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CATARINENSE: A TERRA INDÍGENA XAPECÓ ENTRE HISTÓRIA E TRAJETÓRIA

1.1 Elementos para o entendimento da História Indígena

Se a história da TI Xapecó parece se conformar com a história do Brasil foi porquanto muitas práticas sejam elas políticas, sociais, econômicas e culturais corroboram para isso. De uma visão um tanto quanto reducionista dos primeiros cronistas do Brasil colonial, pautada

42 A “indigeneidade da paisagem”, noção aqui adotada para a tese diz respeito ao contexto em que as paisagens “[...] mostram assinaturas humanas de transformações primárias do passado.”. Pressupõe-se que as florestas, as paisagens em si, não são como são simplesmente pelas transformações ambientais ocorridas no tempo/espaço, mas constituem-se como são por conta, sobretudo, da influência e da interferência dos povos indígenas naqueles espaços, naquelas paisagens. Segundo Balée a “Indigeneidade é o estado ou qualidade de ser indígena. No meu uso do termo, se refere às maneiras tradicionais de conhecimento do mundo próprias de tradições culturais de pequena escala cujos sujeitos têm sido historicamente os alvos humanos do colonialismo europeu e neo-europeu e, mais recentemente, da globalizaçãoeconômica.” BALÉE, William, op. cit., p.09 e 10.

na dificuldade em perceber o sentido e o poder da organização social e cultural, dos mitos e ritos dessas sociedades “recém descobertas”, os ameríndios passaram de sujeitos que “[...] não têm Fé, nem Lei e nem Rei; e desta maneira vivem sem Justiça e desordenadamente.” para ocupar seus devidos “lugares” na história e historiografia brasileira contemporânea.43

Segundo o historiador John Monteiro existe um ponto em comum nos escritos quinhentistas, consolidado e aprimorado pela historiografia do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) do século XIX, passando por Capistrano de Abreu, Florestan Fernandes, entre outros, e, alcançando Darcy Ribeiro em meados do século XX: certo pessimismo com que se encarava o futuro dos povos nativos (desaparecimento, extinção, depopulação, aculturação e assimilação, incorporação à sociedade nacional).44 Pode-se dizer que esse pessimismo ou este ponto de ligação entre o Brasil colonial e republicano são perceptíveis nas políticas indigenistas e na proteção tutelar do SPI como também da FUNAI.

A presença indígena na formação do Brasil seiscentista acusava mais de mil e quinhentos povos falantes de mais de mil línguas, com estimativas um tanto quanto imprecisas oscilando entre cinco a dez milhões de indígenas. Embora estes números e a diversidade ameríndia tenham decrescido drasticamente em cinco séculos para pouco mais de 300 povos étnicos falantes de mais de 270 línguas distintas,45 oriundos dos principais troncos linguísticos Tupi-Guarani, Macro-Jê, Aruak e Karib,46 os lugares dos indígenas na história do Brasil são múltiplos e complexos e não se reduzem a crônica do desaparecimento, extinção e pessimismo.

Não há dúvida que o etnocentrismo europeu dificultou a compreensão dos signos e símbolos ameríndios bem como o diálogo com povos de culturas distintas, o mundo de descobrimento fundou na historiografia tradicional brasileira noções e concepções sobre a

43 “Não tem Fé, nem Lei e nem Rei” é uma frase muito difundida a partir de Gandavo (1576). GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil. História da Província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Brasília: Senado Federal, 2008. p. 65.

44

MONTEIRO, 2004, op. cit., p.222.

45 GOMES, Mércio Pereira. Os índios e o Brasil. Passado, presente e futuro. São Paulo: Ed. Contexto, 2012. p. 13.

46 Existem línguas indígenas no Brasil que não se enquadram em nenhum desses troncos mencionados. URBAN, op. cit.; LUCIANO, Gersem dos S., Baniwa. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil hoje. Brasília: MEC/SECADI/UNESC e Projeto Trilhas de Conhecimentos/ LACED/Museu Nacional, 2006.

humanidade dos ameríndios pautadas em bipolaridades, dicotomias e mitografias. Por muito tempo os indígenas foram descritos como povos sem história, sem memória, sem organização social e política,47 e, em consequência disso, sem Estado.48

A história indígena no Brasil feita inicialmente por cronistas, missionários, exploradores, administradores, militares, viajantes e naturalistas passou a se renovar e alcança pouco mais de um século e meio de escrita. A partir do último quartel do século XX, esta ganhou tecitura através de pesquisas com fontes documentais, etnográficas e orais, e, neste sentido, a nova história indígena visa compreender e articular os processos históricos permeados pelo tempo e pelo espaço que vivenciaram os diversos povos. Os historiadores sabem que para além dos problemas de contato e das fricções étnicas,49 existe uma constelação de possibilidades interpretativas sobre a história dos indígenas no Brasil.

