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Funções e finalidades da coima

Parte II Os Crimes e as Contraordenações

3. Funções e finalidades da coima

Difícil de desligar das teorias preconizadas relativamente à distinção entre crime contraordenação, são as finalidades prosseguidas por cada um deles. Com isto queremos dizer que o critério atribuído irá influenciar o modo como se olha para as finalidades atribuídas, ou ainda, vice-versa, pois poderemos partir de um ponto para o outro, ou ainda ver nos seus fins visados um critério de autonomia entre a coima e a pena.

Nesse sentido parece ter principiado WOLF396, Autor que encontrou nas finalidades o

critério político-criminal de distinção entre crime e contraordenação. Assim, olhando para os dois campos, deparou-se com finalidades de intimidação, reeducativa e de segurança. Na primeira, entenda-se, prevenção geral e especial negativa, ao contrário da maioria da doutrina, WOLF vê esta finalidade com maior ênfase no Direito Contraordenacional, pois a este está ligado uma “exigência de cumprimento de um dever positivo, como uma prescrição policial, uma obrigação fiscal ou uma ordem administrativa, tais imposições são por norma levadas ao conhecimento do respectivo destinatário conjuntamente com a ameaça de pena correspondente”397. Na segunda, só de forma muito limitada é que poderá ser considerada

no DMOS, não acudindo a qualquer carência de ressocialização, ou seja, de prevenção especial positiva, podendo apenas serem reconhecidos “propósitos de admonição ou advertência.”398 Quanto à última, sendo para o Autor o dano e o perigo diminutos, então não

se verá no DMOS qualquer finalidade de segurança.

A doutrina portuguesa, de forma geral, tem entendido que a coima visa apenas fins preventivos. No entanto, a questão está longe de ser consensual, pois se diferentes critérios são avançados, também diferentes têm sido os entendimentos sobre a finalidade da coima.

No seguimento do pensamento de EDUARDO CORREIA, a coima terá “o sentido de mera advertência despido de toda a mácula ético-jurídica.”399 em que apenas terá expressão

uma censura social, motivo pelo qual se devem excluir do DMOS as penas privativas da liberdade400. Por sua vez, excluídas estão também quaisquer intenções de prevenção especial,

pois esta censura social não envolve “um sentido de retribuição ou expiação ética, ligado a

396 Apud, BRANDÃO, Crimes e contra-ordenações…, cit., pp. 40-42. 397 Idem, p. 41.

398 Ibidem.

399 CORREIA, “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação…”, cit., p. 267.

400 Idem, p. 272. De igual forma CASTRO E SOUSA, João, As pessoas colectivas em face do direito criminal e do

66 uma finalidade de recuperação do delinquente, mas exprime apenas, a ideia de uma advertência de que está ausente o pensamento de qualquer mácula, ético-social.”401

Na mesma linha, para FIGUEIREDO DIAS as finalidades prosseguidas pela coima “são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de re(socialização).”402

A sanção na sua ótica, nunca se poderá ligar à personalidade do agente ou à sua atitude pessoal mas servir unicamente como admonição ou reprimenda “relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas”403, ou seja, de prevenção geral e

especial negativa.

BELEZA DOS SANTOS faz um paralelo com o Direito das Obrigações, motivo pelo qual à sanção não correspondem ideias de “correção, nem à intimidação e muito menos à eliminação, mas ao estímulo, ao incitamento dos cidadãos ao cumprimento daquele dever.”404

Num movimento oposto ao da restante doutrina, para este Autor as coimas devem ser equiparadas à penas, devendo ter as mesmas finalidades, tais como “reprovar o facto ilícito, prevenir a sua prática pelos outros cidadãos e evitar a repetição dêsse e de outros pelo agente que os cometeu.”405

Para TAIPA DE CARVALHO, ainda que as funções principais sejam também elas de prevenção geral e especial negativa, a estas terá de se acrescentar a consciencialização social e do próprio infrator, ou seja, funções positivas de prevenção406. Segundo o STJ é à luz destas

funções que se afirma a sanção de admoestação e sua aplicação407.

