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4.2 Indicador de direito à moradia adequada para o meio rural

4.2.1 Elaboração dos questionários

Os questionários foram elaborados segundo pesquisas anteriores realizadas pelo grupo de pesquisa, a partir de entrevistas e idas à campo nas comunidades escolhidas e com base na bibliografia referente. Assim são apresentadas as reflexões mais importantes para essa fase de elaboração, sendo que o primeiro questionário elaborado foi para o Assentamento.

Questionário para o Assentamento

Barbo e Shimbo (2006) apresentam uma discussão sobre o padrão mínimo de moradia adequada utilizada pelos Indicadores habitacionais existentes, como a Fundação João Pinheiro (FJP) e a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). Sobre a densidade excessiva de moradores por dormitório, consideram que a Seade apresenta um indicador mais adequado ao considerar inadequado, além da quantidade de pessoas por dormitório, os domicílios cujos moradores estão ocupando permanentemente a sala ou a cozinha como dormitório, considerando que está havendo uma sobreposição de atividades em um mesmo cômodo, representando a falta de espaço para os moradores. Além disso, a Seade apresenta um indicador de espaço interno insuficiente, através da inexistência dos quatro cômodos básicos na divisão do espaço interno da habitação em quarto, sala, cozinha e banheiro. Além disso, considerou-se a presença de um espaço para lavar roupa (lavanderia).

Para compor "indicadores de congestionamento", de habitantes por metro quadrado e habitantes por cômodo, utilizou-se, então, inadequação para acima de três pessoas/dormitório adotada pela FJP e/ou se há algum morador dormindo na sala ou na cozinha por necessidade,

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conforme a Seade, e adicionou-se, ainda, uma questão sobre a presença de algum morador acima de 2 anos dormindo no mesmo quarto que o casal/pais.

Quanto à coabitação, Alves e Cavenaghi (2005) fazem uma crítica à FJP, pois esta não considera a intenção da família de permanecer junto da outra família em uma mesma casa25, portanto foi colocada a questão sobre a intenção de se mudar e o motivo de morar em uma mesma casa

As questões relacionadas à percepção quanto a habitabilidade foram elaboradas com base na descrição de habitabilidade presente no trabalho de Azevedo et al. (2006). Esses quesitos foram:

• conforto ambiental – condições adequadas de conforto térmico, lumínico e acústico. • saúde, higiene e qualidade do ar – medidas que evitam qualquer tipo de

contaminação do ambiente e que deem condições adequadas de cuidados corporais; • funcionalidade – dimensões espaciais condizentes com o tipo de atividade e numero

de pessoas e funcionamento das instalações prediais de qualquer tipo;

• acessibilidade – capacidade de se adequar a um deficiente físico ou com mobilidade reduzida;

• durabilidade – garantia do desempenho adequado ao longo do tempo;

• manutenção – cuidados e medidas para o funcionamento adequado durante a vida útil do empreendimento;

• estética – caráter do belo, harmonia das formas e cores da habitação;

• segurança – relacionado à segurança estrutural da edificação, ao risco de incêndio, e de invasão de terceiros.

Cardoso (1998) apud Barbo e Shimbo (2006) cita a importância de verificar não somente a presença de abastecimento de água e de energia, mas a sua frequência e qualidade.

Fiadzo et al. (2000) citam, em seu trabalho sobre a estimativa da qualidade da casa na área pobre de Ghana, a questão da distância da casa de locais de serviços públicos, de postos de saúde, trabalho, etc., Jannuzzu (2009) também coloca essa observação como importante para a qualidade de vida de seus moradores. Portanto, questões de distância e avaliação dos

25 Em estudos posteriores, a FJP já considerou para o cálculo do déficit habitacional a coabitação familiar,

considerando “famílias conviventes secundárias com intenção de constituir domicílio exclusivo” (BRASIL, 2013).

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serviços públicos foram incluídos como parte das Variáveis Macro Localização e

Infraestrutura.

A definição do custo da moradia, “Housing costs”, é colocada por Özdemir e Ward (2009), da Diretoria Geral “Employment, Social Affaris and Equal Opportunities” da Comissão Europeia, como sendo medido pelos gastos com: alojamento, incluindo o custo dos serviços públicos (água, eletricidade, gás e aquecimento), seguro da casa, serviços necessários (como para remoção de esgoto e coleta de lixo) e de manutenção e reforma da casa; para os proprietários de casa incluem-se os financiamentos existentes; para aqueles que alugam inclui-se o valor do aluguel. Portanto, questões relacionadas ao valor pago para esses serviços foram incluídos no questionário, bem como a percepção dos agricultores quanto à satisfação do preço cobrado e a sobreposição de necessidades básicas de consumo.

Quanto aos bens materiais que a família possui, utilizou-se inicialmente o Critério de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (CCEB- ABEP), em que se considera a quantidade de televisão, rádio, banheiro, automóvel, empregada mensalista, máquina de lavar, DVD, geladeira e freezer.