Sem embargo, os indígenas brasileiros foram pensados

intelligentia e pela historiografia tradicional como coadjuvantes na

história do Brasil e muitas vezes apontados a partir de uma concepção generalizante. O antropólogo Darcy Ribeiro quando publicou Os índios

e a civilização em 197050 elaborou um quadro pessimista que indicava o grau de integração dos grupos indígenas na sociedade brasileira. Para Ribeiro, o índio genérico surge da transfiguração étnica, da condição de índios tribais à de índios genéricos, e não do indígena ao brasileiro.51 O

47 NOVAES, Adauto (Org.). A outra margem do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

48

Pierre Clastres compreende que as “sociedades primitivas” foram julgada s como sociedades sem Estado, e em decorrência disso, sociedades “incompletas”. Tais julgamentos, opiniões ou mesmo juízos de valor representam uma das faces do etnocentrismo, a outra face se localiza na convicção de que a história correria num único sentido, baseada numa sucessão de etapas que principia com a “selvageria” e conduz à “civilização”. Atrás desse etnocentrismo contido nas formulações modernas está o evolucionismo. O que desafiava o colonizador ao deparar-se com os índios era não se desenvolverem “[...] sob a sombra protetora do Estado [...]” e não se dedicarem ao “trabalho”. O autor realiza considerável análise sobre a existência de sociedades “primitivas” sem Estado, e que o aparecimento do Estado possibilitou uma divisão tipológica entre selvagens e civilizados. Para maiores esclarecimentos consultar sua obra CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado: pesquisas de antropologia política. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p.211.

49

OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O índio e o mundo dos brancos. 4 ed. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 1996. p. 33.

50 RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização. A integração das populações indígenas no Brasil moderno. 7 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

51

Ribeiro definiu os povos indígenas entre as categorias de “isolados”, em “contato intermitente”, em contato permanente”, “integrados” e ou “extintos”. Este quadro das etapas da integração indígena indica a condição de “índio genérico”, aquele que representa uma forma de

brasilianista David Treece destaca que os índios dentro do pensamento nacionalista brasileiro foram balizados pela mitologia integracionista, que invocava tanto a assimilação na sociedade quanto se inclinava a uma “[...] história pacífica da integração política, social e econômica.”52

Foi por meio dos conceitos de democracia racial e do luso-tropicalismo, bem como da ideologia neocolonialista, como a Marcha para o Oeste, ao mito de uma identidade indígena assimilada, que o índio se tornou a “[...] argamassa simbólica do processo de colaboração social e racial pelo qual foi sendo construída a nação.”53

O etnólogo e antropólogo David Maybury-Lewis54 foi categórico ao dizer que o direito a pertencer a um grupo étnico e ter uma identidade (etnicidade) foi negado muitas vezes aos ameríndios por suplantar as identidades nacionais ou mesmo o ideal de igualdade e cidadania. A indianidade e suas especificidades foram muitas vezes suplantadas como obstáculo ao desenvolvimento dos estados nacionais. 55 Em países da América Latina onde a população indígena é maioria, os índios são sobretudo indivíduos e cidadãos que integram a nação democrática. Em países como o Brasil, onde o indígena é muitas vezes invisibilizado histórica e socialmente pela sociedade regional, estes representam um obstáculo ou devem confluir ao desenvolvimento.56 A identidade étnica não ameaça fisicamente, mas se resume a um desafio ideológico.57

Escritores, artistas e intelectuais celebraram em palavras as tradições e histórias dos povos indígenas mesmo sem nunca ter

acomodação entre a identidade étnica com a participação na vida social brasileira. Ibid., p.254 – 293.

52

TREECE, David. Exilados, aliados, rebeldes: o movimento indianista, a política indigenista e o Estado-Nação imperial. São Paulo: Nankin, Edusp, 2008. p. 11.

53

Ibid., p. 12.

