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O governo de Fernando Daltro: “a concretização do almejado sonho de servir, como todo empenho, à querida terra Jacobinense”

JACOBINA É NOTÍCIA: “MUDANÇAS” NOS VENTOS DA POLÍTICA LOCAL

4.2 O governo de Fernando Daltro: “a concretização do almejado sonho de servir, como todo empenho, à querida terra Jacobinense”

Ainda no pronunciamento, dirigido à população de Jacobina alguns meses antes de assumir a cadeira do Poder Executivo, Fernando Daltro sabia que não poderia “realizar milagres nos dois anos de governo”.269 O tempo era curto e as demandas e expectativas

ultrapassavam a boa vontade e empenho de qualquer dirigente. Os limites também eram reais. A cidade contava com uma produção de base agrícola. Os produtos eram comercializados na feira e faziam parte de uma dieta alimentar que não se diferenciava muito daquela encontrada em grande parte do interior do Estado. Feijão, milho, farinha, carne seca, derivados do leite entre outros, estavam na lista da produção mapeada pelo censo agropecuário de 1970. Havia o comércio de mercadorias, abastecido pelo mercado externo, com os produtos industrializados restritos aos grupos com poder aquisitivo mais alto. Jacobina era uma cidade de médio porte, mas eminentemente rural se considerarmos que quase 80% da população vivia nos povoados e distritos espalhados no entorno da sede.270

Essa realidade não ofuscou o brilho dos festejos de posse que incluíram uma missa de ação de graças na secular Igreja da Matriz e um “churrasco oferecido pelos fazendeiros da cidade ao povo”. Fernando Daltro foi empossado prefeito pela Câmara Municipal de Jacobina e tinha, na casa do Poder Legislativo, alguns importantes aliados políticos. Ubaldino Mesquita Passos, presidente da Câmara, representava esse apoio. Adversário histórico de Chico Rocha, Dú Mesquita, como era conhecido na cidade, liderou os trabalhos na casa do poder Legislativo de forma a beneficiar a administração do novo prefeito. Lourival Martins de

269 Pronunciamento do Prefeito eleito em 1970. Já citado.

270 Os Censos, Comercial, de Serviços, Agropecuário e Demográfico, apresentam esses dados diluídos ao longo

de toda a análise das informações colhidas pelos recenseadores. O primeiro, o Censo Comercial, faz parte da Série Regional Volume VI – Tombo XIII. O Censo de Serviços localiza-se na Série Regional - Volume VII com o mesmo número de tombamento. Aquele que trata das questões ligadas ao universo Agropecuário do Estado da Bahia está no Volume III tombado como os outros dois. O Censo Demográfico pode ser encontrado no Volume I. Essa documentação encontra-se totalmente disponível no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

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Souza e Gustavo Souza, vereadores eleitos que assumiram, respectivamente, as funções legislativas de 1º e 2º secretário, também foram seus homens de confiança.271

O primeiro construiu uma duradoura relação de amizade com os Daltro. Foi o braço direito do irmão de Fernando, Carlos Daltro quando este assumiu a prefeitura de Jacobina nos anos 80 do século passado. Gustavo Souza, o mesmo que se envolveu no processo administrativo e criminal contra Humberto Soares e Silva, pertencia ao grupo de Chico Rocha, mas em função do processo na justiça e dos desdobramentos que ele terminou inaugurando se afastou do deputado. Também com poucas opções à época, migrou para Arena-2 e se elegeu vereador nas eleições de 1970.

A transmissão do cargo de prefeito também incluía, naquela época, a transferência do posto de diretor do Tiro de Guerra 127. Responsável pelo órgão que materializava as forças militares na cidade, o TG alistava os jovens no serviço militar obrigatório. Simbolicamente, o novo prefeito representava os interesses do governo que geria o país. Também era o responsável por vigiar e apurar quaisquer irregularidades que, por ventura, viessem a surgir. Por certo, não era por um mero acaso ou protocolo que o prefeito municipal assumia, concomitantemente, o cargo de diretor de um órgão do Exército brasileiro. As forças militares presidiam o país e gerenciavam a vida política, social e econômica com forte atuação na formação destes militares na Escola Superior de Guerra - ESG. Oriundos destas fileiras reproduziram, na prática, as orientações de uma estrutura altamente hierarquizada. Para o governo militar talvez fosse essa a referência mais importante.

