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Efeitos da adoção das IFRS sobre a qualidade do ambiente informacional (IQ)

Equação 13 – Efeitos dos fatores institucionais na relação entre IFRS e qualidade do ambiente

4.2 Resultados principais

4.2.1 Efeitos da adoção das IFRS sobre a qualidade do ambiente informacional (IQ)

A Tabela 6 apresenta os resultados das regressões que testam os efeitos da adoção obrigatória das IFRS sobre a qualidade dos accruals. Foram testados os efeitos das IFRS sobre quatro medidas de qualidade dos accruals amplamente utilizadas em estudos anteriores. A principal informação desta Tabela é a direção e a significância do coeficiente da variável IFRS.

Tabela 6 – Efeitos das IFRS sobre a qualidade dos accruals

(1) (2) (3) (4)

AQ1 AQ2 AQ3 AQ4

IFRS -0.007*** -0.003*** -0.003*** -0.063***

[-8.221] [-5.124] [-6.085] [-5.457]

Size (Log Assets) 0.0082*** 0.0043*** 0.0058*** 0.0368***

[28.25] [21.76] [34.01] [9.825] ROE 0.001 0.037*** -0.0139*** 0.736*** [0.4006] [16.35] [-10.05] [18.42] Leverage -0.0428*** -0.0168*** -0.0357*** -1.099*** [-17.8] [-10.25] [-25.09] [-34.51] Growth -0.0278*** -0.0188*** -0.0197*** 0.0224* [-21.44] [-19] [-23.64] [1.711] Cycle -0.0044*** -0.0017*** -0.0039*** -0.096*** [-6.235] [-3.469] [-8.721] [-11.45] Capital need -0.008*** -0.0074*** -0.0041*** -0.006 [-8.548] [-10.58] [-7.282] [-0.5552] Inventory -0.0176*** -0.0075** 0.028*** -0.7253*** [-3.492] [-2.232] [9.439] [-11.74] Constant -0.0649*** -0.0481*** -0.0374*** 1.284*** [-16.5] [-18.48] [-16.33] [28.08] R2 0.088 0.100 0.116 0.081 Observações 38,107 31,876 40,052 49,071

Efeito fixo Indústria Indústria Indústria Indústria

Notas:

Esta tabela apresenta regressões OLS que testam os efeitos das IFRS sobre as métricas de qualidade dos

accruals. IFRS é uma variável binária que assume valor 1 se as IFRS foram adotadas de maneira obrigatória

no país j a partir do ano t e assume valor 0 nos demais casos. Ver definição das demais variáveis na Tabela 3 Painel A. A estatística t está apresentada entre colchetes. Os erros-padrão são robustos à heterocedasticidade. As regressões foram estimadas com efeito fixo da indústria, conforme Ahmed et al. (2013b) e Hope et al. (2013). ***, ** e * indicam respectivamente significância estatística aos níveis de 1%, 5% e 10%. O Apêndice A apresenta mais detalhes acerca do cálculo das variáveis.

Os resultados indicam que a adoção obrigatória das IFRS afetou de forma negativa a qualidade dos accruals. A variável binária IFRS apresentou sinal negativo e considerável significância estatística em todas as quatro regressões de qualidade dos accruals. De forma mais específica, após a adoção das IFRS: os accruals discricionários totais aumentaram (AQ1), os accruals

discricionários circulantes aumentaram (AQ2), as receitas discricionárias aumentaram (AQ3) e a magnitude dos accruals em relação ao fluxo de caixa operacional aumentou (AQ4). Essas são fortes evidências de redução da qualidade do ambiente informacional para o conjunto de países da amostra deste estudo, o que leva à rejeição da Hipótese (1). Esses resultados estão em linha com os documentados por Ahmed et al. (2013), Capkun et al. (2013) e Tang (2015), que indicaram também um aumento nas práticas de gerenciamento de resultados após as IFRS. Vale destacar que as IFRS exercem influência sobre as variáveis dependentes mesmo após controlar uma série de características corporativas determinantes do comportamento dos accruals. Foram incluídas nas regressões da Tabela 6 as seguintes variáveis de controle, conforme Hope et al. (2013): tamanho (Size), taxa de rentabilidade (ROE), endividamento (Leverage), crescimento (Growth), ciclo operacional (Cycle), necessidade de financiamento (Capital need) e estoques (Inventory). A direção, a significância e a magnitude dos coeficientes das variáveis de controle estão consideravelmente similares às achadas por Hope et al. (2013), indicando a consistência das estimações e, dessa forma, contribuindo para a robustez dos resultados.