Westaway (2006), em seu trabalho sobre a satisfação pessoal e o impacto do entorno na qualidade de vida em assentamentos habitacionais na África do Sul, coloca a importância de se questionar sobre a satisfação com a vida naquela comunidade e a comparação com a vida anterior à comunidade. Essa questão já participava dos questionários realizados pelo grupo de pesquisa, principalmente pela constatação de que a inserção no Programa de Reforma Agrária possibilita melhorias na qualidade de vida do agricultor e sua família (BERGAMASCO e NORDER, 2006). Além disso, essa questão se apresenta de suma importância para refletir sobre os dados obtidos, ponderando a real satisfação do sujeito com relação a sua comunidade.

A moradia é um elemento diretamente vinculado à qualidade de vida, nessa perspectiva, diversas questões estão próximas e relacionadas com indicadores subjetivos de qualidade de vida como: aspectos do ambiente, do entorno, satisfação quanto ao domicílio, facilidades existentes no bairro, na vida no município e das condições materiais pessoais (JANNUZZI, 2009, p. 112).

A inadequação fundiária aparece como um elemento que compõe o indicador da Seade, computando os domicílios urbanos cujos moradores declaram não ter a propriedade do terreno e sim apenas da construção. Assim, foi colocada a questão sobre a relação jurídica de

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posse da terra, servindo também para apresentar um mosaico das condições existentes no Assentamento e no bairro rural e a relação com a segurança de posse da terra e da casa.

A segurança de posse e presença de despejo forçado é considerada como um dos seis elementos do Indicador de Direito à Moradia, esta é inserida no questionário como uma Variável Macro, onde questões relacionadas a ameaças de despejo ou sentimento de ameaça são referenciadas, além da própria segurança de permanência no local, da família e das próximas gerações. Acredita-se que esse elemento traz uma questão sensível observada em campo para os Assentamentos Rurais, precisando ser discutida em um momento em que as famílias estão substituindo a mão de obra principal, do pai para o filho, e o Programa de Reforma Agrária não é pensado como uma política geracional26. Nos bairros rurais, já se sabia a partir das entrevistas com os técnicos que se encontraria um mosaico de condições de posse, sendo necessária a discussão sobre a segurança de permanência no local.

Outro elemento importante está na questão do direito à moradia priorizar grupos vulneráveis, sendo: mulheres, crianças, minorias raciais e étnicas, e outros grupos marginalizados como os sem-teto; portanto, esta questão foi inserida também como uma Variável Macro.

Questões demográficas foram inseridas para se ter conhecimento sobre a população pesquisada, além de questões sobre trabalho dos membros da família e atividades agrícolas. Outras questões se fazem presente ainda para identificar o trajeto de vida dos entrevistados, bem como relações de parentesco com outras famílias dentro do mesmo assentamento ou região, no caso dos bairros rurais.

A Adequação Cultural não possui questões suficientes para captar a essência crítica na análise da moradia, pois o caráter dessa diretriz é completamente subjetivo, porém, como o objetivo geral da pesquisa recai sobre o significado da moradia rural para esses agricultores familiares, acreditava-se que a pesquisa de campo, através da observação, forneceria dados suficientes para trabalhar possíveis questões a serem inseridas na conformação desse Indicador.

38 Questionário para o Bairro Rural

A aplicação do questionário nos bairros rurais se deu após a avaliação dessa atividade no assentamento, pois observou-se, a partir do Projeto de Pesquisa “Segurança Alimentar no campo”, que uma reflexão sobre o próprio questionário após a sua aplicação em uma dada realidade oferece ricas contribuições para o mesmo (naquele caso o questionário foi aplicado primeiramente em Assentamentos Rurais do estado de São Paulo e reestruturado para ser aplicado em Comunidades Quilombolas), fazendo parte de seu processo de construção dentro da própria pesquisa. Esta reflexão foi feita principalmente durante a tabulação dos dados dos questionários, com as apreensões oriundas das observações e entrevistas realizadas no assentamento e com entrevistas e visitas realizadas nos bairros rurais com os técnicos da Prefeitura.

As questões referentes à “Demografia e Trabalho Familiar” foram modificadas, adaptadas a esta realidade em que se importava saber a trajetória dessas famílias na própria região. Além disso, houve a preocupação em se adicionar questões para obtenção de outras informações sobre a casa e o seu entorno.

No questionário aplicado no assentamento, havia somente uma questão referenciada aos aspectos culturais da casa. No questionário aplicado nos bairros rurais foi possível adicionar mais questões referentes a essa diretriz da ONU, elaboradas com base nas reflexões trazidas das entrevistas e observações realizadas no Assentamento Conquista, como se propunha inicialmente.

Essas questões também foram colocadas frente à presença marcante de casas cedidas ou alugadas, identificadas nas visitas com os técnicos e no pré-teste do questionário, são casas em que não foram os próprios entrevistados quem as construíram. Portanto, se questiona sobre como se dá a real satisfação do mesmo com esta casa. Qual a relação com o seu próprio modo de morar.

Na elaboração inicial do questionário sobre direito à moradia, para as condições materiais, utilizou-se o CCEB-ABEP. Esse dado se mostrou insuficiente para alcançar maiores detalhes sobre os bens materiais existentes na família.