Com o título da nota Exclusividade, o Diário de Notícias, jornal da capital, trazia um dado no mínimo curioso sobre os cenários dos festejos de posse do novo prefeito. Curioso e um tanto extravagante. A nota oferecia uma informação que vinha de longe, do Rio de Janeiro e fazia referência a Guilherme Guimarães, um figurinista que estaria “aprontando o vestido, com exclusividade, que Edna Daltro vestirá na posse de Fernando”. Usar um vestido desenhado, com exclusividade, por um estilista era um luxo restrito para pouquíssimas mulheres, mas não para Edna, a primeira dama do município. Reconhecida pela sua elegância e seus trajes finos, a escolha de um traje único revela a importância do evento para essa personagem.272

271 Jornal da Bahia, sem data. (Dia da Posse). Sem identificação da página. 272 Diário de Notícias, sem data. (Com Exclusividade). Sem identificação da página.

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A fotografia publicada na coluna Jacobina em Notícias capturou alguns dos principais personagens da festa oferecida pelo Leader Esporte Clube ao prefeito recém-eleito. Boa parte da elite local circulou nos salões do clube naquela noite de sábado. Mas a festa não ficou restrita a este segmento. Marcou presença, com destaque na foto, o Cônsul argentino Carlos Martinez Frers e alguns jornalistas da capital que certamente compareceram ao evento por convite de Edna Daltro. Chama atenção o fato de um representante do consulado, figura de destaque nas carreiras diplomáticas do Estado, estar presente em um evento festivo em uma cidade do interior da Bahia. Não sabemos dos motivos que levaram Carlos Martinez à festa, pois a nota do jornal apenas registra a sua presença sem oferecer maiores detalhes. Mas desconfiamos que ele deveria manter algum tipo de relação com os Daltro.

O vasto programa de solenidade que cobriu a posse de Fernando Daltro também destacou em nota os nomes que compuseram a equipe de trabalho, os cargos de confiança nomeados pelo prefeito. Notamos que a lista era formada por amigos e até pelo próprio irmão. Esquemas de amizade e do que hoje é identificado como nepotismo foram recursos utilizados pelo gestor municipal para montar o grupo responsável pelas áreas de saúde, educação e assistência social. Carlos Daltro, Manoel Ignácio, Edmundo Isidoro dos Santos, Humberto Brito, entre outros, escolhidos para integrar o seleto grupo de trabalho, ocuparam postos importantes na esfera do poder municipal. Todos esses sujeitos também transitavam no grupo da elite econômica, social e intelectual se considerarmos, por exemplo, as suas profissões que dividiam-se entre médicos, professoras com formação na Escola Normal Superior, entre outras. A busca de pessoas nesse grupo corrobora para uma constatação que salta aos olhos e elimina qualquer dúvida: Fernando Daltro era parte integrante desta elite. E, sendo assim, nada mais natural e coerente que buscasse no seu grupo apoio na montagem do seu governo.

Durante o seu discurso de posse, quando perguntado sobre a equipe de trabalho, Fernando Daltro declarou que “a política que defende não se baseia em autoridades, nem no critério exclusivamente partidário no preenchimento de cargos, mas numa administração honesta e eficiente que se volte para o povo”. Sua argumentação nos parece frágil. Sobretudo quando examinada à luz das relações de amizade e parentesco reveladas na escolha dos nomes. Os critérios de “honradez, eficiência e trabalho” destacados pelo gestor durante o discurso de posse omitem outros. Decisivos foram aqueles que se orientaram por proximidade, amizade e lealdade.273

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É sem nenhuma surpresa que verificamos essa realidade. Afinal, são esquemas que ainda prevalecem e encontram brechas na lei para se impor. No entanto, a constatação fragiliza, em muito, a bandeira da mudança levantada durante a campanha eleitoral de 1970. Fernando Daltro, na condição de prefeito, reproduzia fielmente os traçados do grupo que tanto combatia. E não poderia ser diferente. Sua herança política e a forma de operacionalizar, na prática, o plano de governo incluía ações como esta. Não fugiu à regra, nem foi uma exceção. Esse sentido de mudança era restrito e atendia, principalmente, interesses de ordem pessoal.

