• Nenhum resultado encontrado

2 A PESQUISA NA INTERFACE ENTRE COMUNICAÇÃO E

2.2 Elaboração do quadro de referência metodológico

A elaboração e constituição do quadro de referência analítico buscou as melhores respostas a dois objetivos específicos da proposta de pesquisa. O primeiro, o de apresentar um panorama bibliométrico da pesquisa em interface da comunicação com a cidadania. O segundo, o de refletir sobre como as estruturas metodológicas da pesquisa em comunicação articulam a noção de cidadania comunicativa. Tais atitudes nos levaram a leituras necessárias para compreender como as investigações em comunicação se ordenam e como os autores compreendem os processos metodológicos e epistemológicos. Além de fechar-se na área, o quadro de referência tenta uma amplitude analítica que dê conta de uma vasta produção científica, realizada e divulgada em distintos países e meios.

Nessa articulação construtiva notou-se a intersecção entre o conhecimento estabelecido, a ação metodológica e os acionamentos da ciência para a elaboração e constituição dos conhecimentos reconhecidos pelas comunidades científicas. Isso significa dizer que não há somente uma lógica que determine os modelos e processualidades metodológicas, mas amplas formas de compreender esses caminhos de atuação. Segundo Braga (2016, p. 84), “o gesto de acionamento é o uso das teorias para perguntar, para planejar a observação sistematizada e para apoiar o trabalho de interpretação”. Essa afirmação justifica a teoria como ação metodológica. Em outras palavras, o que se percebe é a compreensão da metodologia de pesquisa como um elemento sistematizador das práticas, mecanismo de ordenação processual. Optamos por compreender esses elementos como observação sistematizada, entendendo que o que está definido como referência não é o único quadro possível, mas o que melhor responde às

demandas da investigação. Ou seja, nossa sistematização considera o entendimento da cidadania comunicativa como prática social transgressora, os processos metodológicos e caminhos possíveis diante do que é observado, e a ciência como uma prática social sistemática na construção social da realidade.

O nosso quadro não é uma tentativa de dar conta das investigações sobre cidadania e comunicação, mas de percebê-las diante de um ordenamento metodológico que pudesse planificar outras ritualidades científicas. A intencionalidade dessa elaboração foi, portanto, perceber como as metodologias se ordenam e podem contribuir para a elaboração de outras, “assim como os acordos para enfrentar os desafios da vida comum, assim como os acordos pelos quais as diferenças podem ser exacerbadas, modificadas, esquecidas ou tornadas socialmente produtivas” (BRAGA, 2016, p. 89).

O quadro elaborado como referencial para a análise dos produtos científicos organizados considerou uma inserção de vários modelos, de autores que discutem a organização metodológica em comunicação e de várias escalas de classificação feitas por eles. Assim, estamos abordando a utilização de métodos que podem ser acionados para a produção do conhecimento, nesse debate entre o discurso científico e o real.

Orozco Gómez e Gonzalez (2012) explicam que a abordagem metodológica se configura a partir da forma como o pesquisador se coloca diante da construção do objeto, dos seus objetivos, da organicidade epistemológica e das categorias de investigação. Segundo os autores, as categorias e conceitos são construídos a partir das distintas visões de mundo que destacam elementos diferentes dessas entidades. A partir deles se outorga um lugar operativo no mundo e operacionalidade é também uma forma de compreensão. “O importante não é a receita, sim a quantidade de sentido comum e critério epistemológico” (Ibid., p. 75), a relevância está em conseguir expressar os processos de forma abrangente, sem perder de vista as particularidades e a lógica científica. A metodologia não é um passe de mágica, não é a razão pura.

Tal perspectiva faz com que os autores elaborem um caminho que tenta ordenar os processos metodológicos da pesquisa em comunicação, um álibi metodológico (coartada metodológica). Orozco Gómez e Gonzalez (2012, p. 33) dividem a processualidade das estratégias metodológicas em quatro segmentos: metodologia, método, técnicas e ferramentas. Essa categorização explica as estratégias de investigação de forma processual, ordenada em escala piramidal, do amplo para o mais específico. Além disso, aportam em compreensões sobre o sistema de investigação que busca ser aberto para além da exclusividade da pesquisa comunicacional.

Para Bachelard (2006, p. 19), os fenômenos são tecnicamente constituídos, o que faz da sistematização metodológica científica um modelo de compreensão da natureza: “não existe na natureza e não é sequer uma continuação natural dos fenômenos naturais”. Essa “aventura nos países quiméricos” ainda é desafiadora na construção das metodologias da ciência, se consolida com a historicidade dos processos, mas precisa sair da esfera do absolutismo para a intersecção com o cotidiano. Bachelard (2006) chama a atenção para a organização e sistematização científica, mas que ela não tenha a restrição absoluta sobre o método pré-definido e que perpasse pela potencialidade imprevisível da experiência.

Na constituição do nosso quadro de referência, assumimos o racionalismo aplicado (BACHELARD, 2006) e tomamos como fundamentação um recorte específico, categorizando ainda a partir de experiência pessoais e exercício de pesquisas as técnicas em duas perspectivas: da coleta dos dados e dos modelos de análise. “A experiência não é, pois, bloqueada de forma alguma nas suas técnicas” (Ibid., p. 116). O que fiz ao sistematizar um modelo analítico para compreender as metodologias empregadas nas comunicações analisadas nesta tese foi multiplicar e afinar estruturas apresentadas por estudos metodológicos, articuladas com compreensões oriundas da experiência de realização científica.

A sistematização considera a metodologia como a orientação sobre aquilo que quer se obter da pesquisa, por isso a divisão em qualitativa, quantitativa e a quanti-qualitativa. Conforme Orozco Gómez e Gonzalez (2012), a investigação quantitativa busca o estabelecimento das generalizações da realidade, utilizando mensurações estatísticas de variáveis; enquanto a qualitativa procura compreender as particularidades, os sujeitos, suas atuações e inter-relações com o meio social.

Mais além dessa percepção, adotamos as nomenclaturas de métodos, técnicas e ferramentas. Método é entendido aqui como o conjunto de técnicas e associações de ferramentas, coerentes com a orientação da pesquisa que permitem a compreensão de uma problemática e objeto de estudo. Enquanto isso, técnica é tida como o uso particular de uma ferramenta ou um conjunto delas, e por meio explicativo as ferramentas são aqueles “dispositivos que nos permitem, no caso da investigação científica, a correlação de dados instrumentais” (OROZCO GÓMEZ; GONZALEZ, 2012, p. 35). Essas nuances estruturais da investigação exibem como o fazer pesquisa é resultado de uma arquitetura metodológica para que entendamos os caminhos percorridos pelo investigador na constituição da investigação científica. Entretanto, “ a comodidade das convenções não lhes retira o seu caráter arbitrário” (BACHELARD, 2006, p. 123), o que significa que o quadro de referência metodológico que constituímos aqui é uma perspectiva possível de articulação científica, orientada a partir de um

racionalismo que nos parece dar conta da interface comunicação e cidadania e de estudos metodológicos para o campo da comunicação.

A ordenação do quadro de referência aqui exposto resulta de múltiplas tentativas, de organização e reorganização, na tentativa de estruturar características de uma análise metodológica para a cidadania e comunicação, para não enfraquecer o papel da experiência na produção científica. “A cultura é um acesso a uma emergência; no domínio científico estas emergências estão de fato constituídas socialmente” (BACHELARD, 2006, p. 115). Fortalecer tanto a experiência do investigador como a dos sujeitos nos parece imprescindível no desenvolvimento de uma perspectiva de ciência menos arbitrária e mais acessível ao conhecimento comum.

Além desse ordenamento das estratégias metodológicas, é preciso observar as intencionalidades das pesquisas, o entendimento das investigações, ou seja, a que propósitos essas formulações científicas querem responder. Orozco Gómez e Gonzalez (2012) apontam que cada investigação possui uma finalidade e que essa é geralmente aquele elemento intencional de responsividade que o problema de pesquisa possui, classificando-as em três tipos: descritivas, explicativas e prospectivas. Esses três elementos também foram incorporados à nossa referenciação analítica.

“O real, concreto, reconstruído pela pesquisa científica, mostra que os processos e fenômenos em comunicação são multidimensionais e multicontextuais” (MALDONADO, 2012, p. 35). O autor, por outro lado, descreve vários métodos e os reformula para a comunicação. Essa classificação é mais específica e nos forneceu importantes pontos de vista epistemológicos e uma categorização de métodos mais estrita, o que nos permitiu relacioná-los com as “delimitações guarda-chuva” apontadas por Orozco Gómez e Gonzalez (2012) e com as técnicas apontadas por França (2016).

O recorte feito por Maldonado (2012, p. 36) “rejeita o consumo intelectual mecanizado de lógicas e métodos prontos” organiza as nomenclaturas para pontuar os tipos de método que observou, trabalhando mediante a perspectiva transmetodológica e afinando-a para a investigação científica em comunicação. Assumir esse rejeitar (especialmente presente na coluna de comentários que não obedece métricas), essa avidez resistente – nossa primeira resistência – sobre a exclusividade do método, é que nos fez compor um quadro de referência para um exame bibliométrico. O quadro desordena as lógicas bibliométricas tradicionais e as reorganiza a partir de uma ótica de metodologias aplicadas à comunicação. Nossa metodologia da resistência começa aqui. Resistir é preciso para compreender e perceber outros caminhos

possíveis, e mesmo que neste momento da investigação eles venham sistematizados de forma numérica e gráfica, não significa que a resistência esteja ausente.

Quadro 1: Quadro de referência metodológico para análise bibliométrica em comunicação Coluna Elementos metodológicos

1 Autor: Sujeito que produziu o texto.

2 Título: denominação da investigação ou texto científico.

3 Local: Universidade ou centro de investigação que está vinculado o autor.

4 País: país onde o texto foi publicado.

5 Banco de dados: Congressos, revistas e bancos de teses e dissertações.

6 Metodologia: Qualitativa (A), quantitativa (B), quanti-qualitativa (C).

7 Métodos: História de vida comunicativa (A), etnografias de públicos (B), análises comunicativas

de produtos midiáticos (C), explorações livres de campos ˗ empírica (D), pesquisas teóricas sistemáticas (E), pesquisa da pesquisa (F), laboratórios metodológicos (G), pesquisa documental (H), organização e sistematização de material midiático (I), metodologias transformadoras (J).

8 Técnicas de coleta: Entrevista (A), questionário (B), algoritmo (C), observação etnográfica (D),

grupo de discussão (E), história de vida (F), experimentação metodológica (G), estudo de caso (H), bibliográfica (I), vídeo (J), fotografia (L).

9 Técnicas de análise: Análise teórica (A), análise textual (B), análise de discurso (C), análise de

conteúdo (D), análise semiótica (E), análises socioculturais de contextos (F) e análise de processos de produção (G).

10 Ferramentas: Diário de campo (A), programa de computador (B), gravador (C), câmera (D),

documentos (E), jornais/revistas (F), livros/artigos (G).

11 Finalidade: Descritiva (A), explicativa (B) e prospectiva (C). 12 Ano: de publicação.

13 Comentários: espaço destinado para a livre percepção sobre as produções. Sem métricas.

Fonte: Referências teóricas articuladas: França (2016), Maldonado (2012); Orozco Gómez; Gonzalez (2012); Feyerabend (1977); Bachelard (2006).

Se para nós a cidadania comunicativa é uma prática social que catalisa a tomada de consciência dos sujeitos em resistência alcançando a esfera midiática, a elaboração do quadro de referência analítico e da proposta metodológica constituídos nessa tese precisa perpassar por esses mesmos meandros de perturbação da lógica científica e da ordem social. Feyerabend (1977, p. 32) nos indaga se realmente devemos crer que “regras ingênuas e simplórias que os metodólogos tomam como guia são capazes de explicar tal labirinto de interações”. Longe desse pensamento simplório, creio que as formas de conhecimento e as práticas sociais precisam se

articular na elaboração de uma crítica de mão dupla e que sem essa interseção questionadora é impossível perceber os vieses sociais, comunicacionais, da ciência e do senso comum.