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3. Revisão Bibliográfica

3.2. Decantação primária assistida

3.2.5. Efeitos da aplicação da DPA em ETAR

3.2.5.1. Introdução

Neste capítulo serão abordados os efeitos que a DPA tem sobre os processos a jusante da decantação primária, nomeadamente no tratamento secundário, na qualidade das lamas e numa eventual digestão anaeróbia.

Para além dos vários autores consultados, considerou-se pertinente referenciar um caso de estudo desenvolvido por De Feo et al. (2012) pelo facto deste estudo abordar os efeitos da DPA em todos os processos que serão abordados neste capítulo com valores obtidos à escala real. Neste caso de estudo é efetuada a aplicação da DPA na ETAR de Avellino, em Itália, com 140,000 hab. eq., fazendo-se uma comparação entre três cenários distintos de funcionamento: Não intervenção ou recurso a decantação primária convencional (A); Decantação primária assistida (B); Decantação primária assistida com tratamento e deposição separativa de lamas primárias e secundárias (C).

A linha de tratamento da fase líquida tem a seguinte sequência: grade de barras, desarenador, decantador primário, reator biológico anóxico seguido de aeróbio, decantador secundário, filtração biológica submersa e desinfeção.

A linha de tratamento da fase sólida tem a sequência seguinte: espessador gravítico, digestor anaeróbio com aproveitamento de biogás, acondicionamento químico e desidratação com centrífuga e filtro de banda.

Convencionalmente, as lamas primárias e secundárias são misturadas a montante do espessador gravítico (cenários A e B).

O efeito que a DPA tem sobre o tratamento biológico tem em conta apenas os cenários A e B, visto que o cenário C apenas tem em conta a forma como o tratamento das lamas é gerido. Pela realização de jar-test foi selecionado, para a realização da DPA, o coagulante Ecofloc CP à concentração 40 mg/L e polieletrólito aniónico à concentração de 0.1 mg/L, tendo sido esta a solução que conseguiu maior remoção de CQO (41,1%).

Os dados para a realização deste caso de estudo foram obtidos ao longo de 8 meses, com um período de 6 horas por dia (nas horas de maior afluência de caudal e carga orgânica).

A análise económica do caso de estudo permitiu concluir que o custo de tratamento da água residual é de 0.082 €/m3, 0.072 €/m3 e 0.069 €/m3 para os cenários A, B e C, respetivamente.

3.2.5.2. Efeitos no tratamento secundário (biológico)

O aumento da eficiência no tratamento primário com recurso à DPA trás duas grandes vantagens para o tratamento secundário (tratamento biológico). A primeira vantagem está associada à redução da carga orgânica afluente ao reator biológico (RB), enquanto a segunda está relacionada com o facto de as dimensões das partículas serem mais reduzidas (Riffat, 2013). Entre vários fatores, a carga orgânica afluente ao reator, expressa pela CQO ou CBO, tem muita influencia sobre a necessidade de oxigenação dos microrganismos aeróbios (Metcalf & Eddy, 2003). Com isto, é evidente que, para as mesmas condições, uma menor concentração de MO

irá conduzir sempre a um decréscimo na necessidade de oxigénio. Consequentemente, os gastos energéticos com os compressores também baixam (De Feo et al., 2012).

Frações mais pequenas de partículas biodegradam-se mais rapidamente que frações de maiores dimensões (Ødegaard, 1998). De Feo et al. (2012) acrescenta que uma grande percentagem da CQO, associada a partículas supracoloidais (25%, segundo a tabela 4), é caracterizada por ter uma biodegradabilidade lenta. Este resultado sugere que a eliminação destas partículas antes do tratamento biológico promove uma maior eficiência do mesmo, sendo possível obter maiores remoções num menor período de tempo.

No caso de estudo desenvolvido por De Feo et al. (2012) foi possível estimar um decréscimo no consumo energético de cerca de 24% entre os cenários A (DPC) e B (DPA).

3.2.5.3. Efeitos nas lamas

Um dos efeitos mais evidentes nas lamas que advêm da utilização de coagulantes na decantação primária é a produção excessiva de lamas, que chegam a ser entre 1,5 a 2,0 vezes superior em relação ao tratamento primário convencional (Xu et al., 2009).