A promessa, empenhada no calor da vitória, de que seria um homem “sempre pronto a ouvir a todos com maior respeito e consideração”, incluindo “correligionários e adversários” foi rapidamente esquecida. O documento encaminhado ao Promotor de Justiça, Wellington José Campos Pontes, com recebimento datado de 5 de julho de 1971 comprova o descumprimento do acordo. Bem verdade que as razões para o pedido ancoravam-se em denúncias gravíssimas. Mas não podemos perder de vista que o alvo era José Prado Alves, homem de confiança de Chico Rocha que venceu as eleições municipais de 1966 derrotando o autor do documento encaminhado para o Ministério Público. Provar, legalmente, a existência de ações ilícitas e corruptas na gestão do ex-prefeito significava dizer o quanto havia dessas práticas no grupo capitaneado por Chico Rocha. Sim, essa constatação respingaria na imagem do deputado. E, talvez, fosse justamente esse o maior impulso para abertura do inquérito policial.274

Uma das primeiras medidas, de caráter interno, tomadas pelo prefeito municipal foi a de “nomear uma comissão, integrada por funcionários da Secretaria da Fazenda do Estado”. O objetivo era realizar um levantamento completo da “situação em que se encontrava a Municipalidade Jacobinense àquela época”. O resultado de dias de trabalho e investigação apontava “uma série de fatos que comprometem a anterior administração”. O governo anterior, a que se refere o documento, correspondia ao período de 1965 a 1970. José Prado Alves, contador e ex-prefeito seria indiciado a pedido do Ministério Público em 12 de julho de 1971. A primeira ação foi o pedido de abertura de um inquérito policial tendo como prova material “o relatório apresentado pela Comissão de tomada de contas da Prefeitura”.275

274 Inquérito Policial aberto em 15 de Julho de 1971 pelo Delegado de Polícia em Exercício Luiz Maximiano dos

Santos – 2º Suplente. O indiciado era o ex-prefeito municipal, o contador, José Prado Alves. Acervo do Fórum Jorge Calmon, documento sem catalogação. Fls.3.

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Luiz Maximiano dos Santos, delegado de polícia que acompanhou as investigações, também era um dos homens de confiança do deputado Chico Rocha. Talvez esse fato explique a morosidade do inquérito. O promotor público encaminhou toda documentação no mês de julho e só depois de três meses a delegacia se pronunciou informando “o grande acúmulo de serviço, impedindo a conclusão dêstes autos em tempo previsto em lei”. A cópia do relatório, citada inúmeras vezes no desenrolar do processo, não pôde ser encontrada para leitura e análise. Isso porque o inquérito policial não seguiu adiante. O indiciado faleceu no dia 19 de abril de 1972 e tanto o promotor como o juiz foram favoráveis pelo “arquivamento do presente feito”. Não sabemos exatamente qual o conteúdo do relatório, mas intuímos, sem grandes dificuldades, que eram denúncias sérias e comprometedoras, se considerarmos, por exemplo, que a justiça foi o palco convocado para resolver a questão.276

Apostamos em um sentimento revanchista como orientador para formação da comissão e posterior denúncia. Afinal, foi para José Prado Alves que havia perdido as eleições, quatro anos antes. Evidentemente, as argumentações que sustentaram o pedido endereçado à justiça não foram essas. Alegando que “o silêncio de nossa parte diante de tais fatos, seria uma criminosa omissão e inegavelmente, conivência manifesta com as irregularidades apontadas pela referida comissão” Fernando Daltro procurava evidenciar as falhas e a má administração do seu opositor, oferecendo visibilidade aos fatos e convocando a justiça pública a agir. Um golpe que acertaria em cheio o deputado Chico Rocha, colocando em dúvida e questionando a honradez e o caráter do grupo que ele liderava.277

