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A EJA no Brasil: do reconhecimento dos direitos na Constituição Federal de 1988 ao governo Lula

Apresentamos, neste capítulo, um panorama sobre o tratamento conferido à EJA desde o período de sua garantia na CF/1988, passando pela época de sua maior marginalização, ocorrida na gestão de FHC, até chegarmos às políticas adotadas para a área pelo governo Lula. Em relação a esta última administração, iniciamos mostrando o perfil dos sujeitos demandantes de EJA no Brasil e a disposição dessa modalidade de ensino na SECAD. Priorizamos a análise de seus principais programas: Programa Brasil Alfabetizado, ProJovem, Pronera e Proeja. Analisamos também o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e como a EJA foi tratada no PNE e no PDE.

2.1 – A Constituição Federal de 1988: a garantia do direito à educação e à escolarização das pessoas jovens e adultas

Nos anos de 1980, ganha força o tema da participação da sociedade civil nos espaços públicos de decisão política, durante o processo de transição do regime autoritário para o democrático. A luta por participação popular se amplia, em especial durante o período constituinte (meados da década), por meio da pressão e da proposição dos setores organizados da sociedade para incorporar na Carta Magna canais de participação do povo na gestão pública. É forte, também, a luta pela ampliação do atendimento educacional público no país. Nesse contexto, há uma pressão crescente para que o Estado crie condições para a escolarização formal de jovens e adultos.

A omissão do poder público no atendimento educacional gerou uma série de reivindicações de educadores e movimentos sociais, que defendiam o direito à escolarização e que lutavam, também, para que o Estado garantisse este direito para o público jovem e adulto. Nesse processo, os setores em luta tinham, entre

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outras, duas importantes referências: a educação popular e o conceito de libertação, tão propalados por Paulo Freire, e a transformação social e o conceito de hegemonia, baliza do pensamento gramsciano.

Miguel Arroyo (2005, p. 31) destaca que a EJA e os sujeitos que lutam para o reconhecimento do seu direito tinham/têm a perspectiva de intervenção, de transformação da sociedade:

[...] A EJA sempre aparece vinculada a um outro projeto de sociedade, um projeto de inclusão do povo como sujeito de direitos. Foi sempre um dos campos da educação mais politizados, o que foi possível por ser um campo aberto, não fechado e nem burocratizado, por ser um campo de possíveis intervenções de agentes diversos da sociedade, com propostas diversas de sociedade e do papel do povo.

Portanto, as lutas no campo político e/ou educacional, que emergiram no final da década de 1970 e ganharam força nos anos 1980, vão se refletir e influenciar a CF/1988. Essas ações, intensificadas durante o processo constituinte, pressionaram o Estado para que, dentre outras questões, reconhecesse os direitos educacionais da população jovem e adulta. A CF/1988 acaba responsabilizando o poder público por assegurar o direito ao ensino fundamental para a população jovem e adulta e estipula um prazo de dez anos para a erradicação do analfabetismo.

Esta constituição foi a primeira a explicitar a declaração dos direitos sociais, sendo que a educação aparece como o primeiro desses direitos (Art. 6º). A educação é tratada com destaque em um capítulo à parte (Título VIII, capítulo 3, seção I) nos artigos 205 a 214. O detalhamento é feito principalmente no Art. 208, que assegura esse direito também para os jovens e adultos:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; [...].

Romualdo P. de Oliveira (2001), discutindo o direito à educação, argumenta que a CF/1988 ampliou pontos positivos e cita, entre outros: a garantia da educação como um direito público subjetivo, a previsão de responsabilização da autoridade competente (apesar da falta de sanções aos que não cumprem a lei), a

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atribuição do poder público de realização do censo escolar e da chamada à matrícula. Ou seja, a Carta Magna previu alguns instrumentos que possibilitam a efetivação desse direito, ainda que, de fato, apenas ao ensino fundamental.