No caso de estudo desenvolvido por De Feo et al. (2012) foi possível verificar um aumento de produção de lamas primárias de 43,3%, passando de uma produção de 8.710,5 m3 para 12.515,4

m3. Contudo, verificou-se também um decréscimo na produção de lamas biológicas de 30,1%,

devido a uma redução na razão F/M. Analisando a totalidade das lamas (primárias e biológicas), foi possível verificar uma produção de lamas ligeiramente inferior no caso em que se recorre à DPA (menos 0,0009 m3 lama / m3 de água residual).

É espectável que a concentração de metais pesados nas lamas seja mais alta quando se recorre à DPA devido à boa capacidade que os agentes coagulantes têm para remover estes compostos da água (Ferrari Gualberto, 2009).

Poon & Chu (1999) estudaram as características qualitativas das lamas com recurso a cloreto férrico e polímero em DPA analisando os parâmetros: teor de sólidos, Sludge Volume Index (SVI), Capilary Suction Time (CST), Centrifugal settleability index (CSI) e alguns metais pesados. Os seus resultados apresentam-se segundo a Tabela 5.

Pela sua análise, é possível verificar que o teor de sólidos é superior para a lama em que se adicionou coagulante e floculante, o que era esperado, visto que as adições destes químicos promovem a remoção de SST da água residual pela agregação das partículas. É possível verificar também que a lama produzida com a adição de cloreto férrico tem um valor de CST e CSI tanto mais baixo quanto maior a eficiência de remoção de sólidos. Os parâmetros CST e CSI têm ambos uma relação direta com a filterabilidade da lama, i.e., quanto menores os valores de CST e CSI, mais fácil será a desidratação da lama (Poon & Chu, 1999).

Tabela 5 - Características qualitativas das lamas em DPA (Poon & Chu, 1999)

Coagulante Teor de sólidos (%) CST (s) SVI (mg/g) CSI (%) Cu (mg/L) Zn (mg/L) Ni (mg/L) Controlo 1,87 120 67,9 87,03 1,85 2,20 0,35

10 ppm de FeCl3 + 0,1

ppm de polímero 2,28 49,5 108,9 50,67 4,60 3,85 1,05 30 ppm de FeCl3 + 0,5

ppm de polímero 2,64 37,3 123,5 42,83 4,95 4,15 1,25

O parâmetro SVI permite verificar as propriedades de espessamento da lama. É considerado que, para valores abaixo dos 100 mg/g, a lama tem uma boa sedimentabilidade e que, para valores acima dos 100mg/g poderá ocorrer problemas, como bulking nos órgãos mais a jusante. Na Tabela 5, verifica-se que o SVI tem tendência a aumentar com o aumento da dose de cloreto férrico e polímero. Este resultado pode ser justificado pelo facto de a adição de polímero formar pontes entre partículas, provocando assim o aumento do volume da lama (Poon & Chu, 1999). Tal como referido por Ferrari Gualberto (2009), é verificável na Tabela 5 que o teor de metais pesados presentes nas lamas aumenta com adição de coagulantes.

No caso de estudo desenvolvido por De Feo et al. (2012) é considerada a hipótese de ser feito um tratamento separativo das lamas primárias e biológicas. Com esta medida verifica-se haver algumas vantagens, nomeadamente porque as lamas secundárias têm características que as tornam aptas para a sua utilização na agricultura e por as lamas primárias terem melhores características físicas em relação a uma mistura das lamas primárias e secundárias, pois as primeiras permitem um espessamento e desidratação mais eficientes.

3.2.5.4. Efeitos na digestão anaeróbia

A digestão anaeróbia de lamas pode ser afetada pela adição de coagulantes metálicos. Estes efeitos são, geralmente, a redução da eliminação dos sólidos voláteis e a diminuição da produção de biogás, verificando-se também uma diminuição do tempo de retenção hidráulico no digestor decorrente do aumento da afluência de lamas ao mesmo (Ferrari Gualberto, 2009).

Por outro lado, De Feo et al. (2012) afirma haver um aumento na produção de biogás, descorrente do aumento de lamas afluentes ao digestor. No seu caso de estudo verificou-se um aumento na produção de biogás de 10,9% entre o cenário A (DPC) e B (DPA com mistura de lamas) e um decréscimo de 17,9% na produção entre o cenário A (DPC) e C (DPA com separação de lamas). De Feo et al. (2012) conclui assim que, o decréscimo na produção de biogás no cenário C deve-se à diminuição do fluxo de lamas ao digestor (que só recebe lamas primárias), no entanto, verifica-se uma maior produção de biogás por m3 de lama afluente ao

digestor, sugerindo que as lamas primárias são mais aptas para a digestão anaeróbia que a mistura das lamas primárias com lamas biológicas.

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