Já segundo VILELA, atendendo ao atual estado do DMOS de proliferação das contraordenações, bem como o escopo de proteção de bens jurídicos e da magnitude de determinadas coimas, não se poderá falar apenas numa mera (e exclusiva) função de advertência social, mas também numa “função de prevenção, não só especial, como geral, uma função de verdadeira repressão.”408 Mais longe vai a Autora, considerando que em

determinados casos nos quais as consequências se demonstrem dificilmente reparáveis,

401 Idem, p. 271.

402 DIAS, “Do direito penal administrativo …”, cit., p. 151. 403 Idem e ainda, Direito Penal, Parte Geral…, cit., pp. 165-166. 404 SANTOS, “Ilícito Penal Administrativo…”, cit., p. 42. 405 Idem, p. 45.

406 CARVALHO, idem, p. 131. Contra PINTO DE ALBUQUERQUE, para quem a coima não tem “um fim de prevenção especial positiva, pois não visa a ressocialização de uma personalidade deformada do agente.” ALBUQUERQUE, Paulo Pinto de, Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Edição Universidade Católica, 2011, p. 84.

407 STJ de 26-09-2018.

408 VILELA, O Direito…, cit., p. 365. Do mesmo modo MOUTINHO, Direito das Contra-Ordenações …, cit., p. 37. Contra PINTO DE ALBUQUERQUE ibidem.

67 poderá ainda falar-se numa função retributiva “se o agente desta assumir a sua condenação

naquela coima de uma forma responsável, percebendo que ela não corresponde a um mal em

resposta a outro mal (o mal praticado).”409

Também FERREIRA LEITE considera que ao DMOS não cabe apenas uma tutela preventiva, devendo assumir-se um carácter e função punitivo410, pelo que “a coima é uma

sanção punitiva – simboliza o castigo (ou consequência intrínseca) pela prática da infração, contribui para o reforço da validade da norma e serve de prevenção no que respeita à prática de novas infrações.”411. Considera também a Autora que a aplicação de sanções acessórias

“decalcadas do Direito Penal” vêm demonstrar que a negação de fins de prevenção positiva não poderá ser por mais sustentada412.

Por sua vez, SILVA DIAS integra numa ideia de prevenção geral positiva e negativa as duas funções atribuídas à coima: a função “reafirmativa-expressiva” que se condensa no “restabelecimento da expectativa normativa violada pela infracção; a difusão das mensagens de que o projecto ilícito não vingou”413; e a função “confiscatória”, resumindo-se na absorção

pela coima do benefício patrimonial atingido com a infração. No entanto, o sentido de prevenção geral dado pela coima é diferente da prevenção geral da pena. Entende este Autor que a diferença reside não só nos interesses que suportam uma e outra, como também na mensagem transmitida com a sanção. Ainda que acompanhe a doutrina que considera que a coima tenha carácter punitivo e repressivo (sendo estes, para o Autor, sinónimos), já o mesmo não se poderá afirmar quanto à prevenção especial, seja ela positiva ou negativa, traduzida numa “ideia ou programa de reintegração social, nem qualquer pretensão de neutralização ou inocuização do sujeito perigoso.”414

409 VILELA, O Direito…, cit., p. 366.

410 LEITE, Ne (idem) bis in idem. Vol. I, cit., pp. 352-354.

411 LEITE, “A autonomização do direito sancionatório…”, cit., p. 41. 412 LEITE, Ne (idem) bis in idem. Vol. I, cit., p. 369.

413 SILVA DIAS, Direito …, cit., p. 165.

414 Idem, p. 166. Num sentido próximo, considerando que “não é conatural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de uma culpa ética, como a não será também a da ressocialização do agente.” MENDES/CABRAL, Notas ao regime geral das Contra-Ordenações, cit., p. 59. Igualmente COSTA PINTO, considerando que a ideia de ressocialização do condenado não se suscita no DMOS, pela natureza das suas sanções. PINTO, “O ilícito de mera ordenação …”, cit., pp. 68-69.

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