• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 REVISÃO DE LITERATURA

2.4. Efeitos Relacionados com a Reforma Educacional no Período da Extinção dos Jesuítas

A Companhia de Jesus dispunha de mão-de-obra bastante expressiva com relação à educação e ao ensino que promoveu o desenvolvimento eficaz através da utilização de recursos estratégicos, “em 1758, Lorenzo Ricci foi eleito Geral da Companhia de Jesus, esta contava com 42 Províncias e um total de 23.000 jesuítas, o que fazia supor uma realidade bastante consistente em termos quantitativos dentro da Igreja Católica” (Pavone, 2014, p. 13).

46 De acordo com Carvalho (2001), a Ordem Jesuítica apresentou na educação e no ensino, desde o século XVI ao século XVIII, as práticas educativas que possibilitaram o desenvolvimento de seus membros e alunos e utilizavam as seguintes estratégias:

“A severidade, a rigidez das regras, o espírito de obediencia pertinaz e cega. Dentro deste código tornou-se extremamente moroso o processo de transformação da mentalidade jesuíta, muitíssimo mais do que é normalmente necessário para os homens de qualquer época aceitem as novidades que se lhes imponham, para mais considerando que os mestres da Companhia de Jesus não eram homens quaisquer mas um escol de capacidades notáveis, como tantas provas deram dentro das suas teimosas limitações” (Carvalho, 2001, p. 386).

Carvalho (2001, p. 386), relata ainda neste sentido: “era completamente impossível defender a velha filosofia depois das descobertas de Galileo, de Descartes, de Newton, de Leibniz e de Huygens, e depois das invenções do barómetro, do termómetro, da máquina pneumática, do telescópio e do microscópio”. Embora, a reunião de janeiro a abril de 1706 realizada pela Congregação da Companhia de Jesus ter demonstrado questionamentos e proibições entre os jesuítas que simpatizavam com as doutrinas de Descartes, o ensino escolástico dia a dia demonstrava ser mais desajustado ao mundo de então.

Segundo Pavone (2014), em seu texto La Compañia de Jesús en la tormenta, a crise da Ordem Jesuítica teve início no século XVIII na década de 30 onde

“concluiu o confronto entre as missões jesuíticas na China e Índia e as Congregações romanas do Santo Ofício e de Propagação da Fé, sobre as difundidas práticas entre os missionários da Companhia de Jesus de adotar alguns ritos tradicionais do confucionismo (China) e do hinduísmo (Índia) com práticas exclusivamente civis e políticas” (Pavone, 2014, p. 13).

Neste caso, o enfrentamento trouxe danos aos missionários da Ordem Jesuítica e ocasionou uma enorme dificuldade de comunicação que permitiu ao Papa Benedito XIV a condenação definitiva “dos ritos chineses (1742) e malabares (1744)” (Pavone, 2014, p. 12). Contudo, os jesuítas ficaram debilitados em praticar e divulgar o evangelho no Oriente após a desaprovação do Papa Benedito XIV.

O dramático Tratado dos Limites ou Tratado de Fronteiras (1750) demarcou as divisões entre os domínios portugueses e castelhanos na América do Sul. Carvalho (2001, p. 425) define bem esta relação: “ao sul do Brasil a linha de separação dos domínios explorados pelas duas nações ibéricas, e para acerto dessa linha, Portugal cederia à Espanha certa zona designada por Colónia do Sacramento, e a Espanha cederia em troca a Portugal equivalente”.

47

Os jesuítas opuseram-se à decisão; a Espanha recebeu uma região preparada pela Ordem Jesuítica, ou seja, o seu império “a Colónia do Sacramento”. Os jesuítas espanhóis há mais de um século que atuavam da seguinte forma: “dominando algumas dezenas de milhar de indígenas, a quem catequizavam, construindo igrejas, escolas, habitações, oficinas, promovendo o comércio, a indústria, a agricultura, tudo submetido a leis rigorosas com que regiam os vários aspetos de uma sociedade meticulosamente organizada” (Carvalho, 2001, p. 425). Esta atuação, por sua vez, gerou uma rebelião liderada pelos próprios inacianos contra os portugueses e espanhóis.

