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Parte I A Reincidência Penal

5. Efeitos

Os efeitos da aplicação da reincidência estão previstos no art. 76.º, sendo que estabelece a lei que o limite mínimo da pena aplicável é elevado a um terço, permanecendo o limite máximo inalterado229. Outro limite dado pelo n.º 1 é de que a pena mais grave aplicada nas

condenações anteriores, nunca poderá ser ultrapassada, “desde que se verifiquem os pressupostos da reincidência em relação à condenação na pena mais grave”230, pois pode ter

havido mais condenações e a reincidência só operar em relação a alguma delas. Esta limitação encontra-se justificada pois que se pretende evitar que aplicada uma pena pequena anteriormente, possa ela ser valorada de tal forma para a reincidência, resultando numa agravação desproporcionada231. Excluída a aplicação da pena relativamente indeterminada

(pois partem de fundamentos semelhantes232), que segundo o n.º 2 prevalece sobre o regime

da reincidência (sem possibilidade de acumulação), deverá proceder-se ao cálculo da pena. Na doutrina de FIGUEIREDO DIAS233, seguido pela maioria234, no primeiro passo

determina-se a pena a aplicar ao crime, não considerando agora a reincidência235. Será não só

para verificar se a pena a aplicar é superior a seis meses (pressuposto formal), como também para facilitar o último passo da operação. De seguida, deverá o juiz construir a moldura penal que decorre com a aplicação da reincidência, ou seja, deixando o limite máximo intocado e elevando em um terço o limite mínimo previsto para o crime. Considera este Autor que do ponto de vista da culpa, esta solução é de aplaudir. O terceiro passo consiste na busca, dentro da moldura penal desenhada pela reincidência, da medida concreta da pena. Ora, o mesmo Autor que considera respeitado o princípio da culpa, vem explicar que esta moldura se encontra mais estreita, pois o limite mínimo subiu pela operação anterior e o “limite máximo da pena concreta consentido pela culpa poderá ser mais alto, devido à intensidade da censura

229 Limitação que é imposta pelo próprio princípio da culpa. No mesmo sentido, ainda que considerando uma culpa agravada DIAS, Direito Penal Português…, cit., p. 271.

230 ALBUQUERUQE, Comentário do Código Penal…, cit., p. 375. 231 DIAS, Direito Penal Português…, cit., p. 273.

232 LEITE, Ne (idem) bis in idem, Vol. I, cit, p. 554. Segundo a conceção de ZAMORA, a habitualidade pode ser cumulada com a reincidência. cit., p. 173.

233 Idem, pp. 270 e ss.

234 ALBUQUERUQE, Comentário do Código Penal…, cit., pp. 374-375; GONÇALVES, cit., pp. 266-267; LEAL- HENRIQUES, cit., pp. 905-906.

235 RODRIGUES, Anabela Miranda, “A determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade e a escolha da pena” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 1, n.º 2, (Abril-Junho), Lisboa, 1991, pp. 243-258; Sobre a Jurisprudência do STJ vide SOUTO MOURA, A Jurisprudência do STJ sobre a fundamentação e critérios da

escolha e medida da pena, [Consultado a 14-05-2019]. Disponível em: https://www.stj.pt/wp-

42 ao agente de se não ter deixado motivar pela advertência”236. Desta forma, chega à conclusão

de que o resultado será, inevitavelmente, uma pena mais elevada. Por fim, deverá comparar- se a medida concreta da pena resultante dos passos anteriormente dados e a pena que seria aplicada caso a reincidência não fosse aplicada, por respeito ao limite do n.º 1 in fine, certificando que a agravação (diferença entre uma e outra) não ultrapassou o seu limite.

Analisando toda a problemática à luz da prevenção especial e do princípio da culpa, FFERREIRA LEITE faz um raciocínio inverso, ou seja, em vez de se determinar que é necessária uma pena mais grave para se intimidar o agente, a conclusão a que é preciso chegar é a de que uma pena mais leve não produzirá esse efeito, limitando sempre pelo máximo fixado pela culpa e pelas necessidades de prevenção especial237. Assim, pode logo chegar-se

à conclusão de que nem será necessária uma pena agravada. Como bem explica a Autora, “Pode a reincidência ser apenas uma comprovação, em sede de prevenção especial, da imagem global de prevenção resultante do facto e do agente. Ou pode ainda a reincidência indicar não um aumento, mas uma diminuição da culpabilidade, por ser reflexo da fraca capacidade do agente se motivar pela norma”238.