Nessa época de redemocratização, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), desenvolvido durante o período autoritário (1964-1985), foi suprimido e substituído pela Fundação Educar, que tinha o papel de órgão de fomento e de apoio técnico por meio de parcerias e não mais através da ação direta. O governo de Fernando Collor de Mello (Partido da Reconstrução Nacional – PRN, 1990-92), o primeiro eleito por voto direto após o regime militar, extinguiu a Fundação Educar. Tinha, dentre outros desafios, o de cumprir o Artigo 214 da CF/1988 e o Artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):

Art. 214 – A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à:

I – erradicação do analfabetismo;

II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho;

V – promoção humanística, científica e tecnológica do país. Art. 60 (ADCT) – Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, cinqüenta por cento dos recursos a que se refere o Art. 21231 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.

Assim, segundo a Lei Maior, o analfabetismo tinha data para ser eliminado: 1998. Havia, ainda, a estipulação de recursos para esse fim. Apesar das dificuldades e dos esforços necessários para cumprir tal meta e universalizar o ensino fundamental, a legislação firmou uma intencionalidade política, estabeleceu um horizonte, reconhecendo a necessidade de se instalar no plano dos direitos um caminho para superar uma flagrante injustiça social (HADDAD, 2001).

Todos esses movimentos que lutaram para que o direito à educação fosse garantido na CF/1988 nos faz remeter à compreensão de Gramsci de que a

31 O Art. 212 da CF/1988, dentre outras coisas, é o que vincula os recursos provenientes da

arrecadação de impostos para a área educacional, a saber: a União, nunca menos de 18% e os estados, o Distrito Federal e os municípios 25%, no mínimo.

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hegemonia não é apenas política, mas é também um fato cultural, moral, de concepção de mundo, é a própria superação da contradição entre prática e teoria. A hegemonia, para o autor, é capacidade de direção, de conquistar alianças, é capacidade de fornecer uma base social ao estado proletário. Os movimentos que defendiam o direito à escolarização das pessoas jovens e adultas objetivavam, portanto, fazer com que sua compreensão de mundo – e desses educandos excluídos da escolarização – fosse considerada no momento de construção e desenvolvimento das políticas públicas educacionais. A luta dos movimentos ligados à educação perpassava essa tentativa de ocupar espaços maiores na sociedade civil brasileira.

No caso da educação das pessoas jovens e adultas isso adquire uma importância ainda maior, justamente por ser uma modalidade de ensino em que o imaginário social comumente não entende como um direito a ser conquistado, como as outras etapas ou modalidades de ensino. Muitos administradores públicos também observam a EJA como uma educação de segunda categoria, em que o direito não necessariamente precisa ser assegurado.

Por isso, entre outros motivos, os movimentos sociais que lutam pela garantia do direito à educação do público jovem e adulto destacam a necessidade de políticas específicas para o atendimento dessas pessoas. Arroyo (2005, p. 30) salienta, com razão, que essa luta ultrapassa o cenário educacional. São questões ligadas à identidade coletiva de grandes contingentes populacionais brasileiros:

Os jovens-adultos populares não são acidentados ocasionais que, ou gratuitamente, abandonaram a escola. Esses jovens e adultos repetem histórias longas de negação de direitos. Histórias coletivas. As mesmas de seus pais, avós, de sua raça, gênero, etnia e classe social. Quando se perde essa identidade coletiva, racial, social, popular dessas trajetórias humanas e escolares, perde-se a identidade da EJA e passa a ser encarada como mera oferta individual e de oportunidades pessoais perdidas [...].

Os sujeitos envolvidos trazem consigo um histórico de negação de direitos, de vitimação, de exclusão, e não só educacional. Por isso a importância de uma maior politização, de se buscar a libertação e a transformação social:

92 [...] Vê-los como oprimidos será um olhar mais politizado do que vê-los como pobres, preguiçosos ou violentos, ou como reprovados e defasados.

[...] O radicalismo político vem das questões radicais e explosivas a que são submetidos os filhos dos setores populares, dos pobres, negros, oprimidos desde a infância. Quando eles e elas chegam de volta à escola, carregam essas radicais questões acumuladas e condensadas em suas trajetórias. A radicalidade política da EJA vem de dentro, carregada pelos próprios jovens e adultos populares. Não são trajetórias lineares, fáceis, de superfície, sem significados políticos. Ao contrário, são trajetórias que, desde crianças, os interrogam e interrogam a educação sobre os significados políticos da miséria, da fome, da dor, da morte, da luta pela terra, pela identidade e pela sua cultura, pela vida e dignidade. Trajetórias de idas e voltas, de caídas e recaídas. De escolhas sem horizontes e luminosidades para escolher. Sem alternativas de escolha (ARROYO, 2005, p. 40-41).