Como advogado, conhecedor das leis e da tramitação de um processo na justiça, Fernando Daltro fez uma opção pelo caminho do direito. Por essa via e falando deste lugar, o bacharel acusou e também precisou se defender em alguns processos movidos por funcionários da prefeitura que alegavam, entre outras coisas, um sentimento de vingança como motivador de uma série de demissões que aconteceram naquele ano de 1971. Voltaremos a este episódio mais adiante. Por hora, o sentido de mudança que orientou a campanha política, a essa altura, nos parece bem diluído. Esses casos que correram na justiça do trabalho ajudam a relativizar os significados, na prática, da tão propagada mudança. Bem ao estilo de políticos autoritários e pouco afeitos ao diálogo, Fernando Daltro revelou uma

276 Idem. Fls. 2.

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postura no mínimo coerente, se levarmos em consideração que era fruto de um grupo restrito, elitista e conservador.

A perseguição aos adversários políticos conviveu, sem maiores tensões, com outros projetos do governo. Foram muitas as preocupações naqueles dois anos de mandato. Na agenda, algumas prioridades ganharam destaque e exigiram empenho do novo prefeito. Entre elas podemos citar a instalação da casa do estudante em Salvador, que exigiu esforços e contribuiu para reforçar a imagem de homem público esclarecido e defensor das causas educacionais, uma marca bastante positiva. No entanto, a realidade da cidade exigia esforços mais direcionados para resolver, por exemplo, os índices de analfabetismo e o pouco tempo de permanência na escola. Providenciar moradia para estudantes que se dirigiam à capital do Estado significava pensar em grupos restritos. Afinal, eram poucas as pessoas que, na época, cursavam o ensino superior. O grosso da população sequer concluía o antigo ginásio. A vida prática, acompanhada das dificuldades, tolhia, de forma cruel, qualquer tipo de ascensão que, para as camadas mais pobres, tem uma vinculação direta com o nível de escolaridade.

O prefeito também realizou algumas viagens. Uma delas, para o sul do Brasil, com o objetivo de buscar apoio e verbas necessárias para “o plano de eletrificação e a implantação do núcleo piloto do Centro Industrial”. Propostas que estavam afinadas com o projeto dos militares que previa, a todo custo, a tão sonhada modernização e industrialização do país.278 O

Movimento Brasileiro de Educação – MOBRAL, um dos pilares de sustentação do projeto educacional do governo militar, também esteve entre as preocupações do prefeito municipal e terminou por motivar uma viagem à capital do Estado que tinha como mote esta pauta na discussão.

O colunista Robério Marcelo que trabalhava no Jornal da Bahia oferecia destaque na coluna Jacobina em Notícias para várias ações do então prefeito. Através destas notas, geralmente pequenas, mas frequentes, é possível refletir sobre os seus itinerários mapeando as prioridades e também as escolhas que Fernando Daltro precisou fazer. No entanto, por serem informativas e ocuparem um espaço relativamente pequeno, a cobertura no impresso, de circulação estadual, apresenta alguns limites quanto à analise de caráter investigativo que costuma exigir dados mais completos e, exatamente por isso, menos rasos.

Na contramão, os documentos produzidos pelo Poder Executivo e Legislativo são valiosos para apreender esses pormenores. Informam sobre o cotidiano da cidade, suas

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maiores necessidades e quais foram, na prática, as ações e posturas do gestor municipal. Os ofícios, telegramas, projetos de lei, atas, editais, relatórios, entre outros, além de apresentarem essa dinâmica de forma mais ampla e pormenorizada refletem algumas imagens da administração. Trilhando o caminho da documentação identificada como oficial notamos, por exemplo, a coexistência de diferentes projetos em uma mesma cidade. As vozes na Câmara Legislativa ressoavam diferenças e similitudes. É no dia a dia dessa política gerenciada através de ações às vezes restritas, específicas e inscritas à realidade local e outras vezes mais amplas, ousadas e conectadas com a esfera de poder em seu nível federal que a produção documental tanto do Poder Executivo como do Legislativo amparou-se. A cidade, e as propostas de intervenção que previam mudanças em sua organização, é um ponto de observação privilegiado que nos informa sobre a operacionalização dos projetos políticos.

