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9 RESULTADOS E DISCUSSÃO

9.5 EFEITOS ECOLÓGICOS DO FLUXO DE SERAPILHEIRA NO CICLO DO

A importância da serapilheira para o aporte total do Hg em ecossistemas florestais é normalmente estimada juntamente com a precipitação direta e a transprecipitação líquida (transprecipitação menos precipitação direta), porém estas medidas são escassas para as florestas tropicais. Para auxiliar nesta discussão utilizaremos outros dados de Hg na

precipitação direta no Estado do Rio de Janeiro. Lacerda e colaboradores (2002) apontam para uma deposição anual de Hg na precipitação direta entre 0,4 – 3,4 µg m_2, o valor mais elevado foi encontrado em áreas urbanas do Rio de Janeiro. Na Baía de Sepetiba a 20 km da área de estudo deste trabalho, Marins e colaboradores (1996) encontraram valores elevados de mercúrio na precipitação anual, uma média de 76 µg m-2. Cintra (2004) em uma análise multielementar da precipitação no mesmo local deste estudo em 2002/2003, revelou uma entrada de 180 µg Hg m-2 anuais, demonstrando uma grande influência urbana e industrial, se comparados com a média de 10 µg m-2 da deposição úmida em dez observações em áreas não poluídas do Hemisfério Norte (Grigal, 2002). Portanto, podemos afirmar que os valores encontrados para a Baía de Sepetiba são de até 7 vezes maiores e do Camorim de 18 vezes maiores do que a média para áreas não-poluídas do Hemisfério Norte. Já na Bacia do Rio Negro na Amazônia, foi encontrada uma média anual para o Hg na precipitação de aproximadamente 22 µg m-2 ano-1 (Fadini; Jardim, 2001; Fostier et al., 2000).

Já para a transprecipitação, que é o enriquecimento da precipitação pela lavagem do dossel, encontramos uma taxa no Hemisfério Norte de 1,8 vezes maior do que a precipitação direta (Grigal, 2002), tendo como média 17 µg m_2 y_1. Se usarmos a média de 50 µg m-2 ano- 1 obtida das médias de Hg na precipitação direta de Sepetiba (76 µg m-2 ano-1) e da Bacia do Rio Negro (22 µg m-2 ano-1), podemos de maneira conservadora pela relação citada acima, assumir que a contribuição anual da transprecipitação no PEPB seja de aproximadamente 90 µg m-2 y_1. Porém, em um raro estudo de transprecipitação em floresta tropical, Fostier e colaboradores (2000) encontraram na Amazônia 72 µg m-2 ano-1 contra 18 µg m-2 y-1 de precipitação direta. Esses valores de transprecipitação variaram 4 vezes sobre a precipitação encontrada na Amazônia, contra a relação de 1,8 vezes do Hemisfério Norte. Esse enriquecimento maior dos valores de transprecipitação frente aos de precipitação em florestas tropicais, mostra a importância da área de superfície do dossel das florestas tropicais que é ampliado devido a uma série de características morfológicas e fitofisionômicas das florestas tropicais (exemplos: presença de tricomas -pelos foliares- e densidade populacional). Outro valor único de transprecipitação, encontrado no mesmo sítio do presente estudo no PEPB, RJ, entre 2002 e 2003 (Cintra, 2004), foi de 20 µg Hg m-2 y-1 da transprecipitação contra 180 µg Hg m-2 y-1 da precipitação direta. Estes valores não foram discutidos pelo autor quanto a sua alta taxa perante os valores mundiais, e nem se hipotetizou o porquê do empobrecimento do Hg na transprecipitação. Neste caso a copa das árvores estaria interceptando o mercúrio da chuva; hipótese não considerada neste trabalho por ser esta a única exceção encontrada na bibliografia, além do fato de ser um valor extremo mesmo para áreas poluídas.

Se mesmo assim, levarmos a taxa de enriquecimento entres os parâmetros (precipitação, transpreciptação e serapilheira) fornecida por Grigal (2002) de 1:1,8:2,2 usando com valor de deposição de Hg por precipitação direta de 50 µg m-2 ano-1 , teríamos que encontrar um aporte de Hg através da serapilheira para o PEPB de 198 µg m-2 ano-1, não distante dos 184 µg m-2 ano-1 encontrados. Apesar das incertezas oriundas da falta de dados locais, de precipitação direta e transprecipitação para o período de coleta do presente estudo, acreditamos que nos trópicos a relação entre o fluxo de Hg da precipitação e transprecipitação seja maior do que a taxa de 1,8 nos levantamentos efetuados no Hemisfério Norte (GRIGAL, 2002) e, um pouco menor do que a taxa de 2,2 sugeridos para a relação entre transprecipitação e serapilheira. Essa discrepância se dá aparentemente, pela intensidade e freqüência maior das chuvas tropicais que influencia a transprecipitação anual bruta e, principalmente, pelos parâmetros morfológicos e fitofisionomicos supracitados da floresta tropical, possuidora de uma grande diversidade de espécies e com poucos indivíduos por espécie. Corroborando com a estimativa mencionada anteriormente, Magarelli (2006) ao comparar seus valores de fluxo de Hg na serapilheira com os de Hg na transprecipitação encontrados por Fadini; Jardim (2001) revela uma relação de 1,7 vezes contra a taxa de aumento de Grigal de 2,2 vezes.

A partir deste valor de transprecipitação bruta – estimada em 90 µg Hg m-2 ano-1 – juntamente com o da serapilheira – 184 µg Hg m-2 ano-1 –, podemos calcular a contribuição atmosférica total do Hg na floresta do PEPB, RJ. Considerando a área florestada como a área total do Parque (123.980.000 m².), teremos o aporte total em 34 kg de Hg anuais. Se extrapolarmos estes fluxos, para toda a área remanescente de Mata Atlântica no Brasil (cerca de 100.000 km2), haveriam aproximadamente 27,4 toneladas de Hg depositados anualmente. Em um quadro mais conservador, utilizando a menor média de deposição de Hg em serapilheira encontrada na Mata Atlântica por Fostier e colaboradores (2003) de 60 µg m-2 ano_1 e pela transprecipitação de 27 µg m-2 ano_1 (estimada da mesma relação usada acima para obter o fluxo de Hg da transprecipitação do PEPB) tem-se uma deposição ao solo de mercúrio na Mata Atlântica remanescente, de 8,7 toneladas anuais. Essa última medida pode ser mais condizente com a realidade devido grande parte da Mata Atlântica se encontrar em escarpas continentais em grandes altitudes, de temperaturas médias inferiores quando comparadas a Ilha Grande e PEPB, RJ.

Essa estimativa para a Mata Atlântica entre 8,7 – 27,4 t de Hg anuais, apesar de muitas incertezas e, sem considerar a re-emissão ou a lixiviação do mercúrio foliar durante o percurso até sua imobilização no solo, reflete apenas uma pequena porção da emissão global de Hg anual, de origem antropogênica. Esta emissão foi calculada entre 2000-4000

toneladas/ano (MUNTHE, et al.,2001; PIRRONE et al., 1996; LACERDA; MARINS, 1997). Enquanto que no Brasil as estimativas mais recentes apontam para uma emissão de 67,4 toneladas durante 1998-2002 (LACERDA et al., 2007).

Apesar de expressivo, estes valores estimados para a Mata Atlântica ainda estariam muito distantes dos valores calculados para a extensa área verde ainda existente na Amazônia. Das florestas existentes em aproximadamente 4x109 ha da superfície terrestre, somente a Floresta Amazônica cobre 0,4x109 ha (INPE, 2000), ou seja, 10% de toda a área coberta por florestas no planeta. Se for utilizado a média dos trabalhos desenvolvidos neste bioma (MAGARELLI, 2006; MÉLIÈRES et al, 2003; ROULET et al, 1998) – 46 µg m-2 ano-1 –, e a mesma taxa de enriquecimento resultará em uma estimativa grosseira de 184 toneladas de mercúrio depositado por ano.

Mesmo assim os fluxos de Hg das florestas tropicais das encostas do Atlântico representam um importante sumidouro atmosférico local com efeitos no ciclo do mercúrio local, regional e global. Esse seqüestro retira parte da carga atmosférica local destinada à área densamente habitada do entorno do Parque, sendo ao mesmo tempo um potencial reservatório de Hg no solo da Metrópole da cidade do Rio de Janeiro. Isso ocorre já que grande parte do Hg emitido para atmosfera é depositado num raio de 40 km (SCHROEDER; MUNTHE, 1998) da fonte variando de acordo com o padrão dos ventos da região. E seus efeitos vão até a escala global, por amortizar o acréscimo regional e global dos níveis atmosféricos de

background do Hg.

O destino do Hg uma vez que atinge o solo florestal é distinto para a transprecipitação e para a serapilheira devido as suas espécies de Hg dominantes. A transprecipitação é constituída da lavagem predominantemente da espécie do mercúrio gasoso Hg(II) que fora adsorvido na superfície do dossel como Hg(II) ou do Hg (0) oxidado na camada limítrofe das folhas e também adsorvido externamente (LINDBERG et al. 1994), além de ser predominante também na precipitação direta. Enquanto que o Hg (0) predomina na serapilheira, quase 80% oriundo da deposição seca (REA et al., 2000) devido a sua retenção pelos complexos estomáticos e sua entrada no mesofilo, tecido interior da folha.

