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Eficácia Jurídica das Normas Constitucionais segundo a Vertente

A teor da leitura proposta pela vertente tradicional, ainda prevalecente na seara trabalhista, as normas constitucionais são classificadas em dois tipos, considerando-se a sua eficácia jurídica: normas auto-executáveis e normas não auto-executáveis. Trata-se de classificação cunhada, originariamente, pela jurisprudência e doutrina norte-americanas, que conceberam a divisão das normas constitucionais, do ponto de vista de sua aplicabilidade, em self-executing provisions e not self-executing provisions.

Auto-executáveis (auto-aplicáveis, bastantes em si ou self-executing) são as normas constitucionais detentoras de aplicabilidade imediata. Ditas normas, regulando diretamente as matérias, situações ou comportamentos de que cogitam, aplicam-se desde logo, porquanto revestidas de plena eficácia jurídica. Completas e definidas quanto ao seu conteúdo, prescindem de legislação infraconstitucional que lhes confira aplicabilidade, apresentando, destarte, aptidão formal para reger imediatamente as situações fáticas concretas.

Não auto-executáveis (não auto-aplicáveis, não bastantes em si ou not

self-executing) são as normas constitucionais que necessitam de regulamentação

ulterior para a sua efetiva aplicação. Insuscetíveis de incidência e aplicação imediata, sequer poderiam ser consideradas fontes de Direito, dado não criarem, enquanto não complementadas por lei, pretensão material em favor de qualquer titular.

As normas não auto-executáveis dividem-se em três tipos de preceitos: normas incompletas, normas condicionadas e normas programáticas. São incompletas as normas constitucionais insuficientemente definidas, quer seja quanto a sua hipótese de incidência e aplicação, quer seja quanto ao modo de disposição de seu conteúdo. As normas constitucionais condicionadas são aquelas que,

32 embora suficientemente definidas, sujeitam-se a uma lei posterior, que, melhor precisando alguns de seus elementos essenciais, proporcionará sua efetiva aplicação. As normas constitucionais programáticas, por fim, indicam planos ou programas de atuação governamental, exigindo lei subseqüente para sua complementação e medidas administrativas para sua efetiva aplicação.

Percebe-se que a diferenciação aventada não suprime a conclusão de que a vertente tradicional retira das três modalidades de normas não auto- executáveis qualquer aptidão para incidência e aplicação concretas.

A vertente tradicional, então, com a divisão das normas constitucionais em auto-executáveis e não auto-executáveis, não corresponde às necessidades práticas de aplicação das Constituições, conferindo, a boa parte dos dispositivos destas, o caráter de normas ineficazes, destituídas de imperatividade.

Em lapidar passagem, José Afonso da Silva24, criticando a vertente tradicional, assevera que “cada norma constitucional é sempre executável por si mesma até onde possa, até onde seja suscetível de execução”. Os ensinamentos do eminente doutrinador lideram, assim, em nosso país, a corrente moderna acerca da eficácia jurídica das normas constitucionais, a seguir alinhavada.

3.3 Eficácia Jurídica das Normas Constitucionais segundo a Vertente Moderna

Ao contrário da vertente tradicional, que propõe a existência de normas constitucionais não auto-executáveis, a vertente moderna parte do pressuposto de que à Constituição, preceito maior do ordenamento jurídico, não podem ser negadas eficácia e aplicabilidade, devendo ela, ao contrário, fazer-se incidir imediatamente sobre situações fático-jurídicas concretas.

Para a vertente moderna, portanto, inexiste norma constitucional não auto-executável, desprovida de eficácia, posto que algum efeito sempre lhe é destinado. A diferenciação, agora, constrói-se em torno do maior ou menor grau de eficácia da norma constitucional examinada. Segundo José Afonso da Silva25, que, como referenciado alhures, lidera, no Brasil, a corrente moderna, é preciso partir da premissa de que “não há norma constitucional alguma destituída de eficácia”,

24DA SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade..., p. 76. 25DA SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade..., pp. 81-82.

33 podendo-se admitir, tão-somente, que “a eficácia de certas normas constitucionais não se manifesta na plenitude dos efeitos jurídicos pretendidos pelo constituinte enquanto não se emitir uma normação jurídica ordinária ou complementar executória”.

Feitas as breves considerações introdutórias, passa-se, então, à classificação proposta pela vertente moderna26, a que se filia o presente estudo monográfico.

3.3.1 Normas Constitucionais de Eficácia Plena

As normas constitucionais de eficácia plena correspondem, em certa medida, às normas constitucionais auto-executáveis, no que é válida, nesse aspecto, a doutrina norte-americana.

Trata-se de normas constitucionais completas, é dizer, que contêm todos os elementos e requisitos indispensáveis a sua incidência direta; preceitos que não necessitam de regulamentação ulterior para que possam ser aplicados ao caso concreto. Pela sua importância, traz-se à colação a definição declinada por José Afonso da Silva, a ver:

Na primeira categoria incluem-se todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais (ou têm a possibilidade de produzi-los), todos os objetivos visados pelo legislador constituinte, porque este criou, desde logo, uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto.27

De aplicação direta, imediata e integral, as normas constitucionais de eficácia plena delimitam, com precisão, a conduta positiva ou negativa a ser tomada, o que se pode aduzir da própria linguagem de seu texto. São plenamente eficazes juridicamente, ainda que não dotadas de eficácia social.

