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Efeito Hall Quˆ antico Inteiro

3.2 Efeito Hall Quˆ antico

3.2.2 Efeito Hall Quˆ antico Inteiro

Em 1980, foram observados efeitos quˆanticos nas propriedades de transporte de um g´as de el´etrons bidimensional, com a descoberta do Efeito Hall Quˆantico Inteiro (IQHE) [10]. Esse efeito consiste na quantiza¸c˜ao da resistˆencia Hall, n˜ao mais linear como previsto classicamente, que apresenta platˆos em determinados valores do campo de indu¸c˜ao magn´etica. Originalmente, o IQHE foi observado por Klitzing, Popper e Dordda [10]. A realiza¸c˜ao do g´as de el´etrons bidimensional nesses dispositivos se d´a na interface entre o sil´ıcio, que ´e um semicondutor, e o ´oxido de sil´ıcio, um isolante. A Fig. 3.6 mostra os dados experimentais t´ıpicos encontrados para resistˆencia Hall.

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E poss´ıvel notar os platˆos na resistˆencia transversa (Hall), bem como a resistˆencia longitudinal indo a zero nessas regi˜oes. Outro fato interessante que surge desse resultado, se apresenta na regi˜ao onde campo magn´etico (B) ´e baixo, em que ´e poss´ıvel observar a transi¸c˜ao do comportamento previsto classicamente para o regime quˆantico.

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Figura 3.6: Resistˆencia Hall x campo magn´etico `a temperatura T=1.9K. [16]

N´ıveis de Landau

A quantiza¸c˜ao do espectro de energia ´e essencial para a existˆencia dos efeitos observados. No caso do g´as de el´etrons bidimensional, tal discretiza¸c˜ao foi demonstrada pela primeira vez por Landau e, por isso, ficou conhecida como quantiza¸c˜ao de Landau.

Sabemos o que el´etrons fazem classicamente quando s˜ao submetidos `a um campo magn´etico perpendicular: eles realizam ´orbitas de c´ıclotron, por causa da for¸ca de Lorentz. Assim, a for¸ca magn´etica exerce o papel da for¸ca centr´ıpeta:

mv

2

rc

= evB. (3.52)

Portanto, o raio de c´ıclotron ´e dado por:

rc=

mv

eB. (3.53)

Um el´etron na ´orbita de c´ıclotron, com velocidade v tem momento angular dado por:

L = mvrc= eBr2c. (3.54)

Em mecˆanica quˆantica, no entanto, somente ´orbitas com momento angular quantizado L = n~ s˜ao permitidas. Substituindo essa express˜ao na Eq. 3.54, temos que:

rc2= n~

Com isso, podemos observar que somente valores discretos s˜ao permitidos para o raio da ´orbita de c´ıclotron: rc= √ nlB, (3.56) onde lB= q ~

eB ´e chamado de comprimento magn´etico.

Todas as ´orbitas de c´ıclotron tˆem a mesma frequˆencia: ωc=eBm, independente do raio. A energia

do el´etron nessa ´orbita quantizada ´e igual `a Lωc = n~ωc. Portanto, o espectro de energia ser´a parecido

com o do oscilador harmˆonico. Para provarmos isso, vamos considerar o seguinte Hamiltoniano:

H = 1 2m  P −e cA 2 . (3.57)

Escolhendo o calibre de Landau : A = By ˆx, podemos expandir o quadrado perfeito da seguinte forma:

H = 1 2m  Px− e cBy 2 + P 2 y 2m. (3.58)

A equa¸c˜ao de Schr¨odinger, na representa¸c˜ao de posi¸c˜ao ´e dada por:  −~ 2 2m∇ 2 + V  Ψ = EΨ. (3.59)

Para resolver, iremos supor a seguinte solu¸c˜ao da fun¸c˜ao de onda:

Ψ(x, y) = eikxxψ(y). (3.60)

Substituindo as Eqs. 3.58 e 3.60, na Eq. 3.59, temos que: " e2B2 2mc2  ~kxc eB − y 2 − ~ 2 2m ∂2 ∂y2 # ψ(y) = Eψ(y). (3.61)

Introduzindo as seguintes substitui¸c˜oes: y2

0= eB~c e ω 2 c = eB mc 2

, temos que a Eq. 3.61, ficar´a:

 −~ 2 2m ∂2 ∂y2 + 1 2mω 2 c(y − y 2 0k 2 x) 2  ψ(y) = Eψ(y). (3.62) Esse ´e exatamente a equa¸c˜ao do oscilador harmˆonico. Os seus autovalores s˜ao os n´ıveis de Landau. As fun¸c˜oes de onda correspondem `a um oscilador harmˆonico ao longo do eixo y e ondas planas com momento kx ao longo do eixo x. Assim, os n´ıveis de Landau s˜ao dados por:

En=  n +1 2  ~ωc. (3.63)

A degenerescˆencia de cada um dos n´ıveis de Landau ´e dada por:

g = Lx 2π eBLy ~c ˆ 0 dk = LxLyB ∆Φ . (3.64)

Onde definimos o fluxo como ∆Φ = hc

e. Conhecendo a degenerescˆencia dos n´ıveis de Landau, podemos

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υ = Ne−

g = n∆Φ 1

B. (3.65)

Utilizando as Eq. 3.65 e a defini¸c˜ao de ∆Φ, podemos determinar a resistˆencia Hall:

RH=

B nec =

h

e2υ (3.66)

Sendo assim, uma resistˆencia Hall quantizada ´e sempre esperada se a densidade de portadores de carga e o campo de indu¸c˜ao magn´etica s˜ao ajustados de modo que o n´umero de n´ıveis preenchidos seja um n´umero inteiro. Nessa condi¸c˜ao, a condutividade longitudinal vai a zero, pois os el´etrons est˜ao se movendo como part´ıculas livres na dire¸c˜ao perpendicular `a−→j . Vale notar nesse ponto que a Eq. 3.57 ´e o Hamiltoniano de um el´etron, ou seja, estamos assumindo que os portadores de carga n˜ao s˜ao interagentes e, como visto na Eq. 3.66, apesar de apresentar a dependˆencia observada experimentalmente, este tratamento n˜ao justificou o aparecimento dos platˆos. De fato, na ausˆencia de intera¸c˜oes e com invariˆancia translacional, ´e poss´ıvel mostrar que a resistˆencia Hall n˜ao deve desviar de seu valor cl´assico. Para explicar completamente o IQHE sem considerar intera¸c˜oes, devemos adotar um sistema desordenado, onde perdemos a invariˆancia translacional.

Impurezas

Na ausˆencia de intera¸c˜oes ´e f´acil notar que RH deve ser discretizada para um intervalo finito de fatores de

preenchimento. Para tanto, notemos que, na ausˆencia de desordem, a densidade de estados dos el´etrons n˜ao interagentes consiste de uma s´erie de distribui¸c˜oes δ centradas nos n´ıveis de Landau. Caso pud´essemos fixar o potencial qu´ımico exatamente entre duas δ e mantˆe-lo fixo por um intervalo comensur´avel de valores de υ, ent˜ao um platˆo de largura finita em RHsurgiria como consequˆencia. No entanto, ´e imposs´ıvel manter

o potencial qu´ımico fixo enquanto alteramos a densidade de el´etrons.

Quando impurezas est˜ao presentes, os n´ıveis de Landau se alargam em bandas, `a medida que os estados eletrˆonicos se tornam localizados no potencial dessas. Uma banda de estados estendidos permanece no volume de cada banda cercada, no entanto, por estados localizados, conforme ilustrado na Fig. 3.7. A defini¸c˜ao de estados localizados foi dada por Anderson, em 1977 [17]. A localiza¸c˜ao de um estado se refere ao fato de que as fun¸c˜oes de onda dos estados quˆanticos vizinhos n˜ao s˜ao suficientemente extensas (ou n˜ao estendidas) para permitir uma sobreposi¸c˜ao significativa (ou nenhuma sobreposi¸c˜ao). Anderson introduziu esse conceito para explicar a ausˆencia de condu¸c˜ao em sistemas desordenados. No caso inverso, a condu¸c˜ao na mecˆanica quˆantica ´e devido `a sobreposi¸c˜ao significativa das fun¸c˜oes das ondas dos estados quˆanticos vizinhos.

Contanto que o potencial qu´ımico se mantenha no gap criado pelas impurezas enquanto a den- sidade de el´etrons ´e alterada, a resistˆencia Hall n˜ao muda, visto que os estados sendo preenchidos s˜ao localizados e, portanto, n˜ao contribuem para o transporte. Na Fig.3.8, ilustramos a rela¸c˜ao entre os platˆos e a densidade de estados.

Figura 3.7: Densidade de estados na presen¸ca de impurezas. [18]

Figura 3.8: Rela¸c˜ao entre platˆos, m´ınimos na resistividade longitudinal e estados localizados. [18]

Quantiza¸c˜ao da condutˆancia Hall

A falta de uma descri¸c˜ao via parˆametro de ordem, como na teoria de Landau e a existˆencia de estados de borda protegidos frente `a desordem, ambos podem ser entendidos como caracter´ısticas que definem quanticamente um estado topol´ogico da mat´eria. Um conceito muito ´util ´e a correspondˆencia volume- borda (bulk-edge), o qual o efeito Hall quˆantico ilustra muito bem. Um estado topol´ogico da mat´eria ´e isolante no volume (bulk ), mas suporta estados de borda sem gap que s˜ao robustos frente `a desordem. Ao inv´es de ser caracterizado por um parˆametro de ordem local, o bulk ´e caracterizado por um invariante topol´ogico que, no caso do efeito Hall quˆantico, ´e o chamado n´umero de Chern (Chern number ). O invariante topol´ogico, por sua vez, est´a relacionado ao n´umero de estados est´aveis de borda sem gap. No efeito Hall quˆantico, o n´umero de Chern ´e igual ao n´umero de estados est´aveis sem gap e tamb´em ´e o valor da condutˆancia Hall quantizada em unidades de e2/h.

Portanto, dizemos que os estados de borda s˜ao protegidos pela topologia do bulk. Mas qual ´e o mecanismo da “prote¸c˜ao topol´ogica”? A topologia do bulk ´e respons´avel pelo fracionamento da borda. Mais precisamente, os graus de liberdade usuais do el´etron s˜ao separados espacialmente em bordas opostas. Os graus de liberdade usuais do el´etron em um canal unidimensional s˜ao duplos: se mover para direita e se mover para esquerda. No entanto, na amostra, uma borda tem apenas el´etrons se movendo para direita e a outra borda apenas el´etrons se movendo para a esquerda. O retroespalhamento (reflex˜ao dos el´etrons

37 de volta em dire¸c˜ao da qual eles vieram) em uma borda ´e, ent˜ao, suprimida devido `a incapacidade do el´etron de reverter o sentido do seu movimento. Devido ao efeito Hall quˆantico apresentar apenas uma dire¸c˜ao de propaga¸c˜ao nas bordas, os estados de borda s˜ao chamados quirais.

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