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EFEITO SCHLIEREN

4.1.3. Efeito Schlieren

Num sistema de fluxo contínuo, seja ele um sistema FIA, SIA ou multícomutado, a amostra é injectada ou inserida numa solução transportadora, sofrendo uma dispersão de extensão variável enquanto é encaminhada até ao detector. Quando a amostra e a solução de transporte apresentam diferentes concentrações salinas, a dispersão mútua vai originar o aparecimento de gradientes de concentração. Em espectrofotometria de absorção molecular, e dada a influência da concentração no índice de retracção, o aparecimento de gradientes de concentração está associado à formação dos correspondentes gradientes de índice de retracção [30] os quais serão tanto mais intensos quanto maior for a diferença de concentração entre a zona de amostra e a solução transportadora. Estas diferenças no índice de retracção podem afectar a direcção de propagação do feixe de radiação incidente, provocando o aparecimento de perturbações no sinal analítico, fenómeno denominado efeito Schlieren, o qual, e no que diz respeito a metodologias de fluxo, foi pela primeira vez observado por Krug et ai. numa determinação turbidimétrica de sulfato por FIA [31]. Este fenómeno apresenta aspectos extremamente negativos, podendo comprometer seriamente a precisão, exactidão e limite de detecção da metodologia [32].

O efeito Schlieren, que se manifesta pela quantidade de radiação incidente que atinge o detector, pode assumir duas formas (Fig 4.2-A e 4.2-B) as quais poderão ser explicadas do seguinte modo: se uma solução com uma elevada concentração salina, e portanto com um elevado índice de retracção, é inserida numa solução transportadora

Determinação espectrofotométríca de pindolol

constituída, por exemplo, por água destilada, a zona de amostra adquirirá por dispersão no transportador uma configuração parabólica com conformações distintas, tanto na interface frontal como na cauda do segmento de amostra intercalado.

(A) Detector normal ri <T1 * Direcção do fluxo Fonte de luz (B) Detector normal li < Tl •* Direcção do fluxo Fonte de luz

Fig 4.2 - Desvio na direcção de propagação de um feixe de luz ou atravessar zonas com distintos indices de retracção. A - Porção frontal da zona de amostra: o feixe de luz, ao passar de uma zona de alto índice de retracção (correspondente à amostra) para outra com um valor inferior (solução transportadora), é retractado em direcção ao detector. B - porção terminal da zona de amostra: o feixe de luz atravessa de uma zona de menor índice de retracção para outra com um valor superior, sendo desviado do detector.

Esta configuração parabólica é justificada, de acordo com a teoria de transporte em condições de fluxo laminar [33], pela maior velocidade do líquido na zona central do tubo, e estabelece zonas ou linhas de idêntica concentração salina, e portanto com idêntico índice de refracção, também elas com uma configuração parabólica [30]. Durante a detecção, a interface frontal da zona de amostra, que percorre a célula de fluxo na direcção indicada na Fig 4.2-A, é atravessada por um feixe de luz incidente o qual se propaga de uma zona de alto índice de refracção para uma outra de baixo índice de refracção. O feixe de luz é por isso retractado, afastando-se do plano normal ao plano de separação de zonas, sendo focado em direcção ao detector. Deste fenómeno resulta um aumento da quantidade de luz que atinge o detector, tendo como consequência uma diminuição da absorvância aparente e sendo por isso obtido e registado um "pico negativo" (pico invertido). Quando a interface terminal da zona de amostra percorre por sua vez a célula de fluxo, ocorre o fenómeno inverso (Fig 4.2-B): o feixe de luz incidente passa de uma zona de baixo índice de refracção para uma zona de alto índice de refracção, sendo retractado na direcção do plano normal ao plano de separação de zonas. Desta forma o feixe de luz é afastado do detector, sendo portanto inferior a quantidade de radiação que o atinge, o que, funcionando como um aumento da absorvância aparente, resulta num registo ou pico positivo. Em situações em que o índice de refracção da amostra é inferior ao índice de refracção da solução transportadora, ocorre um fenómeno semelhante embora numa sequência inversa: a zona frontal da amostra produz um pico positivo e a zona terminal um pico invertido.