Após a morte de D. João V e a subida de D. José I ao trono, a Companhia de Jesus já não fazia jus dos prestígios que antes detinha nos reinados anteriores. Mas o agravo iniciou- se na gestão de Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), Conde de Oeiras, Marquês de Pombal, como ministro dos negócios estrangeiros, por vários razões:

“a primeira delas foi o seu plano de libertação dos índios, ao qual estava indissoluvelmente ligada a intenção de fazer das missões religiosas fontes de um comércio que pudesse favorecer vantajosamente o progresso do reinado; segunda decorreu das vicissitudes advindas do cumprimento do Tratado de Limites inspirado pela clarividência política de Alexandre de Gusmão” (Carvalho, 1978, pp. 102-103)

Do ponto de vista estratégico, Pombal conseguiu, através de D. José I, em 1755, a liberdade dos indígenas no Brasil e a posse das missões ultramarinas para o Estado. Deste modo, o processo de declínio da Ordem Jesuítica “foi rápido e eficaz e poderíamos dizer que se desenvolveu sobre tudo através de três fortes medidas: secundarização, expulsão e prisão” (Trigueiros, 2014, p. 357).

De acordo com o ocorrido relativamente à expulsão dos membros da Companhia de Jesus, foi editado o decreto de 03 de setembro de 1759. Consequentemente, por ordem do rei de Portugal, os jesuítas não tinham mais permissão de realizar as suas funções relacionadas com a pregação do Evangelho, de ensinar os índios e moradores de todas as regiões. Nesta altura, os missionários estavam “espalhados pelo império, num total de 1.480 padres, irmãos coadjuntores e escolásticos procedeu-se a um desmantelamento selectivo da numerosa Assistência, composta por sete províncias e vice-províncias (Lusitânia, Brasil, Maranhão, Goa, Malabar, Japão e China)” (Trigueiros, 2014, p. 357).

Ainda, segundo Trigueiros (2014), a “secularização” foi a primeira medida de desmantelamento seletivo e começou primeiro pelas províncias Lusitânia (de janeiro a

48 setembro): através da decisão tomada pelo rei houve pressão para que os jesuítas desistissem do seu compromisso ao denunciar o seu próprio companheiro. Desta forma, teve o “insistente assédio feito aos não professos (noviços e escolásticos) separados propositadamente dos professos, para abandonarem a ordem” (p. 357). A expulsão, a segunda medida, ordenou o “embarque forçado em nove expedições do grosso dos elementos das províncias e das missões” (p. 358). A prisão foi a medida mais inflexível de todas as que “humilharam os missionários o encarceramento imediato dos jesuítas mais influentes, e presumivelmente considerados mais perniciosos, nas prisões de S. Julião da Barra, Azeitão, Junqueira e Almeida” (pp. 368-369).

Desta forma, o Alvará de 28 de junho de 1759 coloca fim a quase duzentos anos de atividade pedagógica ininterrupta da Companhia de Jesus. Para que as ordens do rei fossem cumpridas, foram acrescentadas à Lei “em termos duros, … o rei declara ser servido privar inteira, e absolutamente os mesmos Religiosos [os jesuítas], em todos os meus Reinos, e Domínios, dos Estudos de que os tinha mandado suspender” (Carvalho, 2001, p. 429).

Neste contexto, Carvalho (1978, p. 112) relata, neste sentido, que “os cursos das escolas da Companhia de Jesus, por ocasião da reforma pombalina, correspondiam às exigências das condições dos séculos XVI e XVII e não podiam mais satisfazer às necessidades peculiares da vida social e política do século XVIII”. Então, instaurou-se a Reforma dos Estudos, em 28 de junho de 1759, quando Pombal lançou “as normas da nova metodologia para as Escolas Menores, e se cria a Direção-Geral dos Estudos; e a instituição do Colégio Real dos Nobres de Lisboa” (Carvalho, 2001, p. 452) que culminou com a expulsão dos jesuítas do reino e dos domínios portugueses.

O organismo estatal, sustentado pelas entidades o Santo Oficio, o Ordinário e o Desembargo do Paço criado pelo Alvará de 5 de abril de 1768, em que se chamou a Real Mesa Censória, por meio de Alvará de 4 de junho de 1771, obteve mais “responsabilidades para administração e Direção dos Estudos das Escolas menores destes Reinos e seus domínios:o Real Colégios dos Nobres, mas todos e quaisquer outros Colégios e Magistérios” (Carvalho, 2001, p. 453). Ainda sob a influência jesuítica, a Real Mesa Censória declarou à Direção-Geral dos Estudos a ineficácia para atuar no terreno dos estudos menores na educação e no ensino que levou à sua destituição em 1772 com as seguintes constatações: “a

49

educação positivamente má dos jesuítas a que elas foram confiadas, e não se havendo reparado até o presente quanto era necessário” (Carvalho, 2001, p. 453).

