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Efeitos das políticas sobre os atores estatais e transformações na organização do Estado

5.2 Políticas públicas transformando preferências e organização dos atores

5.2.3 Efeitos das políticas sobre os atores estatais e transformações na organização do Estado

As elites governamentais são atores fundamentais das políticas públicas e não apenas receptores passivos das pressões sociais. Novas políticas públicas “transformam ou expandem as capacidades do Estado. Elas mudam as possibilidades administrativas para iniciativas governamentais no futuro e afetam as perspectivas para a própria implementação da política” (Skocpol, 1995, p. 58). Segundo Skocpol, a questão a se perguntar é se uma dada

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política pública, uma vez adotada, altera as capacidades do Estado no sentido de promover a expansão dessa trajetória institucional. Assim pode ser medido o sucesso de uma política pública do ponto de vista do processo político em curso, e não em termos de algum critério econômico externo ou pelo valor moral dado por algum padrão normativo.

Uma política pública é bem sucedida, de acordo com essa abordagem do processo político, se ela melhora o tipo de capacidades do Estado que pode ajudar a promover seu próprio desenvolvimento futuro, e especificamente se ela estimula grupos e alianças políticas a defender a continuação e expansão da política pública (Skocpol, 1995, p. 59).

As capacidades estatais podem ser definidas a partir de três elementos: os recursos básicos disponíveis ao Estado para a implementação de quaisquer tipos de objetivos, dos quais os principais são os recursos financeiros (capacidade de arrecadação e gasto público) e humanos (existência de um corpo de funcionários leais e bem preparados); os instrumentos de política (policy instruments), principalmente agências e programas governamentais estruturados para a implementação de objetivos específicos; e o poder do Estado sobre atores e estruturas não governamentais (Skocpol, 1985).

O primeiro e mais óbvio efeito que a criação de políticas para a agricultura familiar teve na capacidade administrativa do Estado foi a criação de instrumentos de política (o Pronaf e o MDA), solução sui generis de coexistência de dois ministérios encarregados de políticas agrícolas. Embora o MDA tenha sido criado apenas em 1999, a criação do cargo de Ministro Extraordinário de Política Fundiária, ainda em 1996, já parecia indicar o início de uma mudança que mais tarde foi aprofundada. Os conflitos no interior do Ministério da Agricultura narrados anteriormente evidenciam também que os instrumentos de política então existentes (o MAPA e os programas existentes para crédito agrícola, especialmente) entravam em contradição com as novas políticas, mostrando que os feedback effects de políticas podem ser também negativos e poderiam inclusive ter minado as possibilidades de consolidação das políticas de apoio à agricultura familiar.

O MDA, criado em 1999 sem uma estrutura burocrática própria, apoiou-se inicialmente no corpo burocrático do Incra, autarquia vinculada ao ministério, e em cargos cedidos por outros órgãos e de livre contratação (os DAS). Hoje é composto por mais de 6.500 funcionários ativos, a maioria deles vinculados ao Incra. Não possui carreira própria de servidores, mas é um dos ministérios com maior número de cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS).

Outro impacto importante que as políticas de agricultura familiar provocaram na construção dos instrumentos do Estado para a implementação das políticas para a agricultura familiar foi a reconstrução de serviços de assistência técnica e extensão rural (Ater) em grande parte dos estados brasileiros com foco na agricultura familiar. Os serviços de Ater, praticamente inexistentes para os pequenos produtores mesmo no auge da fase da modernização conservadora, foram praticamente extintos com o fim da Embrater no governo Collor (Bianchini, 2000, p. 6-8). A Ater foi transferida do MAPA para o MDA em 2003, que passou a repassar recursos para organizações não governamentais e órgãos estatais de assistência técnica e extensão rural. Os números oficiais divulgados no início de 2010 indicam a existência de 548 organizações públicas e privadas credenciadas, que somam 23 mil técnicos em todas as unidades da federação. O orçamento dessa ação chegou a 246 milhões de reais em 2009 (frente a 22 milhões de reais em 2003) e o atendimento esperado é de 1,6 milhão de famílias. A reconstrução desse instrumento de política é estreitamente vinculada ao Pronaf, como assinala Valter Bianchini, agrônomo da Emater do Paraná e ex-secretário de Agricultura Familiar do MDA:

As Emater renasceram em função do Pronaf. Você passa a ter um volume de recursos nos municípios e a depender de uma estrutura de assistência técnica para a chegada desses recursos. Há reconhecimento pelas prefeituras, pelos estados, da importância de ter uma política de Ater. Depois, com a transferência da Ater do MAPA para o MDA, ao lado do Pronaf, é evidente que se estabelece uma via de mão dupla. É um fortalecimento da política de Ater (Entrevista Valter Bianchini).

As mudanças na capacidade do Estado em relação à construção dos instrumentos específicos para implementação da política de apoio á agricultura familiar, das quais as principais são a criação e consolidação do MDA e a reconstrução de um sistema de assistência técnica e extensão rural nos estados, possibilitaram a ampliação de escala e escopo das políticas de apoio à agricultura familiar. Todavia, este é um processo ainda limitado e está longe de se tornar um fator de irreversibilidade da política.

Outro aspecto importante em que as políticas de apoio à agricultura familiar tiveram impacto sobre a estrutura e capacidade do Estado foi a difusão, para outras áreas de governo, de políticas e programas complementares ou diretamente relacionadas àquelas sob gestão do MDA. Podem ser citados como exemplos representativos desse processo de espalhamento da agricultura familiar como alvo de políticas públicas desenvolvidas por outros ministérios:

a) Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), inicialmente no âmbito do MDS, mais tarde contando com recursos também do MDA, e operado pela Conab;

b) obrigatoriedade de uso de 30% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para aquisição de merenda escolar diretamente de estabelecimentos de agricultores familiares (individuais ou cooperativas) e do Programa de Educação do Campo, no âmbito do MEC;

c) programa interministerial Territórios da Cidadania, que busca coordenar e fazer convergir para os territórios rurais o conjunto das políticas públicas federais;

d) participação dos agricultores familiares no Programa Nacional de Biodiesel, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia, com a criação de mecanismos específicos de Ater, participação das organizações dos agricultores na negociação dos contratos de produção de matérias-primas e do selo combustível social, que reduz as alíquotas do PIS e Cofins para empresas que adquirirem matérias-primas da agricultura familiar.

5.3 Políticas públicas para agricultura familiar, coalizões de interesses e efeitos políticos