2.2 – Os anos de 1990 e a marginalização da EJA

Nos anos 1990, um cenário diferente do que ocorrera nos anos 1980 se delineia para a EJA. A seguinte passagem do texto de Haddad (2002, p. 111) fornece uma noção mais exata de como essa modalidade de ensino passaria a ser intencionalmente tratada a partir dessa época:

“Deixem os velhinhos morrerem em paz! Deixem os velhinhos morrerem em paz!” Assim se pronunciou Darcy Ribeiro32, diante das câmeras de vídeo e os olhares atônitos de cerca de 1.500 pessoas, educadores, professores, responsáveis por políticas públicas, no encerramento do Congresso Brasileiro organizado pelo GETA – Grupo de Estudos e Trabalhos em Alfabetização em 1990, por ocasião das mobilizações que marcaram o Ano Internacional da Alfabetização. Darcy, firme, falador incansável, argumentava, diante do seu amigo Paulo Freire, que assistia à sua performance na mesma mesa-redonda, no auditório da antiga Escola Caetano de Campos.

Pode-se dizer que ali, por sua ousadia, Darcy inaugurava uma nova etapa de desqualificação da educação de pessoas jovens e adultas no âmbito das políticas públicas, revertendo um movimento

32 Antropólogo de renome mundial, ocupou, entre outros cargos, o de vice-governador do Estado do Rio de Janeiro (1982). Foi cumulativamente Secretário de Estado da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação. Participou da criação e desenvolvimento dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP). Na época, era senador pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT- RJ). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394, de 20/12/1996) é também conhecida como “Lei Darcy Ribeiro”, por ter como um de seus pilares o projeto desse autor.

93 inclusivo dos direitos por educação dos últimos cinqüenta anos.

Assim, o discurso de Darcy Ribeiro sinalizava mais do que mera opinião pessoal sobre a “educação” que seria proporcionada aos jovens e adultos com pouca ou nenhuma escolaridade: ele indicava como a EJA seria tratada na nova configuração do Estado – em absoluto desrespeito aos direitos sociais.

O enfraquecimento e a desqualificação dessa modalidade de ensino nessa década passaram por dois aspectos principais e concomitantes:

a) a retirada – ou pelo menos a tentativa de retirada – de alguns dos direitos que os jovens e adultos haviam conseguido, principalmente na CF/1988; b) o desenvolvimento de programas / campanhas para jovens e adultos de cunho emergencial e compensatório33, tão recorrentes na história da EJA.

O governo de Fernando Collor de Mello lançou o Plano Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC, 1991), dando a entender que a EJA seria uma prioridade. Todavia, a desfaçatez que o marcou repercutiu também no PNAC, que praticamente não saiu do papel. Haddad (2001) afirmou, com razão, que nesse governo a EJA sofre uma inflexão no que se refere às garantias na CF/1988.

Fato também marcante nesse período foi a afirmação do então ministro da Educação, José Goldemberg, de que a morte solucionaria o problema do adulto analfabeto, visto que este havia aprendido a sobreviver sem escolarização. Tal fala objetivava que o investimento deveria ocorrer na escolarização de crianças e adolescentes na idade escolar esperada. Assim, em dez anos, erradicaríamos o analfabetismo e cumpriríamos a constituição (ARELARO; KRUPPA, 2002).

A ênfase no ensino fundamental regular permeará as políticas educacionais por um longo período, em especial nos governos de FHC (1995-98 e 1999-2002). Para Haddad (2001, p. 114), “o discurso da inclusão que vinha sendo crescente até aquele momento [para a EJA], passou a ser substituído pelo discurso da exclusão, do estabelecimento de prioridades com restrição de direitos”.

