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2 O DIREITO E OS PRINCÍPIOS: UMA RELAÇÃO DIALÉTICA

2.2 EFICÁCIA DOS PRINCÍPIOS

Eficácia, segundo o dicionário da língua portuguesa é a “virtude ou poder de produzir determinado efeito” 138. Humberto Ávila, quando discorre sobre a “eficácia dos princípios”

diz que os princípios têm essa qualidade porque eles possuem a “aptidão para produzir efeitos em diferentes níveis e funções”. Diz também que os princípios, “por serem normas imediatamente finalísticas, estabelecem um estado ideal de coisas a ser buscado, que diz respeito a outras normas do mesmo sistema, notadamente das regras. Sendo assim, os princípios são normas importantes para a compreensão do sentido da regras” 139.

Desta forma, tendo os princípios o poder elástico na produção de efeitos, ao passo que busca sempre encontrar o ideal das coisas, têm eles a característica de atuar acima das próprias regras que se deparam com a função limitadora decorrente da sua positivação no ordenamento jurídico.

Quanto à eficácia dos princípios, Tercio Sampaio Ferraz elabora um estudo sobre a chamada “função eficacial” dos princípios 140, que vai ao encontro da lição de Humberto

Ávila, classificando os princípios quanto a esta função em: “eficácia interna direta e indireta e eficácia externa objetiva e subjetiva”.

Por esta classificação, Tercio Sampaio Ferraz, discorre, em primeiro lugar, que eficácia interna são os efeitos que os princípios produzem quando estes estão diante da sua atuação sobre outras normas, podendo sobre elas produzir efeitos de forma direta ou indireta. No plano da eficácia interna direta o direito é resguardado com base direta nos princípios, sem a necessidade de intermediação ou interposição de outro princípio ou regra. No plano da eficácia indireta, de modo contrário, os princípios atuam com a intermediação de um outro princípio ou de outra regra, podendo exercer, nos dizeres do autor, neste caso, um dos três tipos de funções que ele classifica como funções definitória, interpretativa e bloqueadora.

138 HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004. 139 ÁVILA, Humberto. obr. cit. p. 78.

A “função definitória” é função que os princípios têm de definir os efeitos de outra regra ou princípio, na medida em que vão naquele caso delimitar o comando mais amplo estabelecido pelo sobreprincípio axiologicamente superior 141; como os princípios são dotados de graus de argumentação, conforme Robert Alexy, eles possuem maior ou menor eficácia conforme maior ou menor concretude de seus argumentos. Quanto mais um princípio abraçar outros princípios em seu contexto terá uma eficácia mais abstrata e, conseqüentemente, menos definidora, pois outros princípios incluídos como seus elementos serão capazes de solucionar a questão. A “função interpretativa” dos princípios se dá na medida em que ampliam ou restringem o sentido das normas 142. E a “função bloqueadora”, permite aos princípios afastarem elementos expressamente previstos nas regras ou em outros princípios que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido 143.

No plano da “eficácia externa”, por sua vez, os princípios atuam como parâmetros axiológicos (valorativos) para o próprio intérprete os utilizar. O intérprete deverá, neste caso, segundo o autor, buscar um ponto de vista condizente com os princípios que utiliza, sendo que, necessariamente, tais princípios devem estar previstos na Constituição (função eficacial valorativa). Quanto à eficácia externa os princípios atuam de forma objetiva (ou argumentativa) ou subjetiva. Na “eficácia argumentativa” ao intérprete é permitido, por meio dos princípios, argumentar a proteção dos interesses jurídicos do cidadão previstos na Constituição, especialmente contra o Poder Público 144, de forma objetiva, ou seja, por meio de argumentos válidos à sociedade como um todo. Na eficácia externa subjetiva os princípios funcionam como direitos subjetivos aos sujeitos atingidos pela eficácia dos princípios porque, nestes casos, eles têm o condão de proibir as intervenções do Estado em direitos de liberdade, tendo os princípios, assim, “função de defesa ou de resistência (Abwehrfunktion)” 145.

Ao nos depararmos, portanto, com doutrinadores nacionais e internacionais, de peso, que vêm enfatizando a força dos princípios de produzir efeitos imediatos, com a possibilidade de sua aplicação direita, concluímos serem os princípios instrumentos aptos a iniciarem uma

141 p. ex. os subprincípios da confiança e da boa-fé objetiva que deverão especificar, para situações mais concretas, a abrangência do sobreprincípio da segurança jurídica; ÁVILA, Humberto. Obr. cit. p. 79.

142 p. ex. o princípio do devido processo legal que orienta a interpretação de normas constitucionais ou legais. Obr. cit. p. 79.

143 p. ex. se há uma regra prevendo um prazo curto que inviabiliza a protetividade dos direitos do cidadão, dever- se-á, neste caso, garantir um prazo adequado devido à eficácia bloqueadora do princípio do devido processo legal. Obr. cit. p. 79.

144 ÁVILA, Humberto. Obr. cit., p. 82. 145 ÁVILA, Humberto. Obr. cit., p. 82.

mudança eficiente na sistemática jurídica. Com o fim de afastar os dogmas do positivismo jurídico, que geram tanta desproporção e injustiça social, por meio das decisões judiciais que majoritariamente ainda adotam este perfil, os princípios passam a ser instrumentos fundamentais para a concepção de um direito voltado à preocupação com o ser humano, afastando sobremaneira o cumprimento das regras jurídicas positivadas, que se mantém, injustificadamente, em voga com o argumento de que este afastamento geraria segurança jurídica.

2.3 O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO