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2 O CONTEXTO SÓCIO-HISTÓRICO DE INSERÇÃO DAS PESSOAS

2.3 Elementos necessários à inclusão de pessoas com deficiência e necessidades

forneceram a base para a formulação das políticas educacionais brasileiras que incorporaram os discursos da universalização do ensino e da educação inclusiva (MELETTI, 2014, p. 793).

Nos últimos 20 anos a luta das pessoas com deficiência conquistou importantes marcos na educação, na assistência social, no trabalho formal e no acesso às tecnologias diversas. No entanto, este ainda é um caminho longo, que exige uma política pública constante e, principalmente, a transformação da cultura. Assim como a escravidão deixou marcas históricas na vida da população negra, que sofre até hoje com um racismo estrutural, as pessoas com deficiência também passam por um estigma que criou raízes profundas de exclusão e segregação. Por isso, faz-se necessário um olhar crítico à perspectiva de inclusão, que se pretende promover ao tratar desse grupo societário, visto que as discriminações inerentes à classe, gênero e raça/etnia somadas às deficiências, podem criar um contexto de violação de direitos que é por vezes invisibilizado. Sendo assim, é necessário assegurar elementos fundamentais que promovam uma verdadeira participação da pessoa com deficiência na sociedade.

2.3 Elementos necessários à inclusão de pessoas com deficiência e necessidades educacionais especiais

O debate acerca da inclusão de pessoas com deficiência esteve por muito tempo limitado a um nicho social distante da visibilidade popular. Em geral, as pessoas só se preocupam com a questão quando convivem diretamente com pessoas com deficiência, parentes ou amigos próximo, ou quando elas mesmas têm deficiências adquiridas e já tiveram mais oportunidades acesso nos níveis profissionais e educacionais. Como vimos ao longo do capítulo, essa é uma realidade que tem se transformado gradualmente no Brasil e no mundo, fruto do engajamento político, da luta pelos direitos humanos e de políticas públicas eficientes, mas não há dúvida que este ainda não é o cenário ideal.

Compreender a necessidade da promoção de uma cultura inclusiva na sociedade passa pelo desejo de construir essa sociedade que respeita as diferenças e abraça a diversidade humana, e esse é um desafio na sociedade em que o padrão de normalidade é a competitividade e o individualismo. O termo inclusão pressupõe a exclusão, portanto, é fundamental esclarecer de que tipo de inclusão estamos tratando. Para isso, a literatura da área nos oferece o conceito de barreiras que seriam impeditivos à inclusão, descritas por Sassaki (2009) como:

As seis dimensões são: arquitetônica (sem barreiras físicas), comunicacional (sem barreiras na comunicação entre pessoas), metodológica (sem barreiras nos métodos e técnicas de lazer, trabalho, educação etc.), instrumental (sem barreiras instrumentos, ferramentas, utensílios etc.), programática (sem barreiras embutidas em políticas públicas, legislações, normas etc.) e atitudinal (sem preconceitos, 2 estereótipos, estigmas e discriminações nos comportamentos da sociedade para pessoas que têm deficiência) (SASSAKI, 2009, p. 1).

Cada uma dessas barreiras retrata a realidade diária de um indivíduo que possui algum tipo de deficiência, síndrome ou transtorno de aprendizagem e para o enfrentamento dessas barreiras socialmente impostas foram criados, como vimos no tópico anterior, regulamentos, documentos e legislações que preveem adaptações curriculares, espaços específicos para atendimento, e principalmente, os pesquisadores da área desenvolveram e desenvolvem estudos, relatos de experiência e documentos que orientam esses processos. A Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial (ABPEE), foi criada em 1993, e é responsável pela Revista Brasileira de Educação Especial, que desde 1994 apresenta um editorial voltado completamente para a temática. Este é um dos espaços fundamentais para fomentar conhecimento entre os pesquisadores da área e também para professores que vivenciam em sala de aula a necessidade da inclusão, muitas vezes sem nenhuma referência curricular que os oriente nesse sentido.

Ainda sobre a questão curricular Dias e Pedroso (2015) indicam, ainda, que é parte fundamental do processo inclusivo ouvir dos próprios sujeitos seus pontos de vista sobre a formação curricular que lhes é oferecida:

[...] A participação nas discussões sobre o currículo de grupos sociais, negados e silenciados, dos quais fazem parte os sujeitos escolares, é um dos caminhos para a construção de conhecimentos educacionais que respondam às exigências de uma sociedade democrática, plural e inclusiva. Tais participações e conhecimentos devem modificar as relações de poder prevalentes na escola e possibilitar a essa instituição o desenvolvimento da cultura, língua, identidade e valores de seus alunos (MENDES; ALMEIDA, 2015, p. 59).