A principal implicação desse resultado é que a adoção de um padrão contábil internacional considerado como de alta qualidade não necessariamente gera demonstrações financeiras de alta qualidade. Na verdade, como os resultados mostram, os efeitos gerados pela adoção das IFRS na amostra como um todo foram negativos. A pergunta que surge diante desses resultados é a seguinte: quais são os mecanismos pelos quais as IFRS estão influenciando negativamente a qualidade dos accruals? Existem quatro potenciais explicações para os resultados adversos das IFRS que foram encontrados:

 Aumento da discricionariedade em função das IFRS serem padrões baseados em princípios e, por isso, conferirem maior flexibilidade aos responsáveis pela elaboração e apresentação das demonstrações financeiras;

Redução da book-tax conformity em função da desvinculação entre as práticas contábeis voltadas aos relatórios fiscais/tributários e as práticas contábeis voltadas às demonstrações financeiras divulgadas ao mercado;

 Curva de aprendizado dos responsáveis pela elaboração das demonstrações financeiras;  Redução da qualidade dos padrões contábeis após a adoção das IFRS, considerando que os

Conforme Burgstahler et al. (2006) comentam, o processo contábil naturalmente envolve uma considerável discricionariedade. Isso se torna mais crítico ao considerar que o modelo IFRS é baseado em princípios e, com isso, oferece aos gestores maior discricionariedade em termos de estimativas, julgamentos e escolhas contábeis (Capkun et al., 2013; Ball et al., 2015). Sendo assim, os incentivos recebidos pelos responsáveis pelas demonstrações financeiras vão exercer um papel relevante nos outputs do processo contábil (Leuz & Wysocki, 2016). Nesse caso, argumenta-se que a considerável discricionariedade conferida pelo padrão IFRS associada aos incentivos dos responsáveis pelas demonstrações financeiras sejam um importante mecanismo pelo qual as IFRS estão afetando a qualidade dos accruals de forma negativa. As evidências apresentadas em Capkun et al. (2013) estão consistentes com a proposição dos efeitos negativos estarem relacionados ao aumento da discricionariedade.

A adoção das IFRS entre as jurisdições foi acompanhada da redução da book-tax conformity (BTC) (Chan, Lin & Mo, 2010; Deloitte, 2010; Chan, Lin & Tang, 2013). Essa situação de baixa BTC cria o melhor dos mundos, em que uma dada companhia pode apresentar lucros elevados ao mercado de capitais e apresentar lucros reduzidos aos órgãos de tributação(Desai, 2005; Hanlon, Laplante & Shevlin, 2005). Nos países code law tende a existir um considerável

overlap entre os padrões contábeis e as diretrizes para mensuração do resultado tributário. Nesse

contexto de elevada book-tax conformity, alterar a relação entre demonstrações financeiras voltadas aos investidores e demonstrações financeiras voltadas aos órgãos de tributação pode gerar incentivos à pratica de gerenciamento de resultados, especialmente se a demanda por demonstrações financeiras de alta qualidade for baixa. Frank, Lynch e Rego (2009) encontraram que há uma forte associação positiva entre gerenciamento de resultados e tax avoidance. Na mesma tendência, Tang (2015) encontrou que um elevado nível de BTC está associado com menores níveis de gerenciamento de resultados e de tax avoidance. Portanto, argumenta-se que este seja um importante mecanismo pelo qual as IFRS estão afetando a qualidade dos accruals de forma negativa, especialmente ao considerar que 10 dos 15 países da amostra têm tradição jurídica code law, e nesses países as diretrizes tributárias têm forte influência sobre as demonstrações financeiras (Ball et al., 2000). Mais ainda, argumenta-se que o aumento da discricionariedade associado com a redução da BTC pode estar exercendo um papel relevante nos resultados reportados na Tabela 6.