São vários os factores que afectam a amplitude do efeito Schlieren [34], e que estão directa ou indirectamente relacionados com a formação de gradientes de concentração entre amostra e solução de transporte. Neste grupo de factores destacam-se todos aqueles que num sistema de fluxo afectam a dispersão da amostra [35], como sejam o volume de amostra, caudal, comprimento do reactor e forma de adição dos reagentes, além da densidade e viscosidade da solução de amostra e da solução transportadora.

Determinação espectrofotométrica de pindolol

Assim sendo, quanto menor for a dispersão mais acentuados serão os gradientes de concentração, fazendo com que o efeito Schlieren seja particularmente manifesto em sistema de fluxo de baixa dispersão, nomeadamente sistemas de canal único [35, 36].

Foram propostas diversas estratégias para correcção ou eliminação do efeito Schlieren, muitas das quais foram objecto de análise num trabalho de revisão recentemente publicado [34]. Uma estratégia simples será a compatibilização das características físico-químicas, fundamentalmente do índice de retracção, da amostra e do transportador. Esta compatibilização pode ser conseguida por adição de um soluto quimicamente inerte, quer na fase de preparação das soluções [36, 37] quer em linha, na própria montagem de fluxo [38, 39]. Há no entanto situações em que esta estratégia é impraticável, como por exemplo quando o número de amostras para análise é elevado e apresenta concentrações salinas elevadas e díspares ou quando se intercala uma resina de permuta iónica.

Alternativamente poderá minimizar-se o efeito da interacção entre a zona de amostra e a solução transportadora através da execução das leituras de absorvância em zonas não afectadas ou inferiormente afectadas por gradientes de concentração, ou então limitando objectivamente o grau de interacção recorrendo a um sistema de fluxo monosegmentado [40] ou utilizando elevados volumes de amostra [32].

Dada a dependência dos gradientes de concentração em relação à dispersão, uma forma expedita de reduzir a formação dos primeiros será através da optimização das condições de mistura amostra/transportador, o que pode ser conseguido utilizando reactores que promovam uma contínua alteração da direcção do fluxo [41], com a adição dos reagentes por confluência [42] ou através do recurso a câmaras de mistura [43].

O efeito Schlieren pode ser também corrigido ou compensado com estratégias baseadas em procedimentos instrumentais. Zagatto et ai. [35] propuseram a execução de medidas de absorvância a dois comprimentos de onda diferentes, na mesma célula de fluxo e com utilização de um espectrofotómetro com díodos em linha (diode-array), uma

das medidas quantificando o analito e a interferência, enquanto que a segunda medida quantificava unicamente a interferência. O valor de absorvância do analito era obtido pela diferença entre estes valores. Por sua vez Leach et ai. [44] propuseram a utilização de duas células de fluxo, colocadas sequencialmente e separadas por um reactor de transferência, em que o sinal era calculado pela variação da absorvância em função do tempo. Foi verificado que o gradiente de concentração mínimo correspondia ao máximo de absorvância, o que permitia a obtenção de um sinal analítico praticamente isento de interferências. Mais recentemente Maniasso et ai. [45] propuseram o estabelecimento de dois fluxos com gradientes de concentração idênticos, embora simétricos, os quais eram feitos convergir de modo o obter-se um fluxo único com o gradiente de concentração anulado, uma vez que a soma vectorial dos gradientes convergentes era igual a zero.

4.1.4,Objectivo

A complexação de iões metálicos com produtos farmacêuticos tem sido utilizada como reacção base de muitos procedimentos analíticos. Este trabalho tem como objectivo o desenvolvimento de uma sistema de fluxo multicomutado, simples, de baixo custo e versátil, para determinação de pindolol em preparações farmacêuticas, com base na complexação deste p-bloqueador com o Fe(lll), o qual possa também representar uma estratégia expedita para a supressão, em linha, do efeito negativo associado à diferença de índices de refracção frequentemente existente entre a zona de amostra e a solução transportadora.

Determinação espectrofotométríca de pindolol

4.2.Parte Experimental

4.2.1 .Reagentes e soluções

As soluções padrão de pindolol foram preparadas usando a substância produzida pela Sigma-Aldrich, réf. P0778, sem qualquer purificação prévia. Uma solução mais concentrada de pindolol, com a concentração de 500 mg L"\ foi preparada semanalmente por dissolução de 50 mg de fármaco em 0,2 M HCI, seguido de diluição até 100 cm3 com a mesma solução de HCI. Esta solução foi mantida no frigorífico e protegida da luz. As soluções padrão de trabalho utilizadas para elaboração das curvas de calibração, foram obtidas diariamente por diluição apropriada da solução de reserva com HCI 0,2 M.