54 MAYBURY-LEWIS, David. Vivendo Leviatã: Grupos Étnicos e o Estado. Anuário

Antropológico, Rio de Janeiro e Fortaleza, 83, 1985. p. 103- 118.

55 Para Maybury-Lewis os exemplos da França (com seu estado-nação baseado na racionalidade, na organização dos pressupostos humanos, na cidadania para todos, portanto, igualdade) e da Alemanha (com o sentimento de uma identidade alemã unificadora) contribuíram para certo mal-estar em relação a afirmação da etnicidade. Ainda que o modelo alemão não tenha prevalecido, sobretudo após a segunda guerra mundial, e que o modelo francês seja mais recorrente devido seu apelo à democracia, ambos contribuíram para que os indígenas fossem pensados como povos aculturados e nacionalizados. Ibid., p. 103- 118. 56

A palavra “desenvolvimento” aqui está imbuída dos pressupostos nacionalistas e dos caminhos políticos, econômicos e sociais elencados para a promoção do modo de vida dos brasileiros.

57 Nas palavras de Maybury-Lewis: “[...] não importa que as populações indígenas sejam grandes ou pequenas, que sejam ubíquas ou distantes, que vivam em países dominados por regimes de direita ou de esquerda, pois são exortadas ou forçadas a abandonar suas culturas em nome do desenvolvimento nacional”. Ibid., p.110.

convivido numa aldeia, o Indianismo que emergiu no final do século XVIII e findou aproximadamente no último quartel do século XIX – considerado por muitos como o movimento mais influente antes do Modernismo –, foi mais uma faceta do integracionismo dos ameríndios à sociedade.58

Desde os primeiros administradores até 1755 a política indigenista colonial teve nos projetos missionários – remodeladores da consciência e identidade indígena –, uma prática mediadora entre as comunidades indígenas e o Estado Imperial português. Mediação esta um tanto quanto conflituosa em virtude desta política nunca ter se definido claramente por parte da administração portuguesa e seus súditos na América. Existiu por mais de dois séculos e meio quadros de conflitos na relação índios/colonos, índios/padres evangelizadores, ainda entre padres/colonos, ou, sobretudo, entre índios/governo ou governo/religiosos.59

A segunda metade do século XVIII foi o divisor de águas para a percepção política e cultural do índio, inaugurando assim, novos métodos de incorporação à sociedade colonial. A política básica do Diretório Pombalino (Diretório dos Índios) era assimilacionista, paulatinamente transformar o índio se consolidou nos esforços governamentais que se sucederam.60 Marquês de Pombal baixou dois decretos que, primeiro, privou os jesuítas de exercerem seus poderes espirituais e políticos na Colônia, confiscando bens e expulsando a congregação de terras portuguesas em 1759, e, segundo, decretou as Leis de Liberdade, absolvendo os índios da legislação escravista e os liberando do regime de missões jesuíticas que passou a ser administrado por diretores leigos. O Diretório dos Índios foi implantado por decreto real no Brasil em 1758 e dissolvido em 1798, com seus 95 parágrafos, visava organizar e administrar os aldeamentos indígenas, transformando-os em vilas, ainda continuar dilatando a fé, porém, extinguir o gentilismo, introduzir práticas agrícolas e o comércio e, sobretudo, propagar a civilização dos índios. Nestes aldeamentos, o Diretório estabelecia que a língua deveria ser a portuguesa ainda que se

58

Conforme Treece, “[...] o indianismo foi a viga mestra do projeto imperial de construção do Estado, o mais importante objeto de reflexão artística e política a exercitar a mente de sua elite intelectual por mais de meio século.” TREECE, op. cit., p. 13.

59 BELLOTTO, Heloísa L. Política indigenista no Brasil Colonial (1570 – 1757). Revista do

Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 29, 1988. p. 49-60.

