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3. A Luta

3.3. A Estrutura de uma Cena de Luta – segundo John Kreng em “Fight Choreography – The

3.3.6. Elementos Físicos de uma Cena de Luta

Depois da narrativa construída, da caracterização dos lutadores feita, e da estruturação da luta pensada, é a altura de discutir os elementos físicos que são necessários para construir uma cena de luta. A construção de uma luta não é algo que fique definido logo na primeira planificação. É necessário começar-se com o básico e ir afinando cada elemento que constitui a cena até obter uma luta bem polida.

Segundo John Kreng (Kreng, 2007: 361), na primeira fase deve ser traçado o início e o fim da luta. Estabelecem-se os blocos básicos com as técnicas fundamentais e a sua intenção. A segunda fase consta de preencher os espaços entre os pontos. Trata-se da utilização de algumas técnicas que representam efectivamente as emoções do momento, fazendo também com que o ambiente se integre na luta.

Na terceira fase afina-se a intenção de cada técnica da luta, introduzem-se e misturam-se as artes marciais, e leva-se ao limite a personalidade e capacidades das personagens.

A quarta fase é aquela em que “são adicionadas as pausas dramáticas e as batidas, afinando também as artes marciais durante os momentos de actuação” (Kreng, 2007: 362). É nesta fase que se pode ajustar a duração da luta. Finalmente, quando tudo já está definido, faz-se uma simulação da cena de luta completa para se verificar se esta se desenrola de maneira fluida e com os tempos certos.

Para Kreng (Kreng, 2007: 362), os elementos físicos principais de uma cena de luta são: intenções, técnicas; batidas e pausas; ritmo; timing; cue – deixa; duração; ambiente; estilização dos movimentos; linguagem corporal; posições; e combinação de abordagens. Como já foi referido, a escolha das várias técnicas de luta é importante e deve ser feita com atenção para com os vários elementos da história, ambiente e as próprias personagens. Coreografar uma luta é como elaborar os elementos básicos de uma dança. Quando fazemos uma coreografia temos que ter em conta os passos, o ritmo, a cooperação e a temporização de um conjunto de movimentos preestabelecidos entre parceiros.

Ter conhecimentos de música facilita coreografar uma luta pois com a música tem-se a percepção das batidas, pausas e ritmo. Kreng (Kreng, 2007: xxiii) exemplifica a importância da música para a luta com exemplos de pessoas importantes do mundo cinematográfico das artes marciais como Bruce Lee que foi campeão de Dança Cha-Cha em Hong Kong; Jeff Imada (coordenador de duplos em “Fight Club” (1999), “Daredevil” (2003), “The Crow” (1994), etc.) foi pianista clássico, compreendendo perfeitamente a noção de ritmo; John McTiernan, realizador de “Die Hard” (1988) e “Predator” (1987), pensa nos filmes como uma estrutura musical; e John Woo, realizador do filme “The Killer” (1989), “Mission: Impossible II” (2000) e “Face/Off” (1997), assiste a treinos de dança de musicais para se inspirar antes de coreografar uma cena de acção.

“(...) o ritmo de uma música (e luta) é estabelecido pela utilização de diferentes notas musicais (técnicas) e os espaços entre eles (pausa). Estes são os que compõem o ritmo da música (ou uma troca de técnicas na luta). Repetindo os mesmos tipos de notas ou similares (técnicas) e com a mesma duração das interrupções (pausas) entre cada técnica fará a cena de luta monótona para o público e pode realmente embalá-los a dormir”. (Kreng, 2007: 363)

Aquilo a que John Kreng (Kreng, 2007: 363) chama de “Cue”, ou em português “deixa”, consiste numa específica e predeterminada técnica em que a personagem responde durante a luta. Pode ser a reacção a um golpe, um contra-ataque em que o atacante tem que se defender ou leva um golpe, ou pode ser uma mudança de estilo de luta. Estes são momentos que mudam a fluidez do lutador, alterando também o ritmo de uma luta.

A duração de uma luta deve ser controlada. A audiência suporta a emoção intensa por um certo tempo. Caso seja exagerada o espectador fica exausto e não consegue concentrar-se mais na experiência.

Isto não quer dizer que uma luta deve ser sempre curta. O principal a ter em conta para se realizar uma luta longa são as pausas, para a audiência não ser sobrecarregada de movimentos. Por exemplo, lutas nas séries de anime podem durar vários episódios, no entanto estão repletas de pausas, ou fazem montagem paralela, mostrando as acções de outras personagens, que estão noutros locais, ou até recorrem a flashbacks de modo a apresentar justificações mais profundas do confronto.

Kreng (Kreng, 2007: 367) acha necessário estilizar técnicas de modo a que estas tenham um impacto visual cinematográfico. Quase todos os movimentos de uma luta nos filmes são estilizados de maneira a que o público veja a técnica e a aprecie. Muitas técnicas podem ser eficazes na vida real mas na tela podem não parecer eficazes. Então a estilização é aplicada de maneira a que pareça eficaz.

A estilização dos movimentos vai variando consoante o nível de realidade das técnicas. Uma luta de rua mais realista não vai usar tantas projecções e fazer com que os lutadores voem. Tudo é definido consoante o nível de fantasia do filme. “Quando se estiliza técnicas para um filme, terás que constantemente fazer malabarismos para conseguir um equilíbrio entre a eficácia visual (para a câmara), a estilização (estética visual / nível de realidade), e a estratégia de luta (praticabilidade, credibilidade e abordagem da personagem) estabelecida no filme”. (Kreng, 2007: 368)

A linguagem corporal é a principal chave para representação do diálogo não- verbal – um elemento determinante para o estabelecimento do Pathos32 emocional de uma cena. Pode expressar o nível de confiança – desde fraqueza a ultra-confiança, emoções –

32 Palavra de origem grega que representa um apelo às emoções da plateia. Pathos é uma técnica de

comunicação utilizada com mais frequência na retórica (onde é considerado um dos três modos de persuasão, ao lado de ethos e logos), e na literatura, cinema e outras artes narrativas.

desde sofrimento a exaltação, e ser emblemática da própria situação retratada – defender- se ou tentar conquistar algum propósito.

Através das posições, tiques corporais e expressões faciais é que são transmitidos os sentimentos e as emoções. Cada posição corporal tem o seu propósito, pontos fortes e pontos fracos. A postura e as expressões faciais podem resumir o estado físico, emocional e mental da personagem. Existem as posições agressivas, posições centradas e posições defensivas.

Cada tipo de posição tem o seu balanço corporal, e os membros são colocados consoante a técnica que utilizam. Estes elementos em conjunto é que tornam física e visualmente apelativa a cena de luta. Construídos estes elementos físicos passa-se para os elementos técnicos.