A solução reagente de Fe(lll), com a concentração de 0,5 M, foi preparada por dissolução de quantidades definidas de FeCI3.6H20 numa solução de HCI 0,2 M.

4.2.2.Equipamento

Como sistema de detecção, incorporado na montagem de fluxo para avaliação da absorvância das soluções, foi utilizado um espectrofotómetro LaboMed, modelo Spectro 22RS, o qual estava equipado com uma célula de fluxo com um volume óptico de 18 uL.

A montagem de fluxo compreendia um conjunto de 5 válvulas solenóides de 3 vias da marca NResearch, modelo 161 T031, já anteriormente caracterizadas.

As tubagens utilizadas para transporte das soluções possuíam um diâmetro interno de 0,8 mm e eram em Teflon. A propulsão das soluções foi efectuada por aspiração, com recurso a uma bomba de pistão da marca Razel, modelo A-99, a qual foi equipada com uma seringa de plástico com a capacidade de 50 ml_.

As titulações potenciométricas em meio não-aquoso, utilizadas como método de referência, foram executadas num sistema de titulação automático cuja constituição foi já referida anteriormente (Capítulo 2).

4.2.3.Montagem de fluxo multicomutado

O desenvolvimento e implementação da montagem de fluxo foi subordinada a três objectivos fundamentais: uma geometria globalmente simples, facilmente controlada por computador, com elevadas sensibilidade e eficiência analítica e garantindo a supressão dos efeitos indesejáveis associados à presença de gradientes de concentração. Com base nestes pressupostos a montagem de fluxo multicomutado foi desenhada com 5 válvulas solenóides de 3 vias (Fig 4.3), tendo 3 dessas válvulas (V,, V2 e V3) um dos canais

obstruídos de forma a funcionarem como válvulas de canal único, e que portanto, em termos operacionais, se pudessem considerar como válvulas do tipo aberto/fechado (on/off).

Em termos de especificação de funções, \/^ era a válvula responsável pela inserção da amostra, enquanto que V2 e V3 eram responsáveis pela introdução da solução

de Fe(lll) e HCI 0,2 M, respectivamente, e o seu accionamento combinado tinha como atribuição a produção em linha da solução reagente que funcionava de igual modo como solução transportadora. Uma confluência (C) permitia convergir os três fluxos originais, antes do reactor (L). As válvulas V4 e V5 controlavam o direccionamento do fluxo,

condicionado à opção de detecção ou de lavagem e substituição da amostra.

Numa primeira fase tinha lugar a produção em linha da solução transportadora, através do accionamento alternado entre as posições 1 e 2, durante intervalos de tempo pré-definidos, das válvulas V2 e V3 responsáveis pela inserção da solução de Fe(lll) e da

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de intercalação das duas soluções, com um padrão definido em função da temporização de V2 e V3 (Fig 4.4-A).

v3

Fig 4.3 - Montagem de fluxo multicomutado para eliminação do efeito Schlieren e determinação de pindolol por reacção com o catião ferro(lll): A - amostra; Ri - HCI 0,2 M; Rz - solução de ferro(lll) 0,5 M; Vi, Vz, Va, VA e Vs - válvulas solenóides (as linhas continuas correspondem à posição 2 e o tracejado à posição 1); L - reactor enrolado, 1 metro de comprimento; D - detector; B - bomba de pistão; C - ponto de confluência; z - canal obstruído; Q - caudal, 1 mL min .

A solução transportadora assim produzida, era encaminhada através de V4, na

posição 2, em direcção ao detector, através do qual fluía, sendo aspirada por V5 colocada

também na posição 2. V^ permanecia na posição 2. A amostra era inserida por accionamento alternado entre as posições 1 e 2 das válvulas V, e V2, com uma

temporização idêntica à utilizada para produzir a solução reagente (transportadora).