33 Entendemos por medidas emergenciais e compensatórias aquelas iniciativas tomadas sem a

preocupação de resolver de forma sistemática e definitiva o atendimento de direitos sociais, no caso, o direito à educação. Em geral, elas são implantadas na forma de campanhas ou programas, pretensamente provisórios, visando a amenizar demandas que, se não atendidas, ocasionam denúncias e protestos de setores sociais organizados. Tais iniciativas tendem a se tornar perenes.

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Com a posse do presidente Itamar Franco (PMDB, 1992-1994), logo após o impeachment de Collor, adota-se uma nova postura, de fazer cumprir o que estava estabelecido em lei, e, apesar das metas para o atendimento dos jovens e adultos analfabetos serem ainda pequenas, o governo sinalizava, pelo menos no discurso, que a EJA continuaria sendo uma prioridade (ARELARO; KRUPPA, 2002). Com a subida de FHC (PSDB) ao poder, em 1995, esse quadro muda:

A situação mudou com a redução dos recursos para as políticas sociais imposta pelo modelo neoliberal adotado pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995/98 e 1999/02). A EJA passou a ser uma política marginal, em especial para o governo federal que define, progressivamente, a sua concepção sobre o ‘regime de colaboração’, entendido agora como uma ação centralizada de coordenação pelo governo federal e repasse de execução das políticas da educação básica para Estados e municípios, com acentuada sobrecarga desses últimos (ARELARO; KRUPPA, 2002, p. 94).

No início dos anos de 1990 já se observa uma influência maior do FMI, do Banco Mundial (BM) e das formulações neoliberais nas políticas educacionais, em especial nos governos de FHC. Adota-se uma política de ajuste do Estado, de enxugamento das contas públicas, onde se destaca a retração de gastos em setores sociais, na tentativa de apagar a ideia da educação pública como direito, principalmente na área da EJA. Passa a vigorar uma despolitização generalizada e essa modalidade de ensino é tratada de maneira assistencialista, como política compensatória coadjuvante, conforme argumentamHaddad e Di Pierro (2000).

De acordo com essa política de cunho neoliberal, na educação, o país deveria garantir eficiência e racionalização, entendidas na dimensão estrita da relação custo-benefício, segundo as “modernas” regras do mercado:

O discurso da globalização [...] esconde, porém, que a sua é a ética do mercado e não a ética universal do ser humano, pela qual devemos lutar bravamente se optarmos, na verdade, por um mundo de gente. [...] O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no neoliberalismo [...] o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca (FREIRE, 2002, p. 144).

A política de focalização no ensino fundamental e apenas para crianças e adolescentes na idade esperada tem que ser entendida dentro do contexto

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neoliberal. Jane Paiva (2009a, p. 66, destaques da autora) denota a compreensão do papel da EJA para o governo FHC ao citar a posição defendida pela administração brasileira na etapa regional preparatória para a V Conferência Internacional de Educação de Adultos (V Confintea, Hamburgo / Alemanha, 1997):

Entretanto, diante de toda a América Latina, na etapa regional preparatória, o Brasil reafirmava sozinho seu compromisso de investimento prioritário na educação fundamental de qualidade para todas as crianças de 7 a 14 anos, em caráter preventivo, e, simultaneamente, sem destaque, para jovens e adultos, em caráter corretivo, reforçando a concepção compensatória e tutorial para a EJA, pela mão da organização não governamental quase oficial Alfabetização Solidária. O Ministério da Educação (MEC)

preservava elementos constitutivos da patologia que o

analfabetismo representara historicamente – ação preventiva, vítimas –, e os que acompanharam as políticas educacionais desses anos são testemunhas das práticas coerentes com a enunciação desse discurso.

