• Nenhum resultado encontrado

2. O AUTO-CONCEITO E O SEU IMPACTO NA CONSTRUÇÃO DE PROJECTOS DE VIDA

2.2. Elementos caracterizadores do auto-conceito

Ainda que sejam direccionados para a área da Psicologia Clínica, os constituintes do auto- conceito, apresentados por Vaz Serra (1988), parecem fazer sentido no contexto vocacional e de construção de projectos de vida.

Assim, segundo o psiquiatra (ibidem), no constructo do auto-conceito há que sublinhar como seus constituintes, as auto-imagens, a auto-eficácia, as identidades, o auto-conceito real, o auto-conceito ideal e a auto-estima, abaixo descritos.

As auto-imagens referem-se ao resultado das observações do próprio indivíduo, como projecto da sua própria observação, sendo a organização, o modo como o indivíduo hierarquiza essas auto-imagens, de acordo com o significado para si, traduzido na importância que elas têm para o próprio (ibidem). O outro elemento constituinte do auto- conceito é a auto-eficácia, a qual se refere às auto-percepções do indivíduo, quanto à sua capacidade e eficácia para enfrentar os desafios do contexto em que se insere, com efectividade e êxito, levando a consequências almejadas (Palenzuela, 1982; Mischel, 1977, cit. por Vaz Serra, 1988). Respectivamente ao constituinte identidades, Vaz Serra (1988) defende que o indivíduo pode ter várias identidades, sendo aquela à qual ele dedicar mais tempo e atenção, a que se encontra numa posição mais elevada na própria hierarquia. O auto-conceito ideal refere-se ao modo como o indivíduo sente que deveria ou gostaria de ser e não como se percebe e avalia na realidade, enquanto o auto-conceito real entende-se, segundo o autor, como a forma em que o indivíduo se percebe e avalia, efectivamente.

19 Segundo o autor, quanto menor for a diferença entre os dois auto-conceitos, mais facilmente o indivíduo se aceita como é, detendo, por isso, um melhor ajustamento pessoal (ibidem). Por último, a auto-estima, referida por Vaz Serra (1988) e por outros autores (Alcântara, 2000; Espada, 2009) como o constituinte valorativo e avaliativo do auto-conceito, tem grande impacto no desenvolvimento do indivíduo e na construção dos seus projectos de vida, derivados de umas tomadas de decisão, em detrimento de outras. Este constituinte “relaciona-se directamente com as aspirações pessoais e a sensação de êxito e de domínio das circunstâncias que nos rodeiam” (Espada, 2009, p.64). Trata-se, portanto, de um constituinte efectivo do auto-conceito, em que o indivíduo faz julgamentos de si próprio, associando à sua identidade sentimentos valorativos do “bom” e do “mau”. Segundo Well e Marwell (1976, cit. por Espada, 2009), a definição de auto-estima subdivide-se em duas significâncias: a primeira baseia-se no sentido de competência, estando ligada a sentimentos de eficácia e aos processos de atribuições e comparações sociais e a segunda significância assenta na virtude, como elemento representante do valor pessoal, com as normas e os valores do comportamento pessoal e interpessoal.

Para desenvolver a sua auto-estima, o indivíduo recorre a experiências pessoais, encaradas como múltiplos desafios diários, os quais permitem reforçar a sensação de competência pessoal do próprio, a fim de os enfrentar com sucesso e fomentar a sua auto-estima.

Entre um grande número de investigações realizadas quanto à conexão entre a auto-estima e o desenvolvimento vocacional, várias referem relações positivas entre a auto-estima e as atitudes de planeamento e exploração de carreira. Segundo um estudo desenvolvido por Chiu (1990; cit. por Janeiro, 2008), realizado com estudantes adolescentes, verifica-se uma relação positiva entre a auto-estima e a formulação de objectivos de carreira, sendo esta relação mais importante no grupo de adolescentes do sexo masculino. Outros estudos estudam as relações entre a auto-estima e a maturidade de carreira (Jones, Hansen & Putnam, 1976; Janeiro, 1997; Janeiro & Ferreira-Marques, 1999, cit. por Janeiro 2008), identificando a existência de correlações significativas, ainda que não muito elevadas, entre a auto-estima e as atitudes de planeamento, traduzidas na maturidade vocacional, nas preferências vocacionais e nas atitudes de exploração.

Em suma, são vários os constituintes do auto-conceito propostos por Vaz Serra (1988), com maior ou menor impacto entre si, relativamente ao desenvolvimento e à maturidade vocacional e à consequente construção de projectos de vida.

20 2.3. Origens do auto-conceito e (breve) evolução histórica

Do ponto de vista histórico, embora o auto-conceito tenha sido estudado por filósofos, teólogos e outros profissionais antes dos anos 40, é a partir dessa década que este constructo começa a despertar maior interesse em estudos da Psicologia e da Sociologia (Sherif, 1972).

O investigador William James é considerado o primeiro a analisar o auto-conceito do ponto de vista psicológico, demarcando-se das posições filosóficas, anteriormente assumidas (Burns, 1986). Dos seus contributos mais significativos destaca-se a dicotomia constituída entre o self. Segundo o autor, o Eu de um sujeito encontra-se dividido em ―The I‖ e ―The Me‖. O primeiro – ―The I‖ – refere-se ao Eu conhecedor, o que organiza e interpreta subjectivamente a experiência do sujeito (Eu-como-Sujeito) e o segundo – ―The Me‖ – reporta-se ao Eu enquanto conhecido (Eu-como-Objecto), o qual é constituído pelas características materiais e objectivas (corpo, família, objectos), espirituais (faculdades psíquicas) e sociais (relações, papéis), concedendo ao sujeito a sua individualidade (Marsh & Shavelson, 1985). No entanto, embora sendo William James considerado o primeiro a analisar o auto-conceito do ponto de vista psicológico, outros autores surgem associados ao estudo e análise deste constructo, tais como o evolucionista James Mark Baldwin (1861- 1934), que distingue a perspectiva interacionista do desenvolvimento do Eu, ao considerar o Eu e o Outro indissociáveis (Byrne, 1986; Sherif, 1972; Burns, 1979;1986; L’Ecuyer, 1978). A evolução deste constructo, apesar de influída por uma ou outra área do conhecimento, representa um progresso consensual ao longo do tempo, dada a sua focalização na importância do auto-conceito para o funcionamento e bem-estar do sujeito, da sua origem social e do seu papel central, enquanto regulador e mediador do comportamento, das percepções e das expectativas pessoais de cada um.