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Eficientemente sustentável: A janela de oportunidade do movimento

2.2 A LUTA PELA TERRA: AS REAÇÕES DAS POPULAÇÕES AMAZÔNICAS AO

2.2.2 Eficientemente sustentável: A janela de oportunidade do movimento

As primeiras concepções europeias sobre desenvolvimento estavam vinculadas à ideia de progresso construída pelo iluminismo que defendia a razão humana como a pré-condição necessária ao progresso e à civilização. A racionalidade humana permitia ao homem conhecer o seu mundo e construir uma sociedade melhor e, por isso, o homem é o agente do progresso (FURTADO, 2000). Nestas discussões os teóricos evolucionistas buscam explicar as diferenças do desenvolvimento por meio de leis naturais, nas quais o processo histórico é linear e evolutivo, e o último estágio de evolução seria o capitalismo das sociedades europeias. O antropólogo norte-americano Lewis Henry Morgan (1818-1881) elaborou um modelo de desenvolvimento da humanidade em três estágios: selvageria, barbárie e civilização. Já o antropólogo britânico James Frazer (1854- 1941) traçou um modelo evolutivo em três fases: magia, religião e ciência. As sociedades atrasadas no século XX não haviam atingido o ponto máximo de civilidade e cientificidade, suas práticas sócio-culturais não se enquadravam nos postulados teóricos do conhecimento científico das sociedades europeias.

A relação inescrupulosa com a natureza sustentada, perdurada pelos paradigmas do desenvolvimento da modernidade, preocupava-se com a acumulação capitalista na exploração dos recursos naturais. E muitas vezes as questões ambientais e ecológicas foram sempre consideradas irrelevantes quando contrastadas com a possibilidade de aumentar a produtividade e a lucratividade das grandes empresas. Prevalecia a ideia da inesgotável capacidade de suporte da natureza e da capacidade técnica da sociedade capitalista em resolver situação de calamidade e fenômenos naturais, a superioridade humana em sua relação com a natureza (RAVENA, 2001).

A compreensão e estudo sobre o meio ambiente natural emergiram na Grã- Bretanha33 no século XIX, em que predominava a ideia da dominação da natureza

como condição do progresso e desenvolvimento humanos. Mas, nos anos de 1960 e 1970 ocorreu uma revolução ambientalista,

cientistas, administradores e grupos conservacionistas floresceram em um movimento de massa que varreu o mundo industrializado [...]. Este Novo Ambientalismo era mais dinâmico, mais sensível, tinha base mais ampla e ganhou muito mais apoio do público (McCORMICK, 1992, p. 65).

O novo ambientalismo tornou-se um movimento político e social, propunha mudanças de paradigmas às sociedades industrializadas em sua concepção de desenvolvimento mais humanizado. Teóricos organizam suas pesquisas sustentando ou criticando as argumentações Malthusianas34 nas discussões sobre a

pressão demográfica e o crescimento econômico, que foram aprofundadas devido ao alerta das limitações das sociedades capitalistas diante do aumento da pobreza e da exploração inescrupulosa dos recursos naturais.

No contexto de mudanças de paradigmas, em virtude da crise ambiental e do movimento ambientalista, as “populações tradicionais” foram desprendidas da noção de barbárie e subdesenvolvimento, e tornaram-se o baluarte do desenvolvimento sustentável. Suas práticas de trabalho e saberes representam alternativas para a conservação dos recursos naturais, com o argumento de que essas populações são harmônicas com a natureza, ideais essas com tendências a romantizar a relação destes sujeitos com a natureza (LIMA, 2000). São povos que ainda preservam as heranças de seus ancestrais indígenas, que mantém cultura “rústica” de sobrevivência e exploração dos recursos naturais, na adoção de técnicas de plantio de roça itinerante, de artesanato de artefatos simplórios e possuidores de conhecimento dos hábitos dos animais (ARRUDA, 1997).

33 O ambientalismo foi preocupação já no século XIX, tendo sai origem na forma preservacionista na

Grã Bretanha, estendendo-se uma linha conservacionista na Alemanha e posteriormente tornou- se pauta de debates nos Estados Unidos. O ambientalismo norte-americano teve seu desdobramento nas linhas de pensamento preservacionista de John Muir e conservacionista de Gifford Pinchot. Muir defendia a idéia de proteger e preservar o meio ambiente com a exclusão das áreas virgens de qualquer atividade que não fosse recreativa e educacional, enquanto Pinchot (McCORMICK, 1992).

34 Segundo Thomas Robert Malthus, as leis demográficas e os rendimentos descrescente da

agricultura seriam fatores responsáveis pela miséria e a depauperação dos povos. Conclui ainda que a causa de todos os males da sociedade tem origem no fato de que a população cresce em progressão geométrica e os alimentos em progressão aritmética

Esta herança cultural, esta cultura “rústica” as fez aproximarem-se dos discursos preservacionistas dos ambientalistas que as designaram responsáveis por salvar o planeta e, portanto, com a apropriação deste discurso as sociedades tradicionais fortaleceram seus movimentos sociais, com objetivo de defender seus territórios e o controle de seus recursos naturais.