Em relação às reações químicas que ocorrem no solo podem ser citadas as reações de metilação do Hg2+, desmetilação do CH3Hg+ e (CH3)2Hg, e oxidação do Hg0 (CARPI; LINDBERG, 1998). Além destas, umas das reações mais importantes refere-se à redução do Hg2+ a Hg0. Diversas vias de redução e oxidação do Hg, portanto serão mediados no processo de incorporação deste ao solo, realizado por bactérias, pela luz e também por redutores como Fe2+ e ácidos fúlvicos e húmicos. Todavia, é importante conhecer o comportamento de cada

espécie no solo para definir sua retenção potencial, caso esse fomentador de grandes discussões da comunidade científica devido a sua complexidade. Os processos que envolvem a adsorção do mercúrio, por exemplo, em partículas minerais e orgânicas no solo correlacionam-se com a área superficial das partículas, seu conteúdo orgânico e a capacidade de troca catiônica. Como resultado, solos argilosos e com alto teor orgânico possuem uma alta capacidade de adsorver e reter o mercúrio que é depositado atmosfericamente. Os componentes orgânicos do solo são melhores adsorventes em ambientes ácidos (MARK; WILLIANSON, 2004; MIRETZKY et al., 2005). Logo, o Hg tem sua mobilidade e presença relacionada aos mesmos parâmetros da matéria orgânica dissolvida (DOM) ou carbono orgânico dissolvido (DOC) em solos tropicais (ROULET; LUCOTTE, 1998).

Além disso, a lixiviação do Hg dos solos não está correlacionada com a deposição úmida (MUNTHE; HULTELBERG, 2004; SCHWESIG; MATZNER, 2001) o que restringe ainda mais a sua mobilização. Em trabalho realizado por Almeida (2005) foi demonstrada em perfis de áreas florestadas da Amazônia uma tendência crescente com a profundidade, provavelmente devido à lixiviação do mercúrio para horizontes mais profundos onde, seriam em parte, retidos na presença de óxidos-hidróxidos de ferro e alumínio.

A menor mobilidade da espécie Hg(0) oriunda da serapilheira fica reforçada também pela sua menor solubilidade em água quando comparado ao Hg(II) vindo da transprecipitação. Logo, juntamente com outros processos de redução de Hg (II) pelas bactérias, poderia ser a serapilheira a fonte de grande parte do Hg(0) associado a matéria orgânica do solo, permanecendo ali imobilizado até haver a retirada da cobertura vegetal (FOSTIER et al., 2000; ROULET et al.,1998) e a remobilização do Hg seja em partículas associadas ao Fe e Al ou a matéria orgânica para os cursos hídricos. Essa suposição encontra lugar em outra discussão ainda não finalizada entre pesquisadores da área, de qual será a origem dos altos valores de Hg em solos tropicais, se, de origem natural, quanto poderia ser representativo da geogênese local ou da incorporação de anos de transferência da floresta aos solos de Hg atmosférico não nativo?

Destarte, o estado físico do meio de transporte (dissolvido em água ou incorporado às folhas) do Hg especificaria a maior ou menor permanência deste, no solo florestal. Evidências para esta permanência foram encontradas em trabalhos no mesmo sítio no PEPB, tanto para a serapilheira quanto para a transprecipitação para a mesma área, entre 2000 e 2001 (OLIVEIRA et al,.2006) e entre 2002 e 2003 (CINTRA, 2004) respectivamente. Os fatores de enriquecimento de Hg, obtidos a partir da relação entre a sua concentração na deposição úmida total e a sua riqueza na crosta (CINTRA, 2004), foi maior do que 22 outros elementos

(Ti, Fe, Ni, Mn, Pb, Ca, Mg, Sn, Cu, Be, K, Co, Na, Cr, Zn, Cd, Ag, Mo, Sb, e As). Já o enriquecimento medido pela relação da serapilheira, apresentou a menor taxa de enriquecimento para o Hg em comparação a Cr, Zn, Ni, Pb e Cd (OLIVEIRA et al., 2006), além disso, neste estudo o tempo de renovação lento do Hg em comparação aos nutrientes, evidenciou uma baixa dinâmica na serapilheira ao ser decomposta. A quantidade de Hg, juntamente com a de outros metais na serapilheira estocada, foi maior que a da recém caída, indicando um ambiente acumulador. Estes apresentaram velocidade de ciclagem consideravelmente mais lenta do que a dos nutrientes, ou seja, a sua estocagem nos diversos compartimentos do ecossistema florestal (serapilheira, solo, vegetação, fauna, etc.) é mais lenta provavelmente em função de diferentes formas de metabolização destes poluentes pela biota e da preconização dos nutrientes na degradação e posterior reincorporação na biomassa em relação aos metais poluentes. Pelo fluxo reduzido de Hg entre solo/atmosfera dentro da floresta, podemos verificar que, existe pouca remobilização (ALMEIDA, 2005) por volatilização do Hg associado à rica matéria orgânica da camada superficial do solo. Ou seja, as entradas atmosféricas são de novas cargas no sistema e não provenientes de sua reciclagem pelo menos em solos tropicais onde o fluxo líquido do Hg solo/atmosfera é quase zero. Porém nada se sabe da reemissão ocorrida na face externa do dossel (canopéia), onde a exposição solar é mais intensa e não há nenhuma barreira física (MAGARELLI, 2006).

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