Leuz e Wysocki (2016) comentam que a adoção das IFRS envolve significante aprendizado e, por isso, talvez leve um tempo para os efeitos se materializarem. Nesse caso, os responsáveis

pela preparação das demonstrações financeiras não teriam incorporado ainda as novas diretrizes de reconhecimento, mensuração e apresentação de eventos econômicos estipuladas na IFRS. No entanto, as firmas de auditoria responsáveis por assegurar a conformidade dos relatórios financeiros com as IFRS muito provavelmente já tinham experiência em auditar demonstrações financeiras em IFRS, tendo em vista a forte concentração do mercado de auditoria detida pelas

Big Four ao redor do mundo (DeFond & Zhang, 2014). Utilizando as firmas Big Four como proxy para qualidade da auditoria, Francis e Wang (2008) acharam que a qualidade da auditoria

afeta de forma positiva a qualidade das demonstrações financeiras. Comprix, Muller e Sinclair (2015) descobriram que companhias em países que sofreram maiores mudanças na adoção das IFRS trocaram de forma mais frequente de auditor local para uma Big Four. Com base nessas evidências, argumenta-se que a experiência em IFRS das firmas de auditoria tenha o potencial de atenuar problemas relacionados ao aprendizado das IFRS por parte dos preparadores. Além disso, os países da amostra aplicam as IFRS como modelo contábil há aproximadamente cinco anos em média, conforme Tabela 1. Portanto, é bastante provável que a curva de aprendizado dos responsáveis pela elaboração das demonstrações financeiras não seja o mecanismo pelo qual as IFRS estão afetando de forma negativa a qualidade dos accruals.

A última possível explicação elencada para os resultados da Tabela 6 é a possibilidade das IFRS serem um conjunto de padrões contábeis de menor qualidade em relação aos padrões contábeis locais que foram substituídos. No entanto, não parece racional sob uma perspectiva econômica trocar normas domésticas por normas internacionais sendo as normas internacionais de menor qualidade. O fato de mais de 120 países ao redor mundo estarem adotando as IFRS sinaliza que de forma geral as IFRS exercem algum efeito marginal sobre a qualidade das normas utilizadas como base de elaboração e apresentação das demonstrações financeiras em um dado país. Além disso, a U.S. Securities and Exchange Commission (SEC), órgão regulador do maior e principal mercado de capitais do mundo – o norte-americano – permite desde 2007 que as companhias estrangeiras apresentem suas demonstrações financeiras de acordo com as IFRS, indicando que as normas do IASB são capazes de gerar relatórios que atendam à demanda informacional dos investidores daquele mercado. Portanto, a possível baixa qualidade das IFRS enquanto padrão contábil não parece ser o mecanismo pelo qual as IFRS estão afetando de maneira negativa a qualidade dos accruals.

A Tabela 7 apresenta os resultados das regressões que testam os efeitos da adoção obrigatória das IFRS sobre a performance dos analistas. Foram testados os efeitos das IFRS sobre três medidas de performance comumente usadas em estudos anteriores (Horton et al., 2013), sendo que duas refletem a acurácia das previsões e outra a dispersão. De forma semelhante à Tabela 6, a informação de interesse é a direção e a significância do coeficiente da variável IFRS.

Tabela 7 – Efeitos das IFRS sobre a performance dos analistas

Os resultados sugerem que a adoção obrigatória das IFRS afetou de forma negativa a performance dos analistas. A variável binária IFRS apresentou sinal negativo e considerável significância estatística nas regressões de acurácia das previsões. De maneira mais específica, após a adoção das IFRS: a acurácia do consenso dos analistas calculado com base na mediana das previsões diminuiu (FA1) e a acurácia do consenso calculado com base na média também diminuiu (FA2), enquanto que não houve efeito significativo sobre a dispersão (DI). Essas são fortes evidências de redução da qualidade do ambiente informacional para o conjunto de países da amostra deste estudo, o que também leva à rejeição da Hipótese (1). Esses resultados estão