As providências vieram através da Real Mesa Censória num plano de Escolas Menores organizados pelos Continentes, Ilhas e Domínios em Afríca, Ásia e América (Brasil), sendo um organismo de sistematização considerado indispensável para o novo funcionamento na educação e ensino.

O quadro 2. 1. apontou as demandas de cada lugar em 6 de novembro de 1772, que estabeleceu 837 mestres e professores distribuídos em número de mestres de ler e professores, das espécies das aulas dadas sobre o título de “Mapa dos professores e mestres das Escolas Menores e das terras em que se acham estabelecidas as suas aulas e escolas neste Reino de Portugal e seus Domínios” (Ribeiro, 1871, pp. 221-222). Tal, por sua vez, proporcionou a chamada de pessoas para atuarem no ensino e educação sendo pagas através do Subsídio Literário: “era uma oportunidade que muitos aproveitaram: barbeiros, sapateiros, taberneiros, alcaides, escrivães” (Carvalho, 2001, p. 456).

Quadro 2.1

Mapa dos professores e mestres das escolas menores e das terras em que se acham estabelecidas as suas aulas e escolas neste reino de Portugal e seus domínios

Mestre de Ler Professores de Latim Professores de Grego Professores de Rhetorica Professores de Philosophia Racional e Moral Reino 440 205 31 39 28 Ilhas 15 10 3 3 3 Ultramar 24 21 4 7 4 Total 479 236 38 49 35 Fonte: Ribeiro (1871, pp. 221-222)

Para o Maranhão e o Grão-Pará, foi nomeado Eusébio Luiz Pereira de Ludon, em 1760, com o intuito de gerenciar o ensino e a educação nas escolas e suas localidades. O recrutamento, a distribuição e o emprego destes Professores e Mestres num país como o nosso, imenso e diverso como é o Brasil, e depois destinar a vice-província principalmente do Maranhão e Grão-Pará permite perceber “até que ponto e em que escala se fez sentir a Reforma de 1759” no Brasil, em especial no então Maranhão e Grão-Pará (Carvalho, 1978, p. 133).

50 Contudo, estes professores não foram suficientes na substituição dos jesuítas na sua totalidade de estudos, nível científico, entre outros aspetos, logo se anunciaram os maus resultados deste novo empreendimento estatal de ensino, isto fica nítido no quadro 2.2 que a seguir se apresenta, podendo constatar-se que, após a morte de Inácio de Loyola (1556), os demais membros da Ordem deram continuidade ao trabalho de seu primeiro Geral, alargando de forma extensiva o campo de ensino, observando-se o aumento considerado, em 1556, com 46 Colégios e 1.500 membros, então e depois, em 1749, com 699 Colégios e 22.589 membros, ou seja, uma expansão crescente quando comparada ao Plano de Escolas Menores realizado pelo Marquês de Pombal.

Observando os dados obtidos no quadro 2.2, verificamos também que o pesquisador Alden (1996) partilha a mesma opinão de Lukács (1991) que refere que em “1626 a Ordem contabilizava 56 seminários, enquanto 1749, entre seminários e internatos, vemos 176” (Lukács, 1991, p. 11). Quadro 2.2 Companhia de Jesus (1556-1749) Ano Número de Membro Províncias e Vice Província

Colégios Seminário Noviciados Casa Professes Missão e Residências 1556 1.500 - 46 - - - - 1579 5.164 21 144 - - 10 - 1600 8.519 26 245 - - 16 - 1608 10.641 31 293 - 33 21 96 1616 13.112 32 372 -- 41 24 123 1626 15.544 38 444 56 44 26 228 1679 17.655 35 578 88 48 28 266 1710 19.998 38 712 157 59 24 540 1717 19.679 - - - - 1749 22.589 39 699 176 61 24 608 Fonte Alden (1996, p. 17)

E, ainda no mapa que demonstra a expansão dos Jesuítas no Norte do Brasil durante os séculos XVII e XVIII, percebemos o quanto a expulsão dos missionários tinha afetado o ensino devido ao aumento significativo de membros da Ordem Jesuítica voltados à Missão, ensino e educação naquele local.

