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Efeitos neurocognitivos associados à quimioterapia combinada à radioterapia

4. IMPACTOS NEUROCOGNITIVOS ASSOCIADOS AO TRATAMENTO DA

4.2 Efeitos neurocognitivos associados à quimioterapia combinada à radioterapia

considerada como a terapêutica associada a prejuízos neurocognitivos tardios mais severos em sobreviventes de LLA (Raymond-Spenden et al, 2000). Alguns estudiosos propõem que isto deve-se ao fato de a radioterapia proporcionar maior permeabilidade da barreira hematoencefálica6 aos componentes neurotóxicos presentes na quimioterapia (Cole & Kamen, 2006).

O estudo desenvolvido por Waber et al. (2007), comparou o funcionamento cognitivo de dois grupos de crianças diagnosticadas com LLA de risco intermediário que foram submetidas a tratamentos diferenciados. O primeiro grupo, composto por 39 crianças, recebeu irradiação craniana de 18Gy, fracionados em duas doses de 9Gy ao dia, combinada à quimioterapia intratecal dupla composta pelos fármacos metotrexato e citarabina. O outro grupo, por sua vez, com 30 crianças, foi submetido à intensiva quimioterapia intratecal tripla, constituída pelas drogas metotrexato, citarabina e hidrocortisona. Em tal pesquisa, não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos no que se refere ao desempenho nas tarefas que avaliaram capacidades cognitivas básicas. No entanto, foi visto que as crianças tratadas com irradiação associada à quimioterapia intratecal dupla apresentavam pior desempenho em provas de fluência verbal e, de acordo com relatos de familiares, exibiam dificuldades na modulação do comportamento.

De acordo com Moleski (2000), embora não haja consenso sobre uma gama particular de prejuízos a longo prazo em sobreviventes de LLA, pode-se afirmar com segurança que aqueles que receberam uma combinação de radioterapia e metotrexato intratecal apresentam déficits na memória de longo prazo, memória visoespacial, memória verbal, memória auditiva, na metacognição, reconhecimento verbal, em

6 Estrutura membrânica presente em praticamente todas as regiões do SNC, que tem como funções principais: a) assegurar o equilíbrio iônico do tecido nervoso; b) controlar a entrada de substâncias fisiologicamente importantes ao funcionamento cerebral; c) mediar a saída de substâncias potencialmente neurotóxicas (Lent, 2004)

habilidades visoespaciais e motoras , na velocidade de processamento e atenção, visto que são domínios frequentemente relatados como afetados.

Outro estudo desenvolvido por Campbell et al. (2007) verificou que os grupos de LLA que receberam radioterapia somado à quimioterapia intratecal apresentam um desempenho significativamente pior no funcionamento intelectual geral quando comparados àqueles que receberam quimioterapia intratecal isolada. Entretanto, os efeitos para outras variáveis específicas do funcionamento cognitivo ou não indicou nenhuma diferença significativa entre os grupos de tratamento ou os resultados foram inconsistentes considerando os métodos de comparação.

Langer et al. (2002) realizaram estudo através do qual evidenciaram que a irradiação preventiva do SNC, como usado no início de 1980, em combinação com aplicações de metotrexato promove prejuízos neuropsicológicos e parece ser um fator de déficits intelectuais e cognitivos em sobreviventes de LLA, apresentando maior risco para desenvolver deficiências na atenção, na concentração e na capacidade de seqüenciamento e transformação da informação, medido pelo índice de resistência à distratibilidade.

Vale ressaltar, que, exceto por um breve período na década 1970, praticamente a maioria dos pacientes que receberam radioterapia, utilizaram outras modalidades terapêuticas como profilaxia da LLA no SNC. Portanto, vários estudos apresentando seqüelas cognitivas decorrentes da radioterapia craniana podem ser equivocados, visto que freqüentemente há o uso concomitante de quimioterapia intratecal e intravenosa com a radioterapia. Os protocolos variam entre instituições quanto aos tipos e quantidades de agentes quimioterápicos administrados. Portanto, as diferenças nos resultados entre as crianças submetidas à mesma dosagem de radiação podem estar associadas às diferenças na quantidade e tipo de quimioterapia que receberam (Moleski,

2000).

