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EIs classificadas segundo a categoria “Geográfico”

No documento Eloísa Moriel Valença (páginas 115-117)

CAPÍTULO V DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

5.2. EIs classificadas segundo a categoria “Geográfico”

A geografia particular do local faz parte de uma das dimensões de variação metafórica descritas por Kövecses (2005): o ambiente físico. Dentro dessa categoria, inserimos as expressões relacionadas a países, cidades/lugares e nacionalidades. Essa categoria, por tratar de alguns aspectos particulares da geografia italiana (como as cidades, por exemplo), pode representar grandes dificuldades para o tradutor e aprendiz.

Um dos exemplos é a EI aver bevuto l’acqua di Fontebranda. Essa expressão faz referência a uma cidade italiana. A fonte chamada Fontebranda fica na cidade de Siena, localizada perto do porto com o mesmo nome. Por causa desse elemento particular, ao se tentar deduzir o significado deste idiomatismo pela tradução literal, não se alcança o objetivo almejado. Obviamente não é possível recuperar a mesma imagem metafórica, devido ao fato de o aspecto cultural geográfico (Fontebranda) pertencer apenas à comunidade italiana. Acreditava-se que a água desta fonte deixava um pouco estranhas as pessoas que dela bebiam. Por isso, sugerem-se os seguintes correspondentes, que apresentam outras metáforas, mas que possuem o mesmo sentido pragmático de “ser ou estar louco”: estar fora da casinha; não bater [andar] bem da cabeça; ter um parafuso a menos.

Outro idiomatismo italiano que possui como referente uma cidade italiana é prendere [scambiare] [capire] Roma per Toma. Ao buscar deduzir seu significado “pegar Roma por Toma”, “entender Roma por Toma”, deparamo-nos com o baixo grau de dedutibilidade, pois não se consegue depreender o seu significado facilmente. O sentido pragmático desta EI é “confundir-se, dizer uma coisa em vez de outra, deturpar o significado de algo”. Como a imagem metafórica não evoca nenhum sentido no português, é necessário buscar outras metáforas que apresentem o mesmo significado pragmático. Sugerimos, portanto, confundir [misturar] alhos com bugalhos; trocar as bolas. Ambas as expressões brasileiras são correspondentes apenas parciais da EI italiana, cujo elemento principal Roma acaba se perdendo na correspondência idiomática.

Um grupo interessante de EIs que está incluído na categoria “Geográfico” é aquele das expressões que fazem referência a nacionalidades. A visão e percepção que cada povo tem do outro varia, assim como variam as metáforas (como apresenta Kövecses 2002, 2005, 2010) utilizadas para descrever as características destes povos. Encontramos os seguintes povos representados nas EIs da nossa pesquisa: índio, português, inglês e turco.

A título de ilustração, cita-se a EI andarsene [filarsela] all’inglese cujo significado pragmático é o de “ir-se embora sem se fazer notar, sobretudo depois de ter aproveitado de alguma coisa”, “esgueirar-se, abandonar uma reunião sem saudar ninguém”, “eximir-se de uma situação embaraçante”. A locução filarsela all’inglese usada na Itália e na França, remonta à época das guerras navais entre França e Inglaterra. As culturas italianas e francesas compartilham da mesma metáfora para descrever o comportamento dos ingleses. Assim como no Brasil é costume fazer piadas jocosas com os portugueses, na Itália e na França eles têm essa visão particular dos ingleses. Como a sociedade brasileira não compartilha a mesma visão que as sociedades francesa e italiana, não é possível descrever os ingleses dessa maneira, com uma EI em português. No Brasil, essa é a visão que se tem dos franceses e de outros povos. Por isso, os correspondentes aceitáveis são: sair à francesa; sair de fininho; despedir-se em arábico; despedir-se em latim.

Outra expressão que causa certo estranhamento para falantes do português brasileiro é a EI fare il portoghese. A tradução literal pode levar a um sentido distorcido da expressão, uma vez que “dar uma de português” não possui o mesmo significado pragmático da EI italiana. Essa EI italiana retrata os portugueses como pessoas espertas, que entram com subterfúgios ou estratagemas num lugar, onde se realiza um espetáculo, sem pagar ingresso. Apresentamos como possíveis correspondentes idiomáticos parciais dessa expressão: ser um penetra, entrar de bicão. A expressão em português entrar de bicão possui uma extensão de

significado mais ampla do que a EI italiana, pois além de se referir à pessoa que entra sem pagar em um espetáculo, pode significar também entrar escondido em uma festa, sem ser convidado.

O núcleo come un turco funciona como um advérbio de intensidade para os verbos que o acompanham, significando “muito, demais”. Nos nossos dados, há três EIs italianas com este núcleo: 1. bere come un turco. 2. bestemmiare come un turco. 3. fumare come un turco. A primeira EI, cujo significado é o “de beber muito”, apresenta, como correspondente parcial, entortar o caneco e beber como uma esponja. Para a segunda expressão italiana, não encontramos correspondentes idiomáticos, seria necessário uma paráfrase explicativa para traduzi-la. A terceira expressão italiana significa fumar muito, como de fato fazem os turcos e muçulmanos, por meio dos quais o uso do tabaco foi difundido desde a antiguidade. Por isso, um possível correspondente seria: fumar como uma chaminé.

5.3. EIS CLASSIFICADAS SEGUNDO A CATEGORIA “HISTÓRICO”

Nesta categoria estão arroladas as EIs relacionadas a batalhas, guerras, episódios históricos e personagens históricos. O papel da história (social e individual) faz parte da dimensão que Kövecses (2005) denomina contexto cultural. A história para ele é o conjunto de acontecimentos que ocorreram no passado de uma cultura, um grupo ou um indivíduo, por isso variam, já que não existem sociedades idênticas, com histórias idênticas.

As particularidades das histórias de cada sociedade são refletidas na linguagem, principalmente nos fraseologismos. Podemos observar este fato na EI italiana [non] essere più

il tempi che [in cui] Berta filava. Essa EI significa “os tempos do tempo”, “em tempos remotos”; na forma negativa, ao contrário, há o significado de “antes que mudassem as coisas”, “quando tudo ia bem”. Não se sabe ao certo a origem de Berta, algumas hipóteses afirmam que ela era mãe/irmã de Carlos Magno, outras afirmam que ela era uma artesã muito prendada. Na sociedade brasileira não recuperamos essa figura de Berta, mas a substituímos por outra: ser do tempo do onça, ser o tempo de dom João Charuto; ser do tempo do guaraná de [com] rolha; [não ser mais] o tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. A figura “onça” refere-se à época do capitão Luís Vahia Monteiro, cujo apelido era onça, governador do Rio de Janeiro de 1725 a 1732. Já a figura de João Charuto remete ao tempo de Dom João VI, quando se iniciou a fabricação de charutos no Brasil. Apesar de não serem a mesma personagem histórica Berta, representam e aludem ao mesmo significado: “em tempos remotos”.

No documento Eloísa Moriel Valença (páginas 115-117)