26A classificação a ser aqui adotada é a proposta pelo professor José Afonso da Silva. Saliente-se,

entretanto, que outras classificações, de menor repercussão no meio jurídico, são apresentadas pela doutrina. Nessa esteira, a título de exemplo, Maria Helena Diniz, em primoroso estudo sobre o tema, divide as normas constitucionais em supereficazes ou com eficácia absoluta, de eficácia plena, com eficácia relativa restringível e com eficácia relativa complementável (in Norma Constitucional e seus Efeitos, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997. pp. 101-115).

34 Em nossa vigente ordem constitucional, a Carta de Outubro trouxe, em sua maioria, dispositivos que acolhem normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata, definindo competências, deferindo isenções e prerrogativas, apresentando vedações e proibições, instituindo princípios fundamentais etc.

Particularmente na seara trabalhista, configuram, entre nós, exemplos de normas constitucionais de eficácia plena aquelas que asseguram aos trabalhadores urbanos e rurais duração da jornada semanal não superior a quarenta e quatro horas, férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, aviso prévio de, no mínimo, trinta dias, entre outras.

3.3.2 Normas Constitucionais de Eficácia Contida

As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas nas quais o legislador constituinte regulou, de forma suficiente, os interesses relativos à determinada matéria, deixando, contudo, à atuação restritiva do Poder Público a possibilidade de contenção de seus efeitos.

De aplicabilidade direta e imediata, as normas postas em referência produzem seus efeitos de forma plena, independentemente de regulamentação ulterior, até que seja expedida, pelo legislador ordinário, normação restritiva. Imperioso ressaltar que, não sendo editada a legislação complementar regulamentadora, a norma constitucional firma-se em vigor.

Assemelham-se às normas constitucionais de eficácia plena, em razão de sua imediata aplicabilidade, delas se distanciando, contudo, por força da possibilidade de contenção de sua eficácia, através de legislação futura.

Como exemplo de norma constitucional de eficácia contida, o art. 5°, inc. XIII, da CF/88 determina ser “livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. O preceito, de aplicabilidade imediata, assegura, como direito fundamental do homem, o princípio da liberdade de exercício profissional, facultando-se, não obstante, ao legislador ordinário, o estabelecimento de qualificações para tanto. Observe-se que, não editada legislação regulamentadora, o princípio do livre exercício é pleno, e não inexistente, como resultaria da classificação proposta pela vertente tradicional.

35 3.3.3 Normas Constitucionais de Eficácia Limitada

As normas constitucionais de eficácia limitada – de maior relevância para o desenvolvimento deste trabalho monográfico – são as que não produzem, com a sua simples entrada em vigor, todos os efeitos essenciais colimados pelo constituinte originário, pelo fato de não ter este estabelecido, sobre a matéria, normatividade suficiente, relegando dito mister ao legislador ordinário.

De aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, as normas de eficácia limitada somente incidem totalmente sobre os interesses objeto de sua regulamentação jurídica após lei ulterior que lhes confira eficácia plena.

Seguindo o entendimento da vertente moderna, embora não gozem da concretude necessária a sua aplicação ao caso prático, os preceitos em tela têm aptidão para obstar a edição de normas infraconstitucionais que com eles venham a colidir, demonstrando que não estão completamente destituídos de eficácia jurídica.

Aproximam-se das normas constitucionais de eficácia contida sob o aspecto da possibilidade de regulamentação legislativa, delas diferenciando-se, contudo, porque, aqui, a intervenção do legislador busca a ampliação do seu âmbito de eficácia e aplicação, e não a sua restrição.

Dividem-se em dois tipos: a) normas constitucionais de princípio institutivo (ou organizativo); e b) normas constitucionais de princípio programático.

As normas constitucionais de princípio institutivo têm natureza organizativa, uma vez que dependem de regra infraconstitucional para a criação e regulação de órgãos e instituições nelas descritos. Exemplo clássico citado pela doutrina é o da regra consubstanciada no art. 18, §2º, da CF/88, segundo a qual a criação de Territórios Federais, sua transformação em Estado ou sua reintegração ao Estado de origem serão reguladas por lei complementar.

As normas constitucionais de princípio programático são aquelas que implementam políticas de governo a serem seguidas pelo legislador ordinário, traçando diretrizes e fins colimados pelo Estado na consecução dos fins sociais. Firmam um programa constitucional a ser desenvolvido mediante legislação integrativa da vontade do constituinte. Subdividem-se em: a) normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade (Ex.: proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei – art. 7°, inc. XX, da

36 CF/88); b) normas programáticas referidas aos Poderes Públicos (Ex.: proteção, pelo Estado, das manifestações culturais populares – art. 215, §1°, da CF/88); e c) normas programáticas dirigidas à ordem econômico-social em geral (Ex.: o trabalho como primado da ordem social – art. 193 da CF/88).

Eis, assim, a classificação das normas constitucionais segundo sua eficácia jurídica, apresentada pela vertente moderna. Passa-se, agora, ao desenvolvimento de tema que configura preocupação central deste estudo, atrelado à eficácia dos direitos sociais trabalhistas pendentes de regulamentação.

3.4 Eficácia Jurídica das Normas Constitucionais definidoras dos Direitos

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