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Como foi visto anteriormente, o estudo dos efeitos da fala materna ocupa importante lugar na perspectiva da interação social dos estudiosos da linguagem. Tratando do tema, Salomão e Conti-Ramsden (1994) alegam que há um grande número de estudos que enfatizam o papel da bidirecionalidade na interação mãe-criança para o desenvolvimento da linguagem. Neste sentido, afirmam que nos estudos, usualmente, é considerada a noção de que um adulto sensível responderá intuitivamente à linguagem da criança, fazendo inúmeros ajustes em direção a esta.

Fernald (1985) afirma que dentre as diversas peculiaridades da fala motherese estão a entonação e o compasso nos quais essa fala é dirigida à criança pequena, diferindo nesses aspectos tanto da fala dirigida para outros adultos, quanto para crianças mais velhas, sugerindo que a fala mais compassada das mães serve para fazer com que a mensagem seja compreendida, além de chamar a atenção das crianças. Outra descoberta interessante foi de que as sentenças elaboradas pelas mães para crianças por volta dos dois anos de idade se caracterizam por terminar com uma entonação mais elevada, podendo essa mudança de entonação sugerir à criança que existe uma expectativa de resposta por parte da mãe. No interior das sentenças, as mães costumam enfatizar as palavras mais importantes quando falam com as crianças, o que indica que a longa duração das palavras chaves ajuda a identificar o que há de mais importante na sentença.

Deste modo, Fernald (1985) afirma que a fala materna tende a se adaptar ao nível de desenvolvimento da criança, exemplificando isso pelo fato de que as características dessa fala diferem para as crianças de dois e cinco anos de idade, pois para estas últimas, as mães tendem a considerar que o importante é ajudá-las com relação à compreensão de instruções.

Por sua vez, outros pesquisadores têm se concentrado nos aspectos sintáticos da

motherese. A esse respeito, se destaca um estudo clássico realizado por Snow (1972), que ao

solicitar que as mães falassem com crianças de dois e dez anos de idade, verificou que as mães elaboravam sentenças maiores e mais complexas quando falavam com as crianças mais velhas. Por outro lado, no que se refere à influência das crianças sobre as respostas das mães, a mesma autora, ao solicitar que elas falassem como se estivessem conversando com uma criança imaginária, mostrou que em todas as sentenças elas falavam de forma mais simples quando se encontravam realmente diante da presença de uma criança, indicando que o feedback linguístico desta última é importante para determinar o ajuste da motherese.

É com base nos resultados deste estudo que Snow (1972) rebate as críticas de inatistas como Chomsky, por exemplo, que afirmava que o input era mal formado, incoerente e complexo, necessitando sua pobreza ser compensada pela estrutura inata existente no indivíduo que estava aprendendo a linguagem. Fica evidente que, ao contrário do que foi afirmado pelos inatistas, as crianças não são expostas a um input confuso, de sentenças complexas e gramaticalmente inadequadas, mas sim, a sentenças organizadas, simplificadas e redundantes, as quais lhes proporcionavam uma base ideal para o desenvolvimento da linguagem.

Segundo Harris e Coltheart (1986), muitos estudos subsequentes confirmaram as descobertas de Snow (1972), demonstrando que a motherese é sintaticamente menos complexa que a fala normal, por apresentar sentenças menores e conter menos verbos, e expuseram também o fato de que este tipo de fala só vem realmente aparecer quando as crianças têm idade suficiente para corresponder a ela, o que se dá por volta do primeiro ano de vida.

No que diz respeito às questões acerca do que determinaria as características da

motherese, Cross (1977, 1978) sugeriu a hipótese do feedback linguístico com base na

descoberta de que a motherese se ajusta à maturidade receptiva da criança, ou seja, faz-se mais simples para crianças que tenham menor habilidade maturacional de compreensão. Neste sentido, Snow (1977), em um estudo longitudinal realizado com duas crianças, propõe que as características da fala motherese se devam ao que ficou conhecido como “hipótese conversacional”, na qual enfatiza o papel das expectativas das mães acerca da capacidade das crianças interagirem com elas (Harris & Coltheart, 1986).

Na mesma direção, Bruner (1998), ao tratar do papel que a reciprocidade ocupa nos processos interativos, afirma que a idéia de que a criança e a mãe desenvolvem uma rotina comunicativa, na qual a criança sabe o que se espera dela e como responder, é algo vital para que se dê o desenvolvimento da linguagem.

Segundo o mesmo autor, é por meio do contato social estabelecido nos contextos onde as crianças se inserem, que elas se tornam capazes de utilizar o conhecimento adquirido nas trocas comunicativas, com o intuito de obter auxílio na elaboração dos significados contidos na fala das pessoas com quem convivem. Esta perspectiva foi tida no início dos anos 80 como inovadora, pois considerou que as primeiras noções da linguagem emergem dos contextos onde as crianças costumam interagir com as demais pessoas, seja o contexto familiar, ou outros nos quais as crianças estabelecem as trocas, como berçários, creches e escolas, por exemplo.

