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Elegendo em duas frentes e avançando como liderança

“EM TORNO DA ORIENTAÇÃO POLÍTICA DE ROCHA PIRES”

2.1 Elegendo em duas frentes e avançando como liderança

A longa carreira política, as orientações, quase sempre decisivas, para escolha dos nomes que estiveram à frente da prefeitura local, o parentesco com os antigos chefes políticos, a sua posição privilegiada como latifundiário e pecuarista ligado a esse universo rural que caracterizou o raio de atuação e abrangência dos coronéis na região nordeste foram as bases que sustentaram a sua inserção no mundo da política. Quando jovem, certamente presenciou as intermináveis contendas entre os dois chefes. Pode apreender, filtrar e reelaborar as práticas

74 TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. São Paulo/Salvador: Editora da Unesp /EDUFBA,

2001.p. 397.

75 SILVA, Paulo Santos. Âncoras de Tradição: Luta Política, Intelectuais e Construção do Discurso Histórico

na Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000. SAMPAIO, Consuelo. Poder e Representação. O Legislativo da Bahia Na Segunda Republica, 1930-1937. Salvador: Assembléia Legislativa da Bahia, 1992.

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políticas. Trazia, ainda, as marcas da experiência dos três anos que ficou à frente da Intendência municipal.

Seu momento áureo data dos anos 1930, mais precisamente quando a eleição para deputado estadual materializou e projetou a sua imagem como liderança dentro da cidade de Jacobina. Foi desse lugar que assumiu durante boa parte do século XX que o deputado orientou a vida política do município. As relações de amizade, anteriormente mencionadas, também ofereceram bases de sustentação para consolidar o seu nome como líder de reconhecido prestígio. O proprietário do único jornal que circulou entre os anos 30 e 40, teve um papel importante nessa empreitada. Na edição de 17 de março de 1935, a foto em destaque do deputado Chico Rocha evidenciava suas boas relações com o proprietário do jornal. Nomeado de chefe “bem intencionado e operoso”, que conduzia os destinos políticos do município, o deputado encontrou no impresso local um forte aliado para construir e, ao mesmo tempo, consolidar a sua trajetória política. Eram ranços da sociedade patriarcal que tinha na pessoa de Chico Rocha uma referência de proteção necessária para garantir, sem sobressaltos, a sobrevivência do periódico. Mas essa era uma pista de mão dupla que oferecia acolhimento ao tempo em que formava as suas redes na cidade. O jornal, nesse caso, era um lugar privilegiado.76

A construção da sua imagem política entre os anos 30 e 40 passou, frequentemente, pelas notícias vinculadas pelo jornal O Lidador. Nesse caso, “povo jacobinense, ―amante da liberdade e do progresso, marchava para um futuro brilhante sob a condução política de Francisco Rocha Pires”. Chefe, condutor, articulador, figura respeitada, homem com inserção na política estadual e defensor dos interesses da cidade foram alguns dos inúmeros adjetivos que consagraram a liderança do deputado no universo local.77

Além de projetar e destacar a sua imagem, envolta em qualidades características de um líder, era também do impresso que emergiam os pedidos de socorro ao deputado, única pessoa capaz de resolver as questões mais urgentes. A política funcionava como instância para resolução dos problemas que afligiam a sociedade local. Prova disso se confirma nos chamados recorrentes na imprensa local para resolver os “barulhos” do Itapicuru.78 Naquele

mesmo ano que assumia o posto de deputado a cidade de Jacobina experimentava mudanças tanto na sua organização social, como na sua parte física. As alterações de todas as ordens e

76 O Lidador nº 79 de 17 de março de 1935. (Em Jacobina, há ordem, respeito e trabalho). p. 1. 77 Idem. p.1.

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em várias direções se aproximavam em um ponto: visavam inaugurar e consolidar o tão sonhado progresso.

A cidade de Jacobina dos anos 30 contava com o abastecimento de luz elétrica fornecida pela Companhia de Força e Luz, pertencente ao coronel Galdino e inaugurada em 1935.79 Um ano antes, o Hospital Antônio Teixeira Sobrinho já funcionava atendendo às

demandas na área de saúde. O estabelecimento, que era fruto de uma doação do rico senhor de mesmo nome, certamente ofereceu visibilidade aos seus membros. E, entre homens, como Ernestino Alves Pires e Galdino Cézar de Moraes, políticos àquela altura consagrados, constava na lista o nome de Francisco Rocha Pires o que nos permite pensar sobre o seu raio de atuação e importância a julgar pelos critérios de “seleção” que escolhiam os senhores mais abastados e de prestígio político para integrar o Conselho Diretor do Hospital. O posto representava simbólica e materialmente uma janela com visibilidade e referência social. O hospital oferecia à comunidade local um trabalho essencial na área de saúde e era estrategicamente interessante do ponto de vista político, uma vez que criava mecanismos de dependência entre as forças políticas locais e a população que, frequentemente, recorria aos serviços prestados. Este é apenas um dos muitos lugares ocupados pelo personagem que se consolidou como liderança.80

Um ano depois, o cinema oferecia à população uma alternativa de lazer e divertimento. A iniciativa da família Costa foi saudada com grande satisfação pelo jornal O Lidador que enxergava na sala de projeção um sinônimo do desenvolvimento da cidade. Ainda compõem este quadro as bandas de jazz e as novas formas de viver a experiência urbana com a chegada da luz. Outra grande novidade da época ficou por conta da chegada do rádio com uma programação que incluía algumas estações responsáveis por sintonizar uma parte da população local com o universo imaginário e tão criativo que este eletrodoméstico criou durante anos em vários segmentos sociais. O jornal fazia questão de destacar os aparelhos dos leitores e associava a mídia como sintoma do progresso.81

79 O Lidador, nº 3 de 7 de setembro de 1935. (Cia. Força e Luz de Jacobina). p. 1.

80 A referida lista foi registrada pelo Tabelião de notas Davino Teixeira no Livro de Tabelionato. Figuram como

nomes do 1º Conselho Diretor do Hospital de Caridade os senhores: Ernestino Alves Pires, Galdino Cézar de Moraes, Manoel Teixeira Valois Coutinho, Reynaldo Jacobina Vieira, Francisco Rocha Pires, Antonio Valois Coutinho, Arsênio Cezar de Moraes, José Rocha Pires, José Dias Pires, entre outros. Citado por JESUS, Zeneide Rios de. Op. cit, p.15.

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Nos mesmos anos 30 e 40 do século passado, como um contraponto aos avanços e progressos, destacamos a ausência de estradas de rodagens. O deslocamento era realizado, prioritariamente, via estrada de ferro, um serviço oferecido pela Leste Brasileiro através do ramal Bonfim-França. As deficiências no oferecimento dos serviços foram alvo de críticas recorrentes que exigiam melhores condições no transporte. O jornal, por sua vez, defendia a construção de uma cidade progressista, higienizada e sintonizada com o processo de mudança que vencesse os hábitos e aspectos de uma cidade com marcas do mundo rural tão evidentes. Por outro lado, a seca de 1932 promoveu a vinda de muitos forasteiros, em sua grande maioria lavradores, para cavar o ouro permitindo que o jornal avançasse, não sem recuos, nesse projeto de “modernizar” a cidade. Foi nesta cidade fissurada por contradições que Francisco Rocha Pires consolidou a sua liderança.82

Mas voltemos ao documento escrito de próprio punho no final da década de 40. O papel amarelado e delicado da carta, exigindo cuidado de quem o manuseia, denuncia as marcas de tempo impressas, de diferentes formas, nos documentos escritos. O destinatário, ou melhor, os destinatários muito respeitosamente chamados de “Meus caros Amigos” tiveram, através da correspondência, a oportunidade de conhecer alguns capítulos da história pessoal e política do ilustre remetente, recentemente eleito pela segunda vez para o cargo de deputado estadual. Intuímos que já o conheciam de longa data. Afinal, nos anos 20 daquele mesmo século, havia ocupado o posto de Intendente durante três anos, sendo nomeado para assumir a prefeitura em 1924. Era também uma figura já conhecida nas rodas da política da Bahia e, muito certamente, participou do pioneiro congresso de Intendentes Municipais no ano de 1921. Essa foi uma das ações do recém-eleito governador, J.J Seabra para reverter a crise instalada mesmo antes da sua vitória.83

A carta possui oito páginas escritas à mão e em papel timbrado que revela a sua outra atividade: pecuarista. As fazendas de sua propriedade eram três: Água Branca, Jacumuá e Indiana. A carreira política certamente não impedia o desenvolvimento de tarefas outras, a julgar pela continuidade comprovada ao longo dos anos e que hoje ocupa os afazeres o seu único filho, Francisco Rocha Pires Filho. O autor da carta não ostentava o título de Doutor e vinha de uma geração de políticos forjados no campo da experiência e do pragmatismo para resolver as questões de tantas ordens que se movimentam no interior de uma sociedade.

82 O Lidador Nº 29 de 23 de março de 1934 (Vêm cavar ouro) p.1. 83 SARMENTO, Silvia Noronha. Op. cit, p. 120.

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Cursou apenas o antigo primário na cidade natal e aprendeu com a vasta parentela os manejos na arte que, anos mais tarde, teria nos cursos de bacharelado em Direito e Medicina o passaporte para carreiras políticas em todas as esferas de poder. Pecuarista, criador de gado de raça, premiado em exposições fora do Estado, dono de fazendas e administrador direto de funções vinculadas a esse universo rural. Estes são alguns perfis que podem ser construídos de forma entrelaçada para pensar sobre as suas diferentes trajetórias.

O teor da carta revela, ainda, outra paixão: Jacobina. É muito comum, como já mencionamos, escutar as histórias de moradores mais antigos confirmando que ele nunca se casou porque a sua relação com a cidade era de amor incondicional, não permitindo divisões que minassem as infinitas horas de entrega e cuidado. Seu único filho, conhecido pela sociedade local como Chiquinho, em conversa, me revelou que o pai quando perguntado se gostava mais dele ou de Jacobina, pediu desculpas e respondeu que seu amor pela cidade estava acima de tudo. Na verdade, as explicações querem mesmo justificar uma decisão bem pouco comum para época em que viveu. Primeiro, porque o casamento era instituição consagrada desde os tempos imperiais e, mesmo com o advento da República que estabeleceu a união civil, independentemente do ato religioso, como a única a ter validade jurídica, continuava sendo um caminho “natural” casar-se e formar uma família.84

A correspondência deixa antever um desejo. Conduzir a cidade em direção ao progresso parece ser o maior sonho de qualquer político em qualquer tempo. Associado ao campo das artes e atividades econômicas diversificadas, implantar as indústrias, responsáveis desde o século XX, no Brasil, por profundas transformações nas estruturas socioeconômicas, significava trilhar um caminho bendito e certeiro, rumo a uma espécie de futuro guardião, reservando o melhor para Jacobina. Sem perder de vista a realidade, e com os pés enfincados no presente, o desejo da chegada do progresso também aparece associado ao comércio, à lavoura e pecuária, que eram as atividades econômicas predominantes na Jacobina daquele final dos anos 40. Interessava, ainda, promover formas de subsídios para a vida de labuta e sofrimento do homem sertanejo com suas experiências marcadas pela seca, pela a fome e pela falta de trabalho. As aspirações projetavam na cidade benfeitorias e melhoramentos na qualidade de vida dos seus habitantes que apenas seu filho mais “devotado”, disposto a abrir mão de projetos pessoais como o casamento, poderia fazer.

84 BERQUÓ, Elza. Evolução Demográfica. In: SACHS Inacy; WILHEIM, Jorge; PINHEIRO, Paulo. (Orgs.)

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As aspirações e os seus projetos de mudança esbarravam, com certa frequência, em alguns entraves. O Nordeste passa a ser visto “como um problema brasileiro” depois da seca de 1870, obrigando a coroa a vender parte das jóias para custear as obras e “financiar” projetos para recuperar a região.85 Os longos períodos da estiagem e a vida dos homens do

sertão, registrados e divulgados para o Brasil através da literatura, da imprensa e da música, mostram o semiárido como um lugar que, devido a condições naturais, relega à maior parte de seus habitantes à miséria. Sertão e sofrimento entrelaçam e sustentam uma combinação que se “cristalizou” nos discursos sobre o interior da região Nordeste. Os diagnósticos governamentais presentes na mídia apresentam o semiárido como região-problema do país com a maior parte da população abaixo da linha de pobreza. Há em curso uma discussão de caráter historiográfico que defende a seca para além das questões climáticas e geográficas. Esse debate insiste em identificar a seca como um problema político nas suas mais variadas nuances, mas, principalmente, em uma relação direta com uma falta de investimento e aproveitamento de algumas potencialidades dessas regiões.86