51

Figura 2.1 EXPANSÃO DOS JESUÍTAS NO NORTE DO BRASIL (SÉCULOS

XVII – XVIII) Fonte: (Leite, 1943)

Portanto, isto leva a crer que os dados estatísticos exibidos por Serrão (1981, p. 140) e Carvalho (2001, p. 133) mostraram no Maranhão e Grão-Pará o seguinte: os “mestres de primeiras letras: Pará, 1 e Maranhão, 1; os professores de latim: Pará 1, Maranhão, 1; Retórica: Pará 1, Maranhão, 1”. Deste modo, o ensino e a educação ficaram comprometidos tanto na parte elementar como na secundária, visto que a tomada de decisão pela Real Mesa Censória relacionada ao Maranhão e Grão-Pará apesar de certas medidas cautelosas “não foram suficientes para assegurar a continuidade e a expansão das escolas brasileiras, constantemente reclamadas pelas populações que até então se beneficiavam da assistência que as classes dos jesuítas davam a seus filhos” (Carvalho, 1978, p. 133).

Para Franco (2014), o Marquês de Pombal foi a peça chave para acontecer o que em outros séculos não ocorreu mas no século XVIII entrou em cena esse protogonista através da permissão de D. José I que iniciou o processo de cassação de todos os componentes da Companhia de Jesus,

“O Marquês de Pombal não foi só o grande protagonista do antijesuitismo do século XVIII que iniciou, em 1759, a grande ofensiva contra a Companhia de Jesus que acabaria com a sua extinção universal pela Santa Sé, em 1773, pela bula Dominus ac Redemptor do papa franciscano Clemente XIV. O primeiro-ministro de Dom Jose I foi acima de tudo o mestre e o finalizador, com os recursos do Estado português, de uma propaganda internacional sem precendentes contra os Jesuítas para fundamentar a medida de expulsão dos jesuítas de Portugal e potenciar a onda sísmica do antijesuitismo de Estado que teve réplicas devastadoras em importantes monarquias europeias (Espanha, França, Parma e Napolés) que, na década de sessenta do século das Luzes, seguiram o ministro protuguês, expulsando os Padres de Santo Inácio dos seus territórios e

52

pressionando a Santa Sé para confirmar a desejada sentença de morte desta poderosa ordem da igreja Católica”(Franco, 2014, pp. 401-402).

No entanto, o antijesuitismo constitui um fenómeno e um movimento religioso, cultural e sociopolítico, tão antigo quanto a própria Companhia de Jesus. Ele germina logo no antagonismo e no processo de crítica ao grupo criador da ordem dos Jesuítas liderado pelo espanhol de origem basca, Inácio de Loyola Franco (2006) e Azevedo (1913). Todavia o fenómeno e o movimento acompanhavam a evolução da Corporação Jesuítica por toda a Europa e até aos lugares por onde a Ordem propagasse o evangelho.

Ainda assim, com esta oposição não impediu, segundo Franco (2006), o crescimento exponencial alcançado e

“poucas ordens religiosas conseguiram, a partir da modernidade, reunir de forma eficaz um tão extenso volume de recursos materiais e estender, à escala mundial, uma organização marcada pela sua considerável coesão e eficácia, em nome do ideário sobrenatural da evangelização, como a Companhia de Jesus. E é também em razão desse serviço religioso, constitucionalmente definido, que é justificado, pelos jesuítas, o também significativo poder de influência granjeado junto das elites do poder político, mormente junto de reis, ministros e conselheiros das cortes europeias e de outros povos do mundo, quer desempenhando funções importantes como confessores, conselheiros, educadores, pregadores, intermediários, técnicos, diplomatas e especialistas em várias áreas cientificas, quer simplesmente como amigos de confiança” (Franco, 2006, p. 115).

Contudo, Azevedo (1913) ressalta que,

“o jesuíta chamava as atenções e atraía particularmente os ódios pelo ardor desenvolvido na educação da mocidade, pelo seu apego à tradição filosófico-cristã, e, porventura, pelo seu espírito mais belicoso, quando se tratava de reduzir a silencio os inimigos de Deus” (Azevedo, 1913, p. 38).

53

Documentos relacionados