Outra função destes contextos seria a de proporcionar à criança a oportunidade de ser introduzida em conceitos a cujo acesso linguístico ela só teria mais tarde, como os de sujeito ativo e passivo. Essa introdução se daria por meio de jogos através dos quais ela aprende que pode fazer coisas e ter coisas feitas para ela também, durante a interação com pessoas como as

mães, os alocuidadores e outras crianças, por exemplo. Esse processo ocorre porque os eventuais comentários do parceiro comunicativo durante essas trocas permitem que a criança descubra como expressar esses conceitos por meio de uma forma verbal inicial de comunicação.

Tratando da importância dos diferentes tipos de contexto para a aquisição da linguagem inicial, Bruner (1998) ressalta que os contextos de atenção conjunta entre bebês e mães são cruciais, uma vez que, nestes contextos, os adultos fazem uso dos comportamentos não-verbais dos bebês, como gestos e direção do olhar para manter sua atenção em determinados momentos da interação, o que costuma ser benéfico para o desenvolvimento da linguagem, pois, nos episódios de atenção conjunta, a criança encontra-se mais atenta e motivada para processar a fala dos pais (Akhtar, Dunham & Dunham, 1991).

Portanto, a aceitação da influência de multifatores é necessária para a compreensão dos determinantes da fala motherese, dentre os quais a reciprocidade da criança tem sido considerada como o principal. Neste sentido, avalia-se que a participação da criança no processo comunicativo, seja na forma como recebe os inputs maternos, seja na forma como responde a eles, vai influenciar fortemente no estabelecimento deste processo de troca, para o qual, outros fatores, como o nível de habilidade que a criança tem para participar da conversação e as expectativas da mãe acerca do seu potencial, por exemplo, também são vistos como importantes (Harris & Coltheart, 1986).

Ainda no que diz respeito à reciprocidade, a importância da responsividade materna tem sido verificada especialmente em termos das suas consequências sobre o desenvolvimento infantil, tendo estudiosos como Bornstein e Tamis-LeMonda (1989), observado que a responsividade do cuidador pode promover a autoregulação na criança, fazendo com que ela experimente sentimentos de controle e autoeficácia, contribuindo para a

o desenvolvimento da competência e da assertividade na criança. A responsividade do cuidador pode ainda fortalecer a motivação da criança para adquirir informações ou para persistir e, consequentemente, resolver problemas com sucesso.

Ribas, Seidl de Moura e Ribas Júnior (2003) afirmam que a responsividade materna é um tema que tem se destacado bastante nos estudos sobre o desenvolvimento infantil, o que se deve em parte à hipótese formulada em diversas teorias, de que a experiência com os cuidadores durante a infância pode exercer influência sobre o desenvolvimento das crianças nas esferas cognitiva, emocional e social. Em outro aspecto, a responsividade reflete também uma cadeia de eventos que envolvem a ação da criança, a reação dos pais ou outros cuidadores e o reflexo desta sobre a criança, constituindo-se como um importante componente da interação adulto-criança.

Segundo os mesmos, alguns estudos tratam da responsividade como o comportamento materno que é apropriado e contingente, ou imediatamente relacionado, ao comportamento infantil. Por sua vez, outros estudos se preocupam também com o tipo de comportamento infantil ao qual o comportamento materno se dirige.

Deste modo, do ponto de vista do comportamento materno, as diversas definições de responsividade envolvem geralmente duas dimensões, uma mais qualitativa, na qual são incluídas características que podem ser consideradas mais afetivas, como calor, proximidade e intimidade, enquanto que a outra dimensão, de propriedade mais temporal, costuma considerar a contingência da resposta materna (Ribas, Seidl de Moura & Ribas Júnior, 2003).

Portanto, faz-se de grande importância examinar que tipos de inputs as crianças recebem e, ao mesmo tempo, como elas reagem a esses inputs, devido ao fato dessa reação influenciar fortemente na responsividade do adulto durante a interação.

Sendo assim, o presente estudo tem por objetivo analisar as interações entre educadoras e crianças em creches públicas, buscando verificar os estilos linguísticos dirigidos pelas educadoras e a comunicação das crianças nestes contextos. A interação, neste caso, é vista de forma dinâmica, o que implica em considerar o papel da bidirecionalidade, por meio da qual educadora e criança se influenciam e se adaptam durante o processo. Para tanto, é necessário abordar aqui alguns dos estudos que atualmente referenciam as investigações acerca desse tipo de interação.

PARTE 2

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