Afinal, a intenção da inclusão não é a simples inserção em salas de aula, sem a finalidade de proporcionar a todos que ali estão o conhecimento de forma adequada e acessível. Por isso, é necessária a participação desses sujeitos na construção dos currículos, dos espaços, das tecnologias, para que verdadeiramente estejam incluídos, que façam parte dos processos. Este pressuposto faz parte do reconhecido lema “Nada sobre nós, sem nós” que

Sassaki resumirá em: “Nenhum resultado a respeito das pessoas com deficiência haverá de ser gerado sem a plena participação das próprias pessoas com deficiência”. Ou seja, a plena participação das pessoas com deficiência exige, em caráter obrigatório, a participação nos processos de decisão que dizem respeito às suas próprias vidas.

Pensar a educação como forma de emancipação humana e da sociedade, como defende Mészáros (2008), não é o objetivo das instituições de ensino superior brasileiras. Assim como as políticas de assistência social têm papel fundamental na reprodução do capitalismo, a educação também é campo de disputas, pois, perpassada pela lógica do capital, detém o poder de controlar e reproduzir as massas de trabalhadores para a “qualificação” e ocupação de postos de trabalho. O mercado precisa de mão de obra “qualificada” para atender a certas atividades e aos interesses de produtividade e lucratividade.

Os critérios de produção, eficácia e eficiência são fundamentais na gestão do trabalho cada vez mais polivalente, que exige para a ocupação de cargos mais bem remunerados um grande tempo de dedicação aos estudos. Nessa sociedade cheia de contradições e com vasto exército industrial de reserva, estão também as pessoas com deficiência, que, como outros grupos societários, foram historicamente excluídos do acesso à cultura, lazer e educação.

A “homogeneização para a produtividade” (BUENO, 1993) perpassa toda a história da Educação Especial, pois apenas os filhos dos nobres e burgueses podiam acessá-la. Neste ponto da história chegamos diretamente à educação inclusiva. Ainda distante desse termo atual, a educação para todos, inclusive para as pessoas com deficiência, como já citado anteriormente não era acessível às camadas populares, pois não se tratava de uma demanda de interesse público.

A inserção da pessoa com deficiência no ambiente acadêmico é anterior às políticas que hoje proporcionam o acesso, apoio e permanência destes alunos nos mais variados níveis educacionais. As políticas são fruto de pesquisas, lutas políticas, militância e diversas discussões que perpassaram, de diferentes formas, mais ou menos intensas, as Instituições de Ensino Superior pelo Brasil. Ressalta-se a importância dos avanços legalmente conquistados que fomentaram a criação dos espaços, através de recursos públicos e sob ameaça de penalidades caso descumpridas.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, aprovado em 2015, passou 12 anos para ser aprovado e exigiu organização política e mobilização em favor da sua construção e aprovação. Além disso, o cenário político do Brasil era favorável a esse contexto, visto que muitas das conquistas nessa área estão compreendidas no governo do Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, demonstrando um alinhamento político com as

causas sociais e humanas. Entretanto, a legislação por si só não é suficiente para a concretização no real. O processo de mudança na sociedade exige um nível de comprometimento social e o financiamento das políticas por parte do governo, que no caso da inclusão deu-se de forma mais ampla a partir do Programa Incluir (2005), que financiou a criação de Núcleos de Acessibilidade nas universidades brasileiras, promovendo, assim, o fortalecimento quanto à inserção da temática no contexto do ensino superior.

Diante do exposto, é importante considerar que os elementos que contribuem para a promoção da inclusão envolvem necessariamente toda a sociedade, para que não estejam reclusos a pesquisa, nem as políticas, nem as famílias de pessoas com deficiência. Afinal, o intuito da inclusão é que todos participem dos espaços sociais historicamente negados, não só às pessoas com deficiência, mas principalmente a elas. Como afirma Sassaki (1997):

E mais ainda, é fundamental que todos saibamos que um bom volume de providências para eliminação das desvantagens que elas sentem depende do envolvimento de cada um, individualmente, e não apenas de figuras abstratas e impessoais de "entidades" ou do "governo".

Além disso, uma sociedade inclusiva vai bem além de garantir apenas espaços adequados para todos. Ela fortalece as atitudes de aceitação das diferenças individuais e de valorização da diversidade humana e enfatiza a importância do pertencer, da convivência, da cooperação e da contribuição que todas as pessoas podem dar para construírem vidas comunitárias mais justas, mais saudáveis e mais satisfatórias (SASSAKI, 1997, p.164. grifos do autor).

Entendemos que em algumas perspectivas o termo “inclusão” possa ser visto como conservador, já que pressupõe que o indivíduo esteja excluído na sociedade capitalista, o que significa, nesse contexto, uma exclusão no processo de expropriação da classe trabalhadora e no consumo de bens e serviços, que vão gerar lucro ao Capital. Entretanto, negar o envolvimento nessa luta é também negar a historicidade que pertence a este grupo social, visto que no processo de conquista dos direitos da classe trabalhadora, e a grupos que foram historicamente alvo de preconceito, criminalização e violência (LGBTQI+, movimento feminista, população indígena), em todos estes, além do estigma gerado por pertencer ao grupo, as pessoas com deficiência sofrem duplamente este processo de exclusão. Não lhes é dada a oportunidade de acessar o conhecimento mínimo para se engajarem.