Veículos de comunicação assumem um importante papel na divulgação de informações impregnadas de caráter político-ideológico, com a incontestável possibilidade de construir imagens e discursos sobre determinados acontecimentos. Em seu estudo, Durval Muniz de Albuquerque comprova tal afirmativa ao identificar, por exemplo, como o Jornal A

Folha de São Paulo, construiu, em um dado momento da história, a imagem da região

Nordeste como um lugar atrasado, seco, miserável e mestiço em oposição ao Sul do país, industrializado, modernizado e branco.87

85 BUARQUE, Cristovam. Nordeste: quinhentos anos de descobertas. In: SACHS Inacy; WILHEIM, Jorge;

PINHEIRO, Paulo. (Orgs.) Brasil: um século de transformações. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 372.

86 Existem inúmeras obras de arte que tratam das secas no nordeste citarei, aqui, apenas algumas: Na música o

maior expoente foi o sanfoneiro Luiz Gonzaga através de sucessos que vinculam os processos migratórios aos períodos de longa estiagem como Triste Partida e Asa Branca. Na literatura, nomes como o da romancista Rachel Queiroz que escreveu O Quinze, recriando as condições dos retirantes, suas necessidades e sentidos reivindicatórios. Na Bahia, Jorge Amado escreveu, entre outros, Tereza Batista Cansada de Guerra e Seara

Vermelha publicados no ano de 1986 e que também abordam a temática da seca. Graciliano Ramos com seu

livro Vidas Secas escrito entre os anos de 1937 e 38 conta a história de uma família de retirantes; Luís da Câmara Cascudo, que escreveu Viajando o Sertão em 1934, reconstrói alguns cenários áridos e pouco férteis; Euclides da Cunha, autor de Os Sertões publicado em 1902, falava de uma gente pobre, sofredora e bastante diferente do povo que habitava o litoral do país. Na iconografia, Cândido Portinari, com o quadro Família de Retirante de 1944, pensa a seca imageticamente com figuras humanas assustadas, magras e abatidas reforçando esta condição como sendo dolorosa e próxima da morte. As obras aqui destacadas são apenas algumas entre outras tantas que contemplam, através de diferentes ângulos, a seca e os seus mais variados desdobramentos.

87 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Geografia em Ruínas. In: A Invenção do Nordeste e outras Artes.

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Inaugurar uma nova dinâmica que absorvesse a mão de obra de homens e mulheres desgastados pela lida e castigados pelo sol, pelas estiagens e por todas as “durezas” que enfrentavam no labor diário significava, para o remetente da carta, a chegada do progresso. E o colocava, enquanto político, numa condição privilegiada. Esse seria um primeiro passo para um projeto mais ambicioso, revelado, apenas, ao final do texto. E, mais do que um projeto, era uma luta empenhada na construção de uma “civilização nova, fraterna e mais humana”. Essa nova organização seria implantada na cidade “afeita pelo seu gênio político as transformações pacíficas”, indicando, sem surpresas, que não seria nada muito brusco, com impactos sobre a ordem já estabelecida, mas que seguisse seu curso tendo como articulador e feitor deste quase “paraíso terrestre”, o devotado filho eleito pelo povo.

Era exatamente assim, como filho devotado, que o Francisco Rocha Pires se projetava na cena pública. Ofertava à cidade sua abdicação, seu empenho e seu prestígio nas frentes de atuação que escolhera atuar. No palco da política local e estadual organizava ações e construía campos de inserção. Era desse lugar que falava aos destinatários da carta. O documento é ponto de partida para pensar sobre a formação e os itinerários de Chico Rocha. Permite traçar um panorama de tempos diversos, pois identificamos referências ao passado e presente com projeções sobre o que seria o futuro da cidade.

