resultados. Assim, cabe especular aqui sobre a possível atividade desses inibidores, particularmente, sobre cisteína-proteases presentes na superfície do trofozoíto ou sobre estruturas do citoesqueleto que são relevantes no processo de aderência do protozoário.

Nos estudos de citotoxicidade, a contribuição da análise ultraestrutural tem sido fundamental tanto para a identificação dos principais efeitos deletérios como para o entendimento sobre os mecanismos de ação das mais diversas substâncias sobre as células. No presente estudo, as análises por microscopia eletrônica de transmissão revelaram que o tratamento dos cultivos com os inibidores avaliados induziu alterações na estrutura dos trofozoítos. Entretanto, o grau de comprometimento e a sequência de surgimento dessas alterações variaram de acordo com a concentração e classe do inibidor e com o período de incubação.

Assim, à semelhança dos resultados obtidos nos ensaios realizados anteriormente que avaliaram o efeito sobre o crescimento, a aderência e a viabilidade, entre todos os inibidores, a IAA foi responsável por induzir as alterações ultraestruturais mais exuberantes, especialmente na concentração de 100 µM. Por outro lado, as alterações morfológicas menos acentuadas foram observadas nos ensaios com o inibidor TLCK. De modo geral, entre as modificações ultraestruturais observadas destacaram-se: (1) trofozoítos com aspecto arredondado ("inchado"); (2) rarefação citoplasmática com perda dos grânulos de glicogênio; (3) núcleos menos eletrodensos, porém com preservação da integridade da membrana; (4) condensação

da cromatina; (5) deslocamento dos axonemas; (6) internalização e fragmentação do disco adesivo e (7) formação de protusões (bolhas, “blebs”) na membrana plasmática.

Todas essas alterações demonstram que os trofozoítos foram seriamente danificados tanto metabolicamente, dada à perda dos grânulos de reserva quanto estruturalmente devido à desorganização do citoesqueleto. Em relação ao disco adesivo, a sua fragmentação poderia explicar um provável mecanismo de ação do inibidor, corroborando os resultados obtidos nos ensaios de aderência, onde se verificou uma redução no número de trofozoítos. Alguns autores101,102,103 discutem se o disco adesivo seria apenas uma ferramenta de adesão às células do intestino delgado ou se também estaria relacionado à absorção de nutrientes. Portanto, uma alteração nessa estrutura representaria um dano considerável para o microorganismo, podendo levá-lo à morte pela escassez de nutrientes.

Entre as características que podem ser observadas no processo de citotoxicidade, incluem-se as alterações no aspecto dos trofozoítos. Com isso, o arredondamento celular tem sido frequentemente registrado em células que estão em processo de morte e, segundo alguns autores, essa modificação geralmente envolve rearranjos moleculares, os quais implicam em alterações no citoesqueleto104.

Nos protozoários do gênero Giardia, o citoesqueleto é composto por estruturas microtubulares como o disco adesivo, os corpos medianos, os quatro pares de flagelos e feixes de microtúbulos denominados funis105. À luz dessas informações, muito provavelmente, na nossa pesquisa, as alterações observadas no formato dos trofozoítos tratados com inibidores de proteases estejam associadas a esse rearranjo, especialmente porque importantes modificações foram evidenciadas no disco adesivo e nos flagelos. Assim, sob certas condições, foi possível observar que o efeito dos inibidores induziu a alterações como a internalização e fragmentação do disco adesivo e a desorganização dos axonemas flagelares. Segundo Midlej et al106, a fragmentação e a internalização do disco adesivo e o deslocamento citoplasmático dos axonemas

são características compatíveis com o processo de encistamento, podendo evidenciar um provável mecanismo de sobrevivência do protozoário.

Diante disso, evidências sugerem que a utilização de drogas que afetam a dinâmica de funcionamento do citoesqueleto pode implicar em diversas consequências para um determinado organismo, uma vez que, processos biológicos como divisão celular, adesão e locomoção são coordenados pelos microtúbulos104. No que se refere à Giardia, diferentes mecanismos têm sido propostos para explicar a adesão do parasita à mucosa intestinal. Atualmente, são fortes as evidências de que este processo seja multifatorial, todavia, o envolvimento do disco adesivo e dos flagelos é relevante. Em estudos recentes que avaliaram in vitro o efeito citotóxico de alguns produtos naturais como óleos essenciais de cravo-da-índia107 e β-lapachona108 foi possível constatar alterações marcantes no disco adesivo e flagelos.

Além do citoesqueleto, alterações citoplasmáticas e nucleares também foram evidenciadas neste estudo. Entre essas alterações, podemos citar a vacuolização do citoplasma e em alguns casos como nos ensaios com E-64 e leupeptina, a observação das vesículas periféricas repletas de material eletrodenso. Ainda em relação à leupeptina, pôde-se visualizar no citoplasma, estruturas denominadas corpos lamelares ou figuras mielínicas. Somando-se a essas alterações destacam-se também a condensação da cromatina e a formação de protusões ("blebs") na membrana plasmática. Todas essas características podem ser sugestivas de morte celular, no entanto, vale destacar que a vacuolização citoplasmatica, os corpos lamelares e as vesículas periféricas com material eletrodenso são eventos associados ao processo de autofagia, enquanto que a condensação da cromatina e a formação de "blebs" podem ser consideradas como evidências de morte programada ou apoptose. No que se refere às vesículas periféricas, ainda há quem sugira que a presença de material eletrodenso nessas estruturas que integram o sistema endocítico-lisossomal possa representar um mecanismo de sobrevivência do parasita na tentativa de eliminar um

provável agente agressor106 ou, segundo Rayan et al48 isso ocorreria devido a um mecanismo de ação do inibidor. Dessa forma, a droga acumular-se-ia no citoplasma e levaria consequentemente o parasita à morte.

A despeito da escassez de estudos que se referem à morte celular em Giardia, tanto a autofagia quanto a apoptose têm sido demonstradas em estudos que avaliam desde o efeito de drogas convencionais como o metronidazol e a furazolidona109 até ensaios com produtos naturais de origem vegetal108, 110, 111.

Diante desses comentários, poderíamos sugerir que no presente estudo, os resultados apontam para o fato de que os inibidores de proteases, especialmente cisteína-proteases, são capazes de induzir a eventos comumente observados em processos de morte celular como a autofagia e a apoptose.

Atualmente, no que diz respeito às proteases de Giardia, sabe-se que especificamente as cisteínas desempenham importante papel no seu ciclo biológico, sendo cruciais durante os eventos de encistamento e desencistamento. Recentemente, DUBOIS et al.69, utilizando PCR em tempo real demonstraram a expressão de uma cisteína, a G/CP2, como principal enzima reguladora do ciclo de vida desse parasita, especialmente durante o encistamento. A G/CP2, caracterizada anteriormente por WARD et al.74 como uma catepsina do tipo B, é produzida na forma de grânulos de zimogênios e exibe atividade de endopeptidase, sendo capaz de ativar componentes protéicos imprescindíveis na formação da parede cística. A importância

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