As questões referentes ao processo de construção da casa foram detalhas, pois ao perguntar para os assentados sobre o término da construção da casa muitos relataram que ainda não haviam terminado, em um período de aproximadamente 10 anos de construção, mas já moravam nela há muito tempo. Além disso, alguns entrevistados relataram que moraram durante os primeiros anos de construção da casa em um ou dois cômodos apenas. Assim, foi

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necessário um detalhamento do ano em que entraram na casa e se chegaram a morar em apenas uma parte desta, com um ou poucos cômodos por um período, até terminar o restante. Essas questões servem para compreender como se deu o processo de construção da casa por essas famílias, alcançar as particularidades desta.

Como há a presença de muitas casas antigas nos bairros, não era suficiente perguntar o ano de construção da mesma, assim foram adicionadas questões sobre reformas na casa e se a casa encontrava-se em estado de conservação para o entrevistado.

Ainda sobre o processo de construção da casa, durante a tabulação dos dados do Assentamento verificou-se a necessidade de identificar as pessoas envolvidas nesse processo, para caracterizar quem foram os contribuintes para a conquista da moradia, quais os arranjos realizados pelos mesmos para que isso fosse possível.

Dentro disso, também, nas entrevistas realizadas no Assentamento observou-se que a conquista da casa era possibilitada através de uma relação diferenciada com os prestadores de serviços relacionados à construção da casa. Nos laços de solidariedade, os valores cobrados pelos pedreiros, serventes, mestres de obra e carpinteiros mostraram-se abaixo dos valores de mercado, assim foi adicionada uma questão sobre o preço pago pelo serviço contratado, se esta pessoa era do próprio bairro ou bairros vizinhos e se também realizava outras atividades relacionadas à terra.

Foi solicitado também um detalhamento do tipo do tijolo/bloco e da telha presente na casa, pois foi relatada durante a aplicação dos questionários no Assentamento a diferença na qualidade, conforto e satisfação da casa em decorrência de certo tipo de material utilizado na sua construção.

Sobre o conforto, houve uma diferença notória, observada no Assentamento Conquista, das respostas dadas às questões específicas (temperatura, luminosidade, circulação de ar, etc.) e ao conforto proporcionado pela casa como um todo, portanto essa questão também foi acrescentada.

As questões referentes à segurança de posse, uma das diretrizes da ONU para que seja alcançado o direito a uma moradia adequada, se mostravam prescindíveis para o caso dos assentamentos rurais, pois os assentados não possuem a posse da terra e sim a concessão de seu uso. No caso dos bairros rurais, refletiu-se sobre a sua imprescindibilidade para àquelas famílias proprietárias da terra, porém, durante o pré-teste já foi possível observar que havia uma insegurança de posse no bairro, até mesmo para os proprietários, devido a questões

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ambientais e localização das casas, com isso todas as questões sobre segurança de posse foram mantidas.

Por fim, o questionário termina com as questões relacionadas à satisfação do entrevistado com relação à vida na propriedade e o interesse de permanência na mesma, no bairro e no meio rural, bem como sobre as condições de vida dessa família e a sua melhoria. Jannuzzzi (2009) se refere à intenção de permanência ou de mudança do sujeito de sua comunidade como balizador da satisfação quanto à qualidade de vida oferecida e possibilitada na comunidade e no entorno. Além do aspecto da segurança de posse, esta questão foi inserida na pesquisa para refletir sobre a condição local oferecida ao agricultor e sua família. Essa questão não estava inserida no questionário do Assentamento e algumas famílias citaram a intenção de se mudar.

Essas questões se mostraram de suma importância para possibilitar uma reflexão sobre a real satisfação dessas famílias em permanecer no local, se o bairro estava proporcionando a qualidade de vida desejada ou se o meio urbano se apresentava como mais atraente para solucionar os problemas enfrentados pelas mesmas.

As questões relacionadas à melhoria de vida possibilitaram ponderar as respostas referentes à satisfação com a casa, com os serviços públicos, com o todo questionado, ou se estas foram apresentadas em comparação com uma situação anterior de maior necessidade, como foi observado no Assentamento Conquista.

Para complementar esses dados, no caso dos bairros rurais as famílias entrevistadas possivelmente seriam oriundas da própria região, permitindo questionar sobre uma melhoria de vida em comparação a sua infância, referenciando a um passado do entrevistado. Assim, foi colocada uma questão sobre a melhoria de vida em comparação com seus 12 anos, considerando que com essa idade a pessoa consegue ter uma lembrança clara de sua vida e ainda vive com os pais.

Além dessas mudanças identificadas, outras adaptações foram feitas como realocações de questões e modificações de linguagens, termos, palavras, para se adequar a esta nova realidade estudada.

Ressalta-se que o Indicador proposto a partir deste questionário avalia a conquista do direito à moradia no tempo presente dessas famílias, porém muitas questões relacionadas ao passado foram acrescentadas com o intuito de fornecer informações sobre como se deu o processo de conquista dessa moradia. Essas questões foram utilizadas para detalhar a realidade e forneceu subsídios para as entrevistas realizadas com algumas famílias do bairro.

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