A sua trajetória política nos informa sobre as muitas vitórias no longo meio século de vida pública. No entanto, o documento dirigido aos amigos, recorta a dor ao tratar dos “meus sofrimentos”. Em meio aos agradecimentos, que sugerem ter acontecido uma grande festa no clube recreativo 2 de Janeiro, o deputado apresenta mais um desabafo, desfiando um rosário de decepções e dores presentes na avaliação que faz dos 15 anos de vida pública. Opta por não citar nominalmente os adversários, mas empresta em tom sarcástico adjetivos para classificá-los de “pretenciosos, falidos politicamente”. Talvez dirigisse a sua indignação aos Valois, na pessoa de Edvaldo, aquele que se tornaria nos anos 50 seu principal desafeto na Assembleia Legislativa. Cita, ainda, o amigo Custódio Sento Sé “joia primorosa das margens do São Francisco”, um advogado que travou lutas na cidade de Sento Sé com o coronel Tonhá Sento Sé.88 E festeja, com palavras de agradecimento e gratidão, a sua presença na festa.

Manter uma amizade com alguém que morava distante de Jacobina sugere, à primeira vista,

88 Disponível em: http://sentosenoticia.blogspot.com/2011/07/sento-secompleta-179-anos-de.html. Acesso: 03 de

Ago. 2011, às 22h04m. O cordel, contando a história do município, inclui episódios sobre o domínio do referido coronel.

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que a teia de relações, alianças e aproximações ia muito além dos limites territoriais do município.

Quando escreveu a carta, Chico Rocha já pertencia a União Democrática Nacional, partido fundado no contexto de redemocratização do país e feroz combatente da figura do ex- presidente Getúlio Vargas. Na Bahia, a agremiação reuniu os juracisistas e os autonomistas.89

Por reunir forças dissidentes precisou, como relembra Cid Teixeira, encontrar um terreno neutro “no sentido físico da palavra” que sediasse as primeiras reuniões. A filiação orientou os ataques e a avaliação do governo Vargas lhe parecia uma tentativa de “eternisar no poder” e teria, segundo o remetente, implantado o fascismo. No entanto, ao relembrar o ano de 1930, marco da chegada ao Palácio do Catete, definiu o evento como revolução de fato, denunciando, talvez, a sua relação de proximidade com Juracy Magalhães que se consolidou durante a interventoria e governo deste. Uma postura um tanto contraditória, mas sincronizada com os arranjos políticos que mudaram, com frequência, no Brasil pós-1930.90

Vários momentos da história política do Brasil são recortados, avaliados e alinhavados nas páginas da carta, sugerindo que o seu autor estava atento ao desenrolar dos fatos nas outras esferas de poder, mas sem perder de vista o seu horizonte mais próximo, estabelecendo relações possíveis entre o contexto nacional e mundial com o lugar de onde falava. Parecia bem recente, na narrativa do nosso interlocutor, a Carta Constituinte de 1934, como referencial para o afastamento do “regime de atas falsas e desrespeito a opinião popular”: Apagar os ranços de um tempo em que a política era feita exatamente assim interessava àquele “fervoroso” defensor da “democracia”. Para falar desse momento político que o Brasil experimentava, depois de sair dos quase 10 anos de ditadura varguista, a escolha da constituição sugere que os ventos da mudança, nas esferas decisórias de poder, forneciam inspiração e favoreciam o clima de redemocratização pós-46.

No entanto, a Constituição de 1934 na Bahia refletiu mais ausências e permanências do que avanços e rupturas com um passado político insistente em reafirmar sua força, seu lugar. Não foi o documento, por exemplo, que orientou e direcionou, através dos seus artigos normativos, a eleição para governador. Com uma bancada majoritária, o então interventor Juracy Magalhães foi eleito pela via indireta resultado do primeiro ato do Poder Legislativo composto por homens que o cercaram e demonstraram solidariedade no momento em que as

89 TAVARES, Luís Henrique Dias Op. cit, p. 438. 90 TEIXEIRA, Cid Op. cit, p. 57.

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forças políticas da “velha Bahia” se mostravam indiferentes ao forasteiro, como viria a ser conhecido o homem para quem “os políticos do interior seriam peças fundamentais no