4.3 Efeitos neurocognitivos associados à quimioterapia isolada

A possibilidade de que a radioterapia de crânio seja a principal responsável pelo surgimento de déficits no funcionamento neurocognitivo – além de estar associada a outros danos, tem tornado a quimioterapia isolada progressivamente o tratamento padrão para crianças diagnosticadas com LLA. No entanto, ainda são escassos os estudos acerca dos impactos neuropsicológicos resultantes do uso da quimioterapia isolada, notadamente no que se refere aos fármacos utilizados na etapa do tratamento direcionado à proteção do sistema nervoso central. Vale salientar que soma-se à escassez anteriormente aludida, relativa polêmica acerca das relações entre a eficácia de cura desta modalidade de tratamento, comumente identificada como menos prejudicial, e a presença de sequelas neurocognitivas, embora estas últimas pareçam ser mais sutis do que aqueles relacionadas à radioterapia (Cole & Kamen, 2006).

Desta forma, constata-se que a utilização da quimioterapia sem radioterapia direcionada ao SNC não pode ser assumida como uma forma benigna de tratamento. De forma semelhante ao que acontece em relação à radioterapia, a controvérsia pode ser encontrada tanto no que diz respeito à existência, à modalidade e à extensão dos déficits, como mais especificamente à relação entre a substância e/ou dosagem utilizada e ocorrência de um déficit cognitivo particular, visto que os protocolos de tratamento administrados variam em função dos diferentes fármacos utilizados, bem como de suas dosagens (Buizer et al., 2009).

Nesse âmbito, destaca-se um conjunto de estudos que busca explicitar as modalidades dos declínios neurocognitivos decorrentes do uso exclusivo de fármacos

específicos (sem radioterapia) nas diferentes etapas do tratamento quimioterápico. Em especial são destacados o metotrexato, a citarabina e os corticoesteróides (Nathan et al. 2007).

O metotrexato é a base de toda terapia e parece estar associado a efeitos cognitivos tardios, notadamente quando há associação do uso intravenoso ou intratecal com a radioterapia de crânio (Moleski, 2000). Ainda não há uma relação claramente estabelecida entre o efeito acumulativo de doses deste fármaco e distúrbios neurocognitivos. Portanto, a fisiopatologia da neurotoxicidade decorrente do uso de metotrexato ainda não é totalmente esclarecida, mas acredita-se que seja de caráter multifatorial. Hipóteses predominantes fundamentam-se em alterações de folato em vias metabólicas, resultando em processo subclínico de desmielinização, na produção de aminoácidos excitatórios e no comprometimento da síntese de neurotransmissores como a serotonina e a dopamina (Buizer et al., 2009).

No que se refere à citarabina, acredita-se que o seu uso intravenoso provoca grande neurotoxicidade, incluindo dentre os efeitos disfunções cerebelares. No entanto, tais implicações parecem estar mais relacionadas ao tempo de exposição ao fármaco do que à intensidade da dose (Cole & Kamen, 2006; Spiegler et al., 2006).

Os corticoesteróides, igualmente utilizados em todos os protocolos, são ministrados oralmente (prednisona ou dexametasona) e na modalidade intratecal (hidrocortisona). A hidrocortisona, em especial, tem sido associada a déficits neurocognitivos tardios (Waber et al., 2000). Entretanto, a necessidade do uso combinado dos fármacos dificulta o estabelecimento de relações precisas entre um fármaco específico e um déficit neurocognitivo tardio peculiar (Nathan et al., 2007).