Obtinha-se assim um esquema de intercalação de soluções semelhante ao produzido anteriormente, apenas com substituição da solução de HCI 0,2 M pela solução de amostra (Fig 4.4-B). Como a solução de amostra era preparada em HCI 0,2 M, o

gradiente de concentração resultante da inserção da amostra era semelhante ao da solução transportadora. A zona de amostra era depois encaminhada, através do reactor L e de V4, em direcção ao detector, num processo similar ao descrito para a solução

transportadora. Durante esta fase V3 permanecia na posição 2.

(A)

H L T L T L T I T L

i i

F pj!JlJTJ~U~Ln

A I R_nn

j — i — i — i — i — i — i — i — i — i — i — i — i — i

Tempo

Fig 4.4 - (A) - Sequência de intercalação para o processamento em linha da solução transportadora e para inserção da amostra: A - amostra; H - HCI 0,2 M; F - solução de ferro(lll) 0,5 M; as linhas superiores indicam a válvula colocada na posição 1 e as linhas inferiores referem-se à posição 2. O tempo está expresso em unidades arbitrárias. (B) - fluxo resultante: a - amostra.

Após a obtenção do máximo do sinal ocorria a substituição da amostra, acompanhada da lavagem do sistema analítico: V,,V4e V5 eram colocadas na posição 1,

enquanto que V2 e V3 permaneciam na posição 2. A nova amostra era inserida através de

V! e encaminhada para dreno por intermédio de V4 e V5, ligadas por uma tubagem de

reduzidas dimensões de forma a que o processo fosse rápido, sem passar pelo detector. Depois Vi era colocada na posição 2 e era retomado o esquema de preparação da

(B)

Determinação espectrofotométrica de pindolol

solução transportadora por intermédio de V2 e V3, primeiro para lavagem (com V4 e V5 na

posição 1 ) e depois para detecção, quando V4 e V5 retomavam à posição 2.

A obtenção da curva de calibração envolveu a inserção de um conjunto de soluções padrão com concentrações definidas, com recurso a uma temporização das válvulas idêntica à utilizada para as amostras.

A propulsão das soluções foi efectuada por aspiração a um caudal de 1 mL min'1.

4.2.4.Método de referência

As preparações farmacêuticas contendo pindolol analisadas pela metodologia desenvolvida foram as denominadas Visken, com uma dosagem de 5 mg de pindolol por comprimido, e Viskène, com uma dosagem de 5 mg de pindolol por comprimido. Para a preparação das soluções das formulações farmacêuticas foram pesados e pulverizados 20 comprimidos de cada uma das formulações analisadas, e depois foram tomadas quantidades apropriadas de pó que foram dissolvidas em HCI 0,2 M, seguido de diluição até 500 mL com a mesma solução. As soluções de amostra foram filtradas antes de se procedera sua análise.

A determinação de pindolol na matéria-prima e em comprimidos, foi executada de acordo com a Farmacopeia Portuguesa [4] por titulação potenciométrica em solução não- aquosa. Este método foi baseado na dissolução do fármaco em metanol e titulação potenciométrica com um padrão de HCI 0,1 M.

4.3.Resultados e sua discussão

São em número elevado as metodologias propostas para determinação de produtos farmacêuticos baseadas na detecção espectrofotométrica dos produtos de reacção formados por complexação com catiões metálicos, especialmente com os catiões Fe(lll), Pd(ll) e Cu(ll). Muitas destas metodologias foram já desenvolvidas com recurso a sistemas de fluxo contínuo. Os valores de concentração de sais e ácidos normalmente envolvidos nestas reacções, nomeadamente quando o catião Fe(lll) é utilizado, e que são de uma forma geral razoavelmente elevados, originam elevados gradientes de concentração e consequentemente elevados gradientes de índice de retracção, em virtude da diferença de índice de retracção entre a solução de amostra e a solução reagente. Estes gradientes originam perturbações no sinal analítico (efeito Schlieren), perturbações estas que se manifestam ao nível da detecção, especialmente no respeitante à porção frontal e terminal da zona de amostra, com aparecimento de picos negativos e positivos. O trabalho referido neste capítulo foi desde o seu início condicionado pelo aparecimento do efeito Schlieren, e todos os esforços desenvolvidos visaram inicialmente a sua eliminação, e só depois a optimização da montagem de fluxo multicomutado com vista à determinação de pindolol em preparações farmacêuticos. A abordagem utilizada permitiu a resolução com sucesso do problema, criando perspectivas de aplicação noutras situações semelhantes.

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