(1) (2) (3) FA1 FA2 DI IFRS -0.052*** -0.047*** -0.001 [-4.532] [-4.000] [-0.166] Horizon -0.1667*** -0.1658*** -0.0422*** [-39.06] [-38.17] [-20.39] Coverage 0.0472*** 0.0383*** -0.027*** [3.828] [3.042] [-4.323]

Size (Log MVE) 0.0425*** 0.0415*** 0.0757***

[4.534] [4.351] [15.32] Loss -0.6972*** -0.7048*** -0.0786*** [-24.63] [-24.4] [-5.358] Country benchmark 0.4566*** 0.4631*** 0.5598*** [20.11] [20.47] [22.87] Industry benchmark 0.6481*** 0.6589*** 0.6977*** [22.22] [22.81] [26.27] Constant 0.7492*** 0.7798*** -0.1536*** [10.97] [11.26] [-4.31] R2 0.261 0.262 0.287 Observações 134,537 134,537 106,475

Efeito fixo Companhia Companhia Companhia

Notas:

Esta tabela apresenta regressões OLS que testam os efeitos das IFRS sobre as métricas de performance dos analistas. IFRS é uma variável binária que assume valor 1 se as IFRS foram adotadas de maneira obrigatória no país j a partir do ano t e assume valor 0 nos demais casos. Ver definição das demais variáveis na Tabela 3 Painel B. A estatística t está apresentada entre colchetes. Os erros-padrão são robustos à heterocedasticidade. As regressões foram estimadas com efeito fixo da companhia, conforme Horton et al. (2013). ***, ** e * indicam significância estatística aos níveis de 1%, 5% e 10%, respectivamente. O Apêndice A apresenta mais detalhes acerca do cálculo das variáveis.

em linha com os documentados por Preiato et al. (2015), em que as IFRS afetaram de forma negativa a acurácia dos analistas, e estão contrários aos achados de Horton et al. (2013), em que houve um aumento da qualidade do ambiente informacional dos analistas de mercado após as IFRS. Destaca-se que as IFRS exercem influência sobre as variáveis dependentes mesmo depois de controladas algumas das variáveis determinantes da performance dos analistas. Foram adicionadas nas regressões da Tabela 7 as seguintes variáveis de controle, conforme Armstrong et al. (2012) e Horton et al. (2013): horizonte de tempo da previsão (Horizon), número de analistas que acompanham a firma (Coverage), tamanho (Size), ocorrência de prejuízo (Loss), acurácia ou dispersão média do país (Country benchmark) e acurácia ou dispersão média da indústria (Industry benchmark). A direção e a significância dos coeficientes das variáveis de controle estão consideravelmente similares aos achados por Horton et al. (2013), indicando a consistência das estimações e, dessa forma, contribuindo para a robustez dos resultados. Esses resultados acompanham a mesma tendência de efeitos negativos apresentada na Tabela 6.

Mais uma vez, a principal implicação dessas evidências é que a adoção de um padrão contábil como as IFRS não necessariamente melhora a performance dos usuários das demonstrações financeiras. Na verdade, como os resultados apontam, os efeitos gerados pela adoção das IFRS na amostra de maneira geral foram negativos. De forma semelhante aos resultados da Tabela 6, a pergunta que emerge é: quais são os mecanismos pelos quais as IFRS estão influenciando de forma negativa a performance dos analistas? Há três potenciais razões para esses resultados:

 A adoção das IFRS não promoveu uma mudança significativa no ambiente informacional dos analistas de mercado, especialmente nos países com fortes incentivos à divulgação de demonstrações financeiras de alta qualidade;

 Os analistas não processaram totalmente ainda as implicações do modelo IFRS em termos de demonstrações financeiras;

 O aumento da discricionariedade no processo contábil e dos componentes transitórios no resultado e seus reflexos na qualidade das demonstrações financeiras dificultaram o trabalho de previsão dos analistas, especialmente nos países com fracos incentivos à divulgação de demonstrações financeiras de alta qualidade.