O Quociente de Inteligência (QI) é uma medida freqüentemente presente nos estudos acerca dos impactos neurocognitivos provenientes do tratamento de LLA. A

maioria dos estudos encontrados por Buizer et al. (2009), que fizeram uso de tal medida, demonstrou que não havia diferença expressiva entre o QI global de crianças diagnosticadas com LLA tratadas apenas com quimioterapia e o grupo-controle igualmente avaliado. Isto posto, a polêmica derivada de tais resultados aborda a possibilidade desta medida não ser suficientemente sensível e/ou adequada para investigar os déficits cognitivos progressivos decorrentes do tratamento quimioterápico, notadamente quando são consideradas as queixas de dificuldades escolares emergentes nesse subgrupo (Butler & Haser, 2006).

De acordo com Moleski (2000), os efeitos da quimioterapia no SNC podem envolver déficits relacionados a habilidades específicas. Deste modo, a constatação que os testes de inteligência avaliam uma série de habilidades simultaneamente, e que estes não são elaborados para dar informações sobre as competências específicas, justificam porque este déficits podem ser obscurecidos. Para isso, torna-se necessária a utilização de uma bateria neuropsicológica mais abrangente.

Prejuízos importantes no funcionamento executivo também têm sido freqüentemente identificados em crianças sobreviventes de LLA, tratadas apenas com quimioterapia, sendo evidenciados problemas de comportamento e baixo desempenho na escola. No entanto, estudos observam que a taxa de crianças com LLA tratadas apenas com quimioterapia e que necessitam de serviços de educação especial foi relativamente baixa quando comparada a publicações anteriores acerca de pacientes pediátricos com LLA que receberam radioterapia craniana (Buizer et al., 2009).

Lofstad, Reinfjell, Hestad e Diseth (2009) utilizaram as Escalas Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC) e observaram aspectos específicos do funcionamento cognitivos dos indivíduos com LLA. A partir disso, encontraram desempenho abaixo do esperado no que se refere ao funcionamento verbal, resolução de problemas complexos

de aritmética e tarefas visoespaciais, atenção e velocidade de processamento, quando comparados a um grupo controle pareado de acordo com as variáveis idade e sexo. De acordo com estes estudiosos as tarefas mencionadas requerem o bom funcionamento das atividades mentais superiores ou funções do lobo frontal, o que pode caracterizar um fator comum na expressão dessas dificuldades (Lofstad et al., 2009).

A revisão desenvolvida por Peterson et al. (2008) acerca de estudos voltados à investigação das seqüelas neurocognitivas em crianças submetidas a tratamento apenas quimioterápico revelou predominância no relato de déficits leves de habilidade motora fina, prejuízos no funcionamento executivo e na memória verbal.

Moleski (2000) realizou um mapeamento da literatura publicada entre 1981 e 1997 sobre os impactos decorrentes do uso da quimioterapia isolada em pacientes pediátricos diagnosticados com LLA, bem como de referências que analisam o funcionamento dessa população utilizando-se, para tanto, de grupos-controle constituídos por indivíduos saudáveis ou diagnosticados com outras enfermidades, como neoplasias que não requerem tratamento direcionado ao SNC ou doenças crônicas. A partir disso foi percebido que cerca de dois terços da pesquisa sobre os efeitos da quimioterapia profilática para o SNC na LLA documentou declínios significativos em um ou vários aspectos do funcionamento intelectual funcionamento. Neste âmbito, estudos incluindo um grupo controle formado por crianças saudáveis ou pacientes de câncer que não receberam quimioterapia direcionada ao SNC são quase unânimes em seus resultados de diferenças significativas nas habilidades cognitivas entre esses grupos controle e sobreviventes de LLA.

Nesta perspectiva, estudos abordando fatores específicos do funcionamento neuropsicológico subjacentes aos déficits acadêmicos começaram a ser estruturados. Nestes, os domínios indicados como os mais comprometidos foram: atenção, velocidade

do processamento da informação, memória, compreensão verbal, visoespacialidade e habilidades visomotoras (Buizer, Soneville, Heuvel-Eibrink, Njiokiktjien & Veerman, 2005). No entanto, tais estudos polemizam em torno de possíveis fatores que favoreceriam o surgimento de declínio cognitivo específico, conforme discutido na seção a seguir.