60

ALMEIDA, Maria Regina C. de. Metamorfoses indígenas. Identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2013. p.195 e 196.

poderia utilizar, em certa medida, a língua geral conhecida como Nheengatu.61

Tais pressupostos assimilacionistas da tutela fundados pelo Diretório mantiveram-se ao longo do século XIX e foram renovados pelo indigenismo brasileiro do período republicano brasileiro. Por outro lado, a existência dos aldeamentos indígenas, administrados pelas ordens ou por leigos, desde o período colonial ao imperial, esteve ancorada em certa subsistência oriunda de salários dos índios, venda de seus produtos, aforamento de suas terras ou da exploração de recursos naturais. A historiadora Maria Regina Celestino de Almeida esclarece que no final do século XVIII e início do XIX os rendimentos das aldeias provinham do “arrendamento” de terras indígenas.62

Os aforamentos, termo que se refere ao arrendamento de terras em tempos anteriores ao período republicano, serviram de base para a atuação de foreiros em conflitos regionais na expropriação de terras dos indígenas, sobretudo, a partir do Regulamento das Missões (1845) e da Lei de Terras (1850). Na segunda metade do século XIX consolidou-se o uso e posse de terras pautados na titulação e a destituição da condição identitária dos índios em muitos aldeamentos e regiões do Brasil, justificando o fim de aldeamentos e do direito a permanecerem em suas terras.63

A Corte portuguesa no Brasil e, sobretudo, a independência e a formação do Estado Imperial, foram decisivos para os novos contornos da história indígena. Alguns povos em virtude de sua condição de “bárbaros” dos sertões foram combatidos e outros inclinados a serem “assimilados”. Ainda que a Carta Régia de 1798 extinguisse o Diretório dos Índios, muitas das diretrizes deste último permaneceram vigorando

61 A nova legislação, chamada de Diretório dos Índios ou Diretório Pombalino que passou a regular todas as atividades e a vida nos aldeamentos surgiu, em 1757, inicialmente para a região norte, por meio das ações do governador do estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal. Ainda que o Diretório tenha trazido rupturas, algumas diretrizes básicas das legislações anteriores, como o Regimento das Missões de 1686, foram mantidas, houve continuidades como “[...] a divisão dos índios nas categorias de mansos e selvagens, a obrigação do trabalho compulsório para os aldeados, a condição de tutela a eles imposta que seria, então, exercida pelos Diretores, e a garantia das terras das aldeias para os índios.” ALMEIDA, Maria R. C. de, 2010, op. cit., p.109 e 110. FREIRE, C. A. R. e OLIVEIRA, J. P. de, op. cit., p. 70-72.

62 ALMEIDA, Maria R. C. de, 2013, op. cit., p.267 – 271.

63 O livro organizado por João Pacheco de Oliveira A presença indígena no Nordeste apresenta capítulos que abordam a fabricação social da mistura bem como estudos de caso referentes a invisibilidade social e territorial de populações indígenas e aldeamentos. OLIVEIRA, João Pacheco de (Org.). A presença indígena no Nordeste: processos de territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011.

até o Regulamento das Missões. A Guerra Justa aos Botocudos,64 declarada por Carta Régia em 5 de novembro de 1808, assinada pelo príncipe regente D. João VI, acentuou a distinção entre índios mansos e índios selvagens estimulando a defesa dos aldeados e o combate aos inimigos.65

Os Apontamentos de José Bonifácio de Andrada e Silva,66 projeto apresentado na Assembleia Constituinte de 1823 e que não chegou sequer a ser mencionado na Constituição de 1824, se traduz num documento político para sistematicamente integrar os índios bravos. Andrada e Silva acreditava, como muitos outros intelectuais e políticos de sua época, que mesmo os índios sendo “[...] vagabundos, e dados a contínuas guerras, e roubos”, “[...] entregues naturalmente à preguiça”,67

os índios bravos poderiam se tornar civilizados por meio de “constância e zelo” das práticas políticas.68

A criação do IHGB em 1838 e o envolvimento de intelectuais corroboraram para unir esforços na construção de uma escrita da história da jovem “nação” brasileira. De fato, a questão indígena passou a ser alvo de uma historiografia nacional somente com Francisco Adolfo de Varnhagen e com Carl Friedrich Philippe von Martius em meados do século XIX. Aos poucos os índios passaram a ser sujeitos históricos na formação racial da identidade nacional, porém, tal visibilidade se apresentou por meio de um isolamento dos índios no pensamento brasileiro e de um pessimismo em relação ao passado e ao futuro. Consequentemente, estas noções de isolamento e pessimismo produziram desdobramentos na política indigenista do Império.69

64

Dentro da generalização “botocudos” encontram-se os Gês meridionais Kaingang e Xokleng, bem como outros povos do tronco-linguístico Macro-Gê.

65 ALMEIDA, Maria R. C. de, 2010, op. cit., p.141-146.

66 SILVA, José Bonifácio de Andrada e. Apontamentos para a civilização dos Índios Bravos do Império do Brasil. ____. Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 89-149.

67 Ibid., p.89 e 90.

68 Nas palavras de José Bonifácio de Andrada e Silva: “[...] sem novas providências, e estabelecimentos fundados em justiça, e sã política, nunca poderemos conseguir a catequização e civilização desses selvagens. [...] Tenho pois mostrado pela razão, e pela experiência, que apesar de serem os índios bravos uma raça de homens inconsiderada, preguiçosa, e em grande parte de desagradecida e desumana para conosco, que reputam seus inimigos, são contudo capazes de civilização, logo que se adotam meios próprios, e que há constância e zelo verdadeiros na sua execução.” Ibid., p.101 e 102.

69 MONTEIRO, John. Tupis, Tapuias e os historiadores: Estudos de História Indígena e do Indigenismo. Tese Apresentada para o Concurso de Livre Docência Área de Etnologia, Subárea História Indígena e do Indigenismo. Campinas, 2001. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/ihb/estudos/TupiTapuia.pdf>. Acesso em: junho de 2009.

O Visconde de Porto Seguro, mais conhecido por seus escritos como Varnhagen,70 desenvolveu ampla e pioneira investigação em documentos do período colonial. Sua pena costumeiramente desqualificava os povos indígenas, conforme é possível perceber na célebre frase conhecida e citada por muitos historiadores em diferentes contextos, “[...] uma idéa de seu estado, não podemos dizer de civilisação, mas de barbarie e atrazo. De taes povos na infancia não há historia: há só ethnographia.” 71

Varnhagen via os índios como objetos da ciência, ou como afirma John Monteiro, “fósseis vivos de uma época remota”, seres que ajudavam a alumiar as origens da história da humanidade.72 Desempenhou papel importante no IHGB, tinha a pretensão de escrever a “história do Brasil” e foi considerado por muitos, como aponta a historiadora Lilia M. Schwarcz,73 um dos primeiros historiadores brasileiros, mas também geógrafo, biógrafo e matemático.

O naturalista alemão Von Martius foi premiado no concurso promovido pelo IHGB em 1844 sobre “Como escrever a história do Brasil”, 74

alcançou o prêmio com a tese de uma história ancorada nas especificidades brasileiras inaugurada nesta monografia, qual seja, a

70 Entre suas obras estão “História geral do Brazil” volume 1 e 2 escrita entre 1854 e 1857, “História das Lutas contra os Holandeses no Brasil desde 1624 a 1654” de 1871, “A questão da capital: marítima ou no interior?” de 1877 e a obras póstuma de 1816 “História da Independência do Brasil”.

71 E continua: “Nem a chronica de seu passado, se houvesse meio de nos ser transmittida, mereceria nossa attenção mais do que tratando-se da biographia de qualquer varão, ao depois afamado por seus feitos, os contos da meninice e primitiva ignorancia do ao depois heroe ou sábio.” VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Dos índios do Brazil em geral. In: VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brazil. Tomo I. Rio de Janeiro. 1854. p.107-108. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/01818710. Acesso em: 18 de dezembro de 2011.

72 MONTEIRO, 2001, op. cit., p. 03.

73 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870 – 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 106 e 107.

74 Além da obra vencedora “Como se deve escrever a História do Brasil” de 1844, ainda publicou inúmeros outros livros, como Reise in Brasilien (Viagem pelo Brasil), escrita entre 1823 a 1831 com Spix e que seria o primeiro volume de mais dois que planejavam. Assim, Von Martius deu continuidade ao projeto e em 1839 começou revisar e organizar uma das maiores obras de botânica que se tem registro, Flora brasiliensis, que contou com a ajuda de 60 autores alemães e europeus da época, foi patrocinada pelo imperador Ferdinando I da Áustria, pelo rei Ludovico I da Baviera e pelo imperador Dom Pedro II do Brasil. Em 1840 saiu o primeiro dos 140 fascículos que foram somente finalizados em 1906, após a morte de Von Martius que ocorreu em 1868. O historiador ainda escreveu “A Fisionomia do reino Vegetal no Brasil” de 1843, Der Naturell, die Krankheiten, das Arztthum und die Heilmittel

der Urbewehner Brasiliens (Natureza, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros) de

“fábula das três raças” que se mesclam e fundam o Brasil.75

Von Martius afirma que do encontro, da mescla, das relações mútuas e das