O avanço do paradigma do desenvolvimento sustentável na década de 1980, marcado por um grande impulso do movimento ambientalista e sócio-ambientalista, com seu caráter conservacionista, buscava traçar diálogos e preocupações sobre a capacidade de suporte do planeta; com base nesta missão foi intensificada a criação de unidades de conservação com preocupação preservacionista35, cuja presença das populações tradicionais é aceitável (VIANNA, 2008; QUARESMA, 2000; ALLEGRETTI, 2002). Tal fato acabou favorecendo a essas populações o acesso aos territórios e aos seus recursos e, ao mesmo tempo, a exclusão dos não “tradicionais”. Desta forma, o reconhecimento do direito dessas populações está ligado ao cumprimento da conservação da biodiversidade, mas, o comportamento e a experiência vividos pelas populações tradicionais se caracterizam a partir de uma relação sócio-ambiental, e, portanto influenciada pela sua formação social, pela orientação de sua produção econômica, pelo grau de envolvimento com o mercado e a posse de uma cultura ecológica (LEFF, 2004; LIMA, POZZOBON, 2005).

As Unidades de Conservação e o PAE possibilitam às populações tradicionais a regularização de seus territórios e o acesso aos recursos naturais, mas a sustentabilidade econômica de suas populações está constantemente vulnerável às pressões da competitividade do mercado (SIMONIAN, 2007). O que nos faz levantar uma questão sobre as políticas públicas que envolvem as comunidades ribeirinhas, extrativistas, de pescadores artesanais e quilombolas que possuem a sustentabilidade apenas no discurso, como bandeiras políticas dos interesses dos grupos hegemônicos nacionais e internacionais. E, portanto daí questionar até que ponto nas populações locais, a consciência ecológica se sobrepõe às suas necessidades materiais (MAIA 2010). Sua condição romântica de “tradicional” está de acordo com uma realidade tão diversificada, dinâmica e muito conflituosa que

35 Segundo Pádua (1997), as primeiras unidades de conservação foram criadas sem nenhum tipo de

critério técnico e científico, ou seja, foram estabelecidas meramente em razão de suas belezas cênicas, como foi o caso do Parque Nacional de Itaguaçu, ou por algum fenômeno geológico espetacular, como o Parque Nacional de Ubajara, ou ainda, por puro oportunismo político, como o Parque Nacional da Amazônia.

coloca esses atores nas disputas por recursos com as mesmas armas usadas pelos considerados “não tradicionais”, e, portanto visualizar o problema do uso do termo “populações tradicionais” não abraça e não define atores tão diversos inseridos em realidades que não são romanticamente consideradas estáticas (CASTRO et al., 2006).

Os conflitos pelo território a partir da premissa da tolerância da presença das populações tradicionais e a exclusão dos “não tradicionais gerou a necessidade de se definir quem é tradicional”. Na década de 1990, disseminou-se pelo Brasil a expressão “população tradicional” que foi criada de forma exógena, inicialmente usada quando se referencia à população étnica (COMISSÃO MUNDIAL..., 1997), a grande questão é que o termo ainda continua vago e generalista e não percebe as particularidades sócio-culturais das populações nativas (VIANNA, 2008). E, no caso da Amazônia, pode-se incluir a totalidade da população, em termos jurídicos permite-se cobrir as populações que, por um motivo ou outro, não conseguiram firmar politicamente sua identidade e a busca através de políticas públicas (LÉNA, 2002). Estudos sobre o Vale da Ribeira (entre o Estado do Paraná e São Paulo), como os de Castro et al. (2006), fazem referência ao uso de discurso de população tradicional como um espaço político para reivindicar o direito a terra, e que, portanto a deixa em situação privilegiada em relação aos demais moradores que “tradicionalmente” vivem na região e que ainda não possuem a legalidade fundiária.

O que se referencia é a construção dessa categoria política impulsionada pelo movimento social dos seringueiros do Acre na década de 1980. Com a exigência de um particularismo das populações extrativistas e, ao mesmo tempo, promover a proteção do ambiente resultou na criação das RESEX, que surgiram como proposta diferente dos projetos de assentamento do INCRA aos agricultores familiares e das perspectivas ambientalistas pela proposta conservacionista. As RESEX baseiam-se na concessão de terras para o usufruto comum de forma sustentável, um sistema de propriedade adequado às suas práticas e necessidades. O seu processo de efetivação envolveu lutas dos seringueiros com os grupos pecuaristas empresarias da região, além de mobilizações para a criação de legislação específica para configurar as RESEX (ALLEGRETTI, 2002).

Os movimentos sociais dos seringueiros tiraram das gavetas e escritórios oficiais as diretrizes sobre políticas públicas que garantissem às populações tradicionais o controle pelo território e a garantia do uso sustentável dos seus

recursos naturais, desta forma representou uma ação coletiva (OLSON, 1971) de grande impacto. A partir dessas iniciativas, essas populações foram percebidas como atores que mobilizaram forças, provocando mudanças na agenda36

ambientalista nacional e internacional, com a criação, em 1992, do Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT)37, como uma

divisão do IBAMA, órgão federal encarregado do meio ambiente. Na esfera internacional, a sanção foi obtida durante a Convenção pela Diversidade Biológica e Agenda 21, no Rio de Janeiro, também em 1992, quando foi explicitamente atribuído o principal papel da conservação a comunidades locais e nativas.

Os instrumentos de ação coletiva das sociedades tradicionais foram intensificados e diversificados a partir da década de 1990, quando a crescente constituição de associações entre grupos de extrativistas, ribeirinhos, pequenos agricultores e pescadores articulam projetos e a regulamentação para a mobilização dos recursos naturais. Nessas sociedades ocorreu fortalecimento como categorias políticas, provocando o reconhecimento de suas lutas e a percepção de seu poder de barganha. Por outro lado, a dependência dessas associações aos projetos de desenvolvimento sustentável do Estado ou por intermédio dele, possibilita a cooptação e o fortalecimento de uma relação de dominação, o que desmobiliza o processo de autonomia.

2.2.3 O Campesinato no Baixo Tocantins: Fortalecimento Político e a Luta pela