Maurília, uma das cidades invisíveis de Italo Calvino, nos conta uma história. Por lá “o viajante é convidado a visitar a cidade ao mesmo tempo em que observa os velhos cartões- postais ilustrados que mostram como esta havia sido”. Maurília, como outras tantas cidades, conviveu, não sem tensões, com o passado e o presente. Diferentes administrações, independentemente de onde se localizem, costumam apagar os vestígios do passado em nome de tudo aquilo que se anuncia novo. A força da mudança, da novidade e daquilo que é entendido como modernidade costumam assustar e inebriar os expectadores, testemunhas privilegiadas das transformações inscritas na cidade.279

Exatamente como aconteceu em Maurília. Seus signos do passado foram apagados e cederam lugar às pequenas e grandes alterações possíveis de serem identificadas graças aos registros fotográficos. No lugar de galinhas, a estação de ônibus. O coreto ocupava um lugar onde hoje existe um viaduto e as duas moças, com sombrinhas brancas que pousavam para foto, cederam espaço que agora abriga uma fábrica de explosivos. Era essa a comparação que qualquer visitante poderia fazer quando chegasse à cidade de Maurília. Um passado somente acessível através das fotos que ganhava sentido na visão possibilitada pelo presente.

Maurília, como já dissemos, era mais uma das cidades invisíveis. No entanto, a sobrevida do passado e a sua relação com presente também serve de ponto de partida para refletir sobre as propostas de alteração pelas quais a cidade de Jacobina passou. Nesse sentido, os Editais do governo municipal oferecem algumas pistas e privilegiam essa relação entre

279 CALVINO, Italo. As Cidades e a Memória. In: As Cidades Invisíveis. São Paulo: Companhia da Letras,

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uma cidade do passado e uma cidade do presente. A primeira representava o universo rural com marcas que geriam e organizavam a vida da população. O presente, aquela cidade que se pretendia construir, carregava aspirações de um lugar urbano, limpo e livre de qualquer aspecto que referenciasse esse tipo de passado. Projetos dessa natureza carregam a força das tensões e contradições. Provocam resistência. E as permanências insistem, resistem e avançam como podem.

Em 5 de fevereiro de 1971 o Edital nº 1, baseado no “Código de Postura Municipal”, proibia “o criatório de animais de qualquer espécie à sôlta no perímetro urbano da cidade, vilas e povoados”. Estabelecia que estes animais deveriam restringir-se apenas aos chamados “lugares próprios” e não deveriam, sob penalidades previstas em lei, descumprir o que ficava estabelecido. O prazo de quatro dias para regularização e cumprimento do que rezava o edital nos parece um tanto insensível por parte do poder público, considerando que a esta época Jacobina era uma cidade com marcas e costumes rurais muito fortes. Dos 40 Editais publicados no período de dois anos 17, quase metade, tratavam da criação de animais nas ruas, estabelecendo prazos para o cumprimento do que estabelecia a lei municipal. Os editais ainda cobriam, geograficamente, quase todos os distritos e vilas que pertenciam à cidade de Jacobina.280

A reedição e subsequentes publicações dos editais que tinham praticamente o mesmo conteúdo com uma pequena alteração quando referia-se, mais especificamente, a vila ou povoado oferece alguns elementos que refletem, bem de perto, a vida na cidade. Ao que parece, criar animais para abatimento e consumo, tais como galinhas, porcos, bodes e até mesmo bois era uma prática bastante consolidada entre aqueles que viviam na cidade. Esses enraizamentos, que regulavam a vida em sociedade e certamente alimentavam o pequeno comércio de carnes incluindo o consumo próprio das famílias que criavam animais e usavam as ruas e margens dos rios para pastagem foram vigorosamente combatidos, mas sem sucesso, se considerarmos a republicação dos editais que cobrem os dois anos de governo.

Expurgar das ruas os animais e a sujeira que ficava no rastro dessas criações foi uma orientação do poder público municipal. A medida deixa antever o modelo de cidade que se queria implantar: urbana, asseada e completamente livre de qualquer paisagem que lembrasse a vida no campo com seus hábitos e suas sociabilidades. Outros hábitos da população local

280 Livro nº 1 de Avisos e Editais (1967 a 1973). Arquivo Público Municipal da Cidade de Jacobina. Edital nº 1