• Nenhum resultado encontrado

Isabel Lopes de Carvalho; Maria Sofia Núncio

Introdução

A

s borrélias patogénicas para o homem são classificadas em dois grandes com-

plexos: febres recorrentes e borreliose de Lyme, ambos distintos pelos respe- tivos vetores, reservatórios e quadros clínicos.

A febre recorrente transmitida por carraça é uma infeção causada por espécies de

Borrelia do grupo das febres recorrentes e transmitida pelo género Ornithodoros. Esta

doença é caraterizada por episódios recorrentes de febre e por sintomas inespecíficos como: dores de cabeça, mialgia, artralgia, arrepios e dores abdominais e é endémica em alguns países africanos [1,2].

Em Portugal, a doença foi confirmada pela primeira vez em 1942, provavelmente introduzida a partir do sul de Espanha, onde era relativamente frequente [1].

Na Península Ibérica B. hispanica é o agente etiológico da febre recorrente e o vetor é a espécie O. erraticus. Em Portugal, desde 1961 não há notificação de casos humanos, no entanto a doença continua a não ser diagnosticada ou a ser confundida com outras infeções.

Taxonomia e distribuição

As bactérias do género Borrelia distinguem-se das restantes bactérias da família Spirochaeteceae por serem maiores, possuírem menor número de flagelos e menor número de espirais. Estas espiroquetas, de formato helicoidal e móveis, são Gram negativas e microaerófilas [3].

A febre recorrente transmitida por carraça é endémica em várias partes do Mun- do. A infeção persiste dentro de ciclos enzoóticos que juntamente com a longevidade das carraças a vão perpetuando. A introdução do Homem nestes ambientes pode resultar na transmissão de febre recorrente.

Tipicamente a carraça do género Ornithodoros está associada a suínos e roedores e podem alimentar-se numa variedade de vertebrados de sangue quente, incluindo o Homem [4]. A sua atividade decresce durante o inverno e aumenta com o aumento das temperaturas, durante a primavera-verão [5].

B. hispanica está presente em Espanha, Portugal, Chipre, Grécia e Norte de Áfri-

ca, sempre associada a O. erraticus [6]. Os pequenos roedores e os porcos são os principais reservatórios da bactéria [1,3,6,7].

Diagnóstico laboratorial

O diagnóstico laboratorial da febre recorrente é dificultado pela enorme diversidade de estirpes de borrélias e a constante emergência de variantes antigénicas.

De acordo com os critérios laboratoriais de diagnóstico, o diagnóstico direto deve ser feito pela observação de espiroquetas, seja numa gota de sangue periférico co- lhido durante o período febril por microscopia de campo escuro, ou em esfregaços de sangue corados com Giemsa ou por isolamento de espiroquetas após inoculação em meio axénico ou em animais de laboratório [1].

Durante o início do surto febril é quando se encontram o maior número de borré- lias no sangue, pois com a ocorrência dos subsequentes episódios febris, o número de espiroquetas diminui, tornando mais difícil a sua deteção. Entre os acessos febris, as borrélias que resistiram à resposta imunitária do hospedeiro vão escassear ou desaparecer da corrente sanguínea pelo que é mais difícil a sua observação.

Contudo, ao contrário do que acontece para a borreliose de Lyme, estas borrélias encontram-se com uma elevada frequência na corrente sanguínea, sendo os méto- dos diretos os que apresentam maior sensibilidade e conseguem discriminar entre as várias espécies de Borrelia sendo por isso importantes no diagnóstico laboratorial.

Atualmente encontram-se descritos vários protocolos de PCR, os mais utilizados tem como alvo a região intergénica entre o fragmento 16S e 23S e o gene 16S rDNA [8]. Os métodos serológicos não estão padronizados para o diagnóstico de febre re- corrente pois apresentam problemas de sensibilidade e de especificidade [1].

