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EHRLICHIOSE E ANAPLASMOSE Ana Sofia Santos

Introdução

E

hrlichiose e anaplasmose são infeções bacterianas causadas por ehrlichias e ana-

plasmas. Estes são agentes que tradicionalmente têm sido associados a doen- ça nos animais domésticos e de companhia. O seu potencial patogénico para o Homem foi reconhecido a partir da década 80, tendo adquirindo o estatuto de agen- tes emergentes. Atualmente são quatro as espécies associadas a doença no Homem embora se destaque pela importância, número de casos e abrangência geográfica

Anaplasma phagocytophilum e Ehrlichia chaffeensis.

Taxonomia e distribuição

A. phagocytophilum e E. chaffeensis são

α

- proteobactérias classificadas na Ordem Rickettsiales, Família Anaplasmatacea. A. phagocytophilum é responsável pela ana- plasmose granulocítica humana – HGA (Human Granulocytic Anaplasmosis), doença que ocorre sobretudo nas regiões Centro-Oeste e Médio-Atlântica dos Estados Unidos

e na Europa Central e do Norte [1,2]. Nos países onde está descrita, a HGA acompanha

a distribuição geográfica da borreliose de Lyme dado que os agentes etiológicos par- tilham o mesmo ixodídeo vetor. As espécies do género Ixodes são referidas como os principais vetores de A. phagocytophilum, destacando-se na Europa o papel de Ixodes

ricinus. O ciclo natural do agente envolve ainda roedores, outros mamíferos de peque-

no e médio-porte, bem como cervídeos, nos quais as carraças vetor se alimentam, embora se defenda que as variantes de A. phagocytophilum que infetam o Homem estejam particularmente associadas aos primeiros [3].

E. chaffeensis é o agente etiológico da ehrlichiose monocítica humana – HME,

(Human Monocytic Ehrlichiosis), doença que ocorre essencialmente na região Cen- tro-Sul e Sudoeste dos Estados Unidos. Há também evidência de casos em regiões da Ásia Oriental [4]. Na natureza E. chaffeensis circula entre os cervídeos e ixodídeos dos géneros Amblyomma, Dermacentor e Ixodes, destacando-se o papel da espécie

Patogénese

Em ambos os casos a infeção do Homem ocorre durante a alimentação do ixodídeo vetor através da inoculação de secreções salivares contendo o agente.

As células alvo de A. phagocytophilum são os neutrófilos e de E. chaffeensis os monócitos e macrófagos, através das quais os agentes são transportados do local de inoculação podendo atingir vários órgãos, determinando o aparecimento do qua- dro multisistémico que caracteriza a doença. Nestas infeções o período de incubação pode variar entre 1-2 semanas e as manifestações clínicas são geralmente inespecífi- cas, dominadas por febre, cefaleias, mialgias e mal-estar geral. Numa minoria de ca- sos pode ainda ocorrer envolvimento pulmonar, do trato gastrointestinal e do sistema nervoso central.

Entre os achados laboratoriais mais importantes incluem-se trombocitopénia, leu- copénia e elevação sérica das transaminases hepáticas. As infeções podem ainda cursar de forma subclínica mas também há registo de casos graves, que têm sido associadas a estados de imunodepressão e à idade avançada. Em termos gerais, a HGA é a mais moderada, particularmente nas infeções ocorridas na Europa [2]. Me- tade dos casos de HGA identificados nos EUA requer hospitalização embora a taxa de letalidade seja muito baixa (<1%) [1]. Já os casos de HME apresentam uma taxa de hospitalização de 41-63% e uma mortalidade associada de 3% [1].

Em ambas as doenças o tratamento de eleição consiste na administração de do- xiciclina. À semelhança de outras doenças associadas a ixodídeos, a prevenção con- siste em evitar a parasitação por estes artrópodes, limitando a atividade em zonas de risco e reduzindo as áreas de pele exposta. É ainda importante inspecionar o corpo após qualquer atividade de risco e ao identificar-se algum ixodídeo fixo à pele proceder de imediato à sua remoção.

Diagnóstico laboratorial

De uma maneira geral o diagnóstico laboratorial apoia-se essencialmente na sero-

logia, com a avaliação dos títulos de IgG e IgM. Um caso é confirmado sempre que se verifique seroconversão ou aumento de 4x nos títulos em duas amostras consecutivas colhidas com um intervalo de 2-3 semanas. Há contudo que referir, que numa fase inicial da infeção, i.e. nos primeiros dias após o aparecimento dos sintomas, o diag- nóstico laboratorial pode ser efetuado com base no isolamento ou na deteção mole- cular (PCR) do agente numa amostra de sangue periférico. Ainda assim, é importante

complementar os testes anteriores com a pesquisa de anticorpos circulantes. Embora seja expectável que nesta fase inicial o sistema imunitário ainda não tenha tido tempo de reagir à infeção, um resultado serológico negativo pode ser útil para ajudar poste- riormente a substanciar uma seroconversão.

Situação em Portugal

Até ao momento apenas a presença de A. phagocytophilum foi assinalada em ixodídeos no nosso país, ocorrendo nas espécies I. ricinus e I. ventalloi [5,6]. Quanto à doença, há registos serológicos que apontam para a exposição do homem a A. phagocytophilum e

E. chaffeensis ou a agentes antigenicamente semelhantes [7,8]. A possibilidade da ocor-

rência de casos importados deve também ser tida em consideração em indivíduos sin- tomáticos que viajaram para zona endémica. Nas áreas endémicas, ambas as espécies estão associadas a casos que ocorrem tanto em contexto profissional como recreativo mesmo em zonas suburbanas. A pesquisa de anticorpos por IFA e de ADN por PCR contam-se na lista de análises disponibilizadas pelo INSA para diagnóstico laboratorial de A. phagocytophilum e E. chaffeensis. Entre 2011- 2014 foram recebidas uma média de cerca de 50 amostras para este diagnóstico não tendo no entanto sido confirmados laboratorialmente casos de infeção ativa por qualquer dos agentes.

Bibliografia

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6. Santos AS, Santos-Silva MM, Sousa R, Bacellar F, Dumler JS. PCR-based survey of Anaplasma pha-

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7. David de Morais JD, Dawson JE, Greene C, Filipe AR, Galhardas LC, Bacellar F. First European cases of ehrlichiosis. Lancet 1991;338:633–4.

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