Observe-se, por exemplo, questões que atingem cotidianamente os cegos e deficientes visuais, que não poderão entender a sociedade se não acessarem a informação que está em livros não adaptados; os Surdos e deficientes auditivos: se não conseguem se comunicar com os ouvintes, se não dominam a língua escrita, se a informação não lhes chega

através da língua de sinais. No caso desse último grupo, no início de 2019, a reportagem da Folha de São Paulo, “TV pública para surdos exclui vídeos sobre esquerda e filósofos”4,

divulga a censura aos vídeos “considerados de esquerda”, que tratavam de filósofos como Karl Marx, Gramsci e algumas figuras brasileiras que cederam entrevistas à TV do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), como Jean Wyllys, e temas como feminismo, ou regime militar, negando aos surdos acesso à informação pública sobre temáticas pertinentes à sociedade. Em relação aos deficientes físicos, é possível perceber as dificuldades que enfrentam se os espaços que precisam ocupar não são acessíveis, se a rua não lhes é acessível, se não podem locomover-se pelo campus universitário, se lhes é negado o direito de acessar os espaços em que eles possam reivindicar.

A todos aqueles que historicamente foram vistos como incapazes de pensar, de ser independentes, de tomarem decisões sozinhos, de falar, de ouvir, a estes a prerrogativa da inclusão é o único caminho em que lhes é devolvido o direito de lutar pela transformação da sociedade. Para nós é fundamental a compreensão de que a inclusão não seja a mera inserção presencial de uma pessoa com deficiência ou necessidades específicas nos ambientes de salas de aula ou mesmo em empresas, ocupando os cargos não conforme sua capacidade e formação, mas com o que exige menos adaptação das empresas, pois essa “inclusão” nada mais é que um preconceito velado, feito para que escolas, universidades, serviços públicos e empresas tenham um discurso inclusivo associado a sua imagem, quando na verdade sua prática não se diferencia muito das praticadas no Brasil Colônia.

Entretanto, além do falso discurso inclusivo, uma outra atitude de preconceito velado tem tomado as discussões populares e, até certo grau, pode nos parecer uma discussão polêmica, em se tratando de pessoas com deficiência ou mesmo transtornos de aprendizagem. A concepção de Capacitismo segundo DIAS (2013, pág. 2) está “presente no social que lê as pessoas com deficiência como não iguais, menos aptas ou não capazes para gerir a próprias vidas”. Infelizmente essa compreensão incutida no imaginário social nos leva a discursos muito comuns, que por vezes são estimulados por discursos meritocráticos, que trazem histórias de pessoas que “superaram” a deficiência e vivem ou trabalham “normalmente”, mas o que está por trás desse discurso de superação, muitas vezes é a tentativa de normalização das condições de vida a qual dificilmente as pessoas com deficiência têm acesso. A glamourização desses discursos de superação, baseados muitas vezes numa história de negação de direitos, pode fomentar o discurso de que “basta querer, ter força de vontade, que

4Acesso a reportagem completa: ttps://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/tv-publica-para-surdos-

tudo é possível”, e que, portanto, se alguém não alcançar tal patamar é porque não se esforçou o suficiente. Dias (2013, p.11) nos mostra mais uma vez a desconstrução dessa ideia:

A idéia de superação, tenta criar um especialismo, para motivar as pessoas com deficiência a se imaginarem como super-heróis para os outros seguirem. Some-se a isso a dívida imediatamente construída: obriga-se a todas as PcDs a serem profundamente gratas com as imensa oportunidades dadas a elas por seus patrões, empregos e cotas, alienando-as da noção de que elas tem direito ao trabalho a autonomia. No imaginário dominante de superação, em que o individualismo se dota de marca definitiva de status, poder, prioridade, ganho e excelência, o capacitismo encontra um excelente aliado no neoliberalismo. Em vez de organizar o cuidado comunitário, os indivíduos devem provar e voltar a provar a si mesmos como únicos, e sem mediadores, porque, no limite, “os outros são os outros e só”. A mediação se organiza em torno do corpo normal e de sua busca por individualidade e auto-sustentação e nunca por uma coletividade, afinal a característica definidora do neoliberalismo é ultrapassar qualquer forma de aliança solidária. Nesse mundo faustiano, as pessoas com deficiência são cada vez mais exploradas, e convidadas a acreditar que enquanto isso salvam o mundo, tornado-se exemplos.

A partir das reflexões exposta, o capítulo seguinte se propõe a identificar o processo de fomentação da cultura inclusiva na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, percebendo sob quais instâncias a universidade tem atendido as demandas de acessibilidade e cumprido as legislações nacionais que tratam sobre as PCD também o cumprimento da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (2008).

3. O DESENVOLVIMENTO DA REDE DE APOIO E SERVIÇOS AO DISCENTE

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