O processo de definição da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), no qual o governo não respeitou consultas e acordos feitos com os setores organizados da sociedade civil, acabou tendo resultados contraditórios para a EJA: de um lado, acabou integrando o “Ensino Supletivo” com o ensino regular, o que é positivo; por outro lado, houve certa indefinição do público a que se destina e a diluição das especificidades psico-pedagógicas. A LDB aprovada não deixou de tratar a educação de pessoas jovens e adultas, todavia a considerou de maneira parcial, sob a ótica da reforma do Estado, onde a prioridade seria o ensino fundamental regular. Mais do que isso, a lei não garantiu uma atitude indutora por parte do Estado, aspecto essencial na EJA:

Diferentemente da educação fundamental regular, onde há um grande consenso social (particularmente dos pais) sobre a necessidade de as crianças irem à escola, além de uma forte pressão para que isto ocorra, no caso da educação de pessoas jovens e adultas é a oferta que estimula a demanda, exigindo, portanto, uma atitude ativa do Poder Público (HADDAD; XIMENES, 2008, p. 132).

Nesse particular, é importante lembrar que a LDB aprovada teve como base o projeto do senador Darcy Ribeiro, mas não é lícito ignorar que outro projeto de LDB foi apresentado pelos setores organizados da sociedade civil por meio do deputado federal Octávio Elísio (PMDB) e depois conduzido pelo deputado Jorge

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Hage (PDT), que foi amplamente discutido com a sociedade, e que tinha um caráter muito mais progressista e indutor de políticas públicas para a educação das pessoas jovens e adultas. Tal projeto definia que o Estado criaria condições para que o jovem ou adulto trabalhador pudesse estudar, por exemplo, com a concessão de bolsas de estudo, alimentação e materiais didáticos, previsão de horários específicos no local de trabalho, entre outros pontos.

A citação a seguir, retirada do Documento Base Nacional Preparatório à VI Confintea (2008, p. 3, destaques nossos), retrata bem esse novo momento para a EJA:

Com o início de uma nova legislatura, boa parte dos direitos incluídos no Projeto [Jorge Hage] acabou não chegando à versão final da Lei, finalmente aprovada em 1996. Os tempos eram outros, a correlação de forças mudara no Congresso Nacional e, com a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), no mesmo ano, com os vetos do Presidente da República à contabilização de educandos de EJA para o cálculo dos recursos do novo Fundo, a EJA viveu seu momento mais difícil [...].

Simultaneamente à aprovação da LDB, ocorre a aprovação da Emenda Constitucional nº 14 (EC nº 14/1996). Essa Emenda altera o Art. 208 da CF/1988, objetivando fragilizar o direito dos jovens e adultos ao ensino fundamental. Eis como era antes esse artigo e como ficou depois da alteração feita:

Antes:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

Depois:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria (grifos nossos).

Para Lisete R. G. Arelaro e Sônia M. P. Kruppa (2002) essa alteração do Art. 208 fragilizou o direito ao ensino fundamental das pessoas jovens e adultas

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que a ele não tiveram acesso na idade esperada, transformando o dever do Estado em assegurar esse ensino em mera “oferta”. Entretanto, as autoras citam que outra interpretação dessa emenda e de sua regulamentação foi defendida pelos dirigentes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e que, inclusive, o renomado jurista Fábio Konder Comparato elaborou um parecer (a pedido dessa entidade) no qual mostrava que tal manobra não tirou a efetividade do dever do Estado para com o ensino fundamental.

Haddad (2001) também afirma que a contradição entre os dois textos (Constituição e LDB) abre brecha para dupla interpretação, cabendo inclusive uma consulta jurídica e uma aposta na pressão sobre o Legislativo por interpretação mais inclusiva do ensino fundamental. Já Oliveira (2001) argumenta que o Art. 208 da CF/1988 pós-Emenda Constitucional nº 14/1996 (EC nº14/1996) manteve o direito de todos, mas eximiu as pessoas acima da idade esperada da obrigação de cursar o ensino fundamental. Continua, porém, o dever do Estado de fornecê-lo gratuitamente:

[...] a EC 14 não alterou o alcance da declaração do direito ao ensino fundamental previsto na CF 88; ao contrário, evitou um aspecto dúbio ao explicitamente garantir o acesso facultativo àqueles que não se escolarizaram no período adequado, sem eximir o Poder Público de sua responsabilidade de atender gratuitamente a essa população (OLIVEIRA, 2001, p. 41).

A EC nº 14/1996 instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Suprimiu o artigo das Disposições Transitórias da CF/1988, que responsabilizava o governo e a sociedade civil por erradicar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental

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