Situação em Portugal

Em Portugal o primeiro caso humano foi descrito em 1942 e B. hispanica foi isolada pela primeira vez numa carraça [9]. Possivelmente a febre recorrente transmitida pela

carraça existiu durante décadas no entanto nunca foi diagnosticada e foi possivel- mente confundida com malária [10]. Contudo, muitos casos foram diagnosticados e estudos realizados permitem confirmar que se trata de uma doença sazonal, com um pico entre Julho e Agosto [10]. Durante décadas a febre recorrente foi uma doença endémica na Península Ibérica, com uma incidência elevada nas regiões Sul [1]. De- vido a um surto do vírus da Febre Suína Africana em 1960, que causou uma taxa de mortalidade elevada nas populações de hospedeiros, Sus scrofa, as populações de vetores diminuíram drasticamente e consequentemente o número de casos huma- nos, sendo o último caso humano reportado em 1961 [1].

Recentemente, B. hispanica foi detetada em O. erraticus (2,2%) numa pocilga na região do Alentejo, provando que o agente etiológico continua em circulação em Por- tugal e pode ser responsável por alguns casos de febre indeterminada ou de causa desconhecida [8]. Recentemente foi demonstrado que os hospedeiros mais comuns são os porcos, o Homem e por último os bovinos e ovelhas [7]. No entanto, continua a ser consensual que S. scrofa tem um papel proeminente como hospedeiro verte- brado, o que é consistente com as observações feitas no campo e evidencia o papel destes animais na manutenção da densidade elevada da população de O. erraticus e consequentemente das zoonoses transmitidas por estes. Pode-se assim concluir que a infeção continua ativa em Portugal contudo com baixa prevalência [7].

O diagnóstico laboratorial desta patologia está disponível no CEVDI/INSA. O nú- mero de pedidos anualmente é muito reduzido, uma vez que se trata de uma doença subdiagnosticada e muitas vezes autoremissiva.

Bibliografia

1. David de Morais J, Lopes de Carvalho I, Núncio MS. Febre recorrente hispano-africana em Portugal: Escorço histórico e epidémico-clínico. Medicina Interna. 2007; 14: 170-178.

2. Sarih M, Garnier M, Boudebouch N, Bouattour A, Rihani A, Hassar M, Gern L, Postic D, Cornet M.

Borrelia hispanica Relapsing Fever, Morocco. Emerg Infect Dis. 2009;15: 1626-1629.

3. Soares CO, Ishikawa MM, Fonseca AH e Yoshinari NH. Borrelioses, agentes e vetores. Pesq Vet Bras. 2000; 20: 1-19.

4. Encinas Grandes A, Oleaga Pérez A, Pérez Sanchez e Astigarraga A. Datos sobre el reservatorio y vector de la peste porcina Africana, Ornithodoros erraticus. Anaporc. 1993; 121: 38-47.

5. Leitão JA. Prática de combate às parasitoses dos animais em Portugal (Vol I: aracno-entomozzo- ses). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 1978.

6. Rebaudet S e Parola P. Epidemiology of relapsing fever borreliosis in Europe. FEMS Immunol Med Microbiol. 2006;48: 11-15.

7. Palma M, Lopes de Carvalho I, Osório H, Zé-Zé L, Cutler SJ, Núncio MS. Portuguese Hosts for Orni-

thodoros erraticus ticks. Vector Borne Zoonotic Dis. 2013;13:775-777.

8. Palma M, Lopes de Carvalho I, Figueiredo M, Amaro F, Boinas F, Cutler SJ, Núncio MS. Borrelia

hispanica in Ornithodoros erraticus, Portugal. Clin Microbiol Infect. 2011; 18(7):696-701.

9. Fonseca F, Pinto MR, Lacerda (Filho) A. Febre recorrente em Portugal. Medicina Contemporânea 1943; 61: 78-80.

10. Cambournac FJC, Soares AC, Roque RA, Rés JF, Queiroz SA. Contribuição para o estudo da febre recorrente no continente português. Anais Inst Med Trop. 1953; 10 (3, fasc. 1): 645-654.

BORRELIOSE DE LYME