FERREIRA LEITE tece também duras críticas ao esquema de determinação da medida da pena de FIGUEIREDO DIAS, problema que parte desde logo da consideração da reincidência como uma circunstância agravante da culpa239. Ora a terceira operação do

tribunal, em que se deverá determinar qual a medida concreta da pena dentro da moldura penal já desenhada no segundo momento pela reincidência, coloca o risco de que a pena exceda a medida da culpa. Assim, a reincidência influencia o limite máximo da culpa (culpa agravada), determina o limite mínimo da moldura penal e ainda agrava a medida concreta da pena, depois de terminadas todas as operações com a comparação entre a medida da pena obtida com e sem a reincidência, de forma a que não se exceda a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores, “o que torna praticamente impossível evitar uma dupla valoração.”240 FERREIRA LEITE propõe assim que primeiro se fixe a moldura da pena, em

função da medida da culpa, que à semelhança da primeira operação de FIGUEIREDO DIAS, não tem em conta a reincidência. Se à luz da prevenção especial for aplicável a pena de prisão, então deveremos verificar os restantes pressupostos formais da reincidência e só

236 DIAS, Direito Penal Português…, cit., p. 272.

237 LEITE, Ne (idem) bis in idem, Vol. I, cit, pp. 548-549. 238 LEITE, Ne (idem) bis in idem, Vol. II, cit, p. 646. 239 LEITE, idem, p. 644.

240 Idem, p. 645. Em sentido semelhante, CASAL, Nuno, “Ponderação de antecedentes pela CMVM em sede de processo de contra-ordenação” in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, 12, 2001, p. 299.

43 depois partir para o pressuposto material. Caso também se verifiquem, só então se cumpre o disposto no art. 76.º n.º 1, elevando-se o limite mínimo já encontrado em um terço. Nesta moldura deverá ser encontrada a medida concreta da pena. O termo “agravação” deverá ser relativo ao aumento do limite mínimo e não à agravação da medida da pena241. Os resultados

serão diferentes, vejamos. Imaginemos que temos um sujeito que já tinha sido condenado em dois anos de prisão efetiva e que agora teria praticado ofensas à integridade física grave, punido com pena de prisão de dois a dez anos.

Segundo FIGUEIREDO DIAS, primeiro chegamos à medida concreta da pena a aplicar a este delito, sem considerar a reincidência, imaginando, seis anos. Depois vamos desenhar a nova moldura penal com a reincidência, ou seja, subindo o limite mínimo em um terço, neste caso, seria de quatro anos e oito meses a dez anos. Depois encontramos a medida concreta da pena na nova moldura, imaginemos, oito anos (culpa agravada). Agora poderemos concluir que ao art. 76.º n.º 1 in fine se encontra respeitado pois a diferença entre a primeira e a segunda medida da pena são de dois anos (pena anterior).

Segundo FERREIRA LEITE, primeiro desenhamos a moldura da pena, sendo de dois a sete anos. Ponderada a aplicação da pena de prisão, à luz da prevenção especial, e verificados todos os pressupostos formais da reincidência, terá o juiz que averiguar a ineficácia, ou não, do cumprimento da pena anterior, relativamente ao novo delito. Só uma conclusão positiva nos poderá deixar avançar para o próximo passo, estreitando a moldura pelo seu limite mínimo. Este apenas poderá apenas subir para quatro anos, pois ao contrário do limite mínimo desenhado anteriormente, para esta Autora a “agravação” do n.º 1 in fine é relativo ao limite mínimo. Como a pena anterior era de dois anos, este será o máximo permitido. Ainda não determinamos a medida concreta da pena, mas já chegámos a uma moldura completamente diferente